domingo, 5 de setembro de 2010

CAMPO DO GOYTACAZES.

Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras

Um dos sentidos da palavra inóspito é local em que não se pode viver. Pelas palavras do deputado marxista, os nativos da Amazônia passaram séculos vivendo mal, num meio em que não se pode viver. Durante séculos e milênios, eles sobreviveram bravamente esperando que os europeus viessem libertá-los do jugo da natureza. Por muito tempo, eles esperaram rádio, televisão, automóvel, computador eletrônico e outras invenções fantásticas do ocidente. Como eram bárbaros esses povos! Como sofreram à espera dos confortos produzidos pela economia capitalista! E agora, como são felizes vivendo numa sociedade de classes, mas na base dela..."


O Código Florestal de Aldo Rebelo (2º Parte)

Por Arthur Soffiati

Para entrar na Amazônia, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB de São Paulo, convoca o ilustre médico Josué de Castro. Primeiro, ele reduz a riqueza das discussões sobre a crise ambiental, nos anos de 1970, ao Clube de Roma. Na sua visão empobrecedora, todos os ecologistas apresentavam uma posição conservadora. O deputado, no entanto, ressuscita Josué de Castro, que ganhou projeção internacional com seus estudos sobre a fome crônica das camadas pobres do Brasil, mormente as do Nordeste. Sua concepção de desenvolvimento era padronizada. Consistia em aplicar o estilo dos países chamados desenvolvidos.

Aldo segue-lhe os passos. Para ambos, o “Homem” está em permanente luta contra a natureza. A seu ver, Josué de Castro, “Em Geografia da Fome, explica por que nada existe de mais fantasioso do que a suposta harmonia entre o homem e a natureza na região amazônica. Se, ao contrário de outras do país, grande parte da região amazônica conserva-se ainda hoje tal qual foi encontrada pelos colonizadores portugueses, há cinco séculos, isso não se deve à tal harmonia que a civilização não conseguiu destruir, mas exatamente à hostilidade do meio à vida humana e ao desenvolvimento. Como afirma Josué de Castro, ‘na alarmante desproporção entre a desmedida extensão das terras amazônicas e a exigüidade de gente, reside a primeira tragédia geográfica da região (...) Dentro da grandeza impe netrável do meio geográfico, vive este punhado de gente esmagado pelas forças da natureza, sem que possa reagir contra os obstáculos opressores do meio, por falta de recursos técnicos, só alcançáveis com a formação de núcleos demográficos de bem mais acentuada densidade’”

É correto negar que existiu ou existe harmonia na relação de sociedades humanas e natureza. Harmonia é um conceito criado pelo racionalismo do século 17. Hoje, o mais correto é falar de equilíbrio dentro de um ecossistema ou nas relações ser humano-natureza. Mas isto não significa, em absoluto, destruir a natureza. Em vez de luta, existe adaptação aos ecossistemas. Para os ameríndios, a Amazônia não era uma inimiga, mas a fornecedora de alimento, remédios e moradia. O próprio Marx explica que o capitalismo não podia nascer nos trópicos, pois a natureza, neles, leva à acomodação, já que fornece tudo de que os grupos humanos precisam em termos de necessidades básicas.

Na década de 1940, o pensamento de Josué de Castro era pertinente, mas hoje, a concepção de uma luta permanente do “Homem” contra a natureza foi superada por propostas que respeitam os ecossistemas. Estas propostas mostram que o desenvolvimento não se faz contra os ecossistemas, mas com os ecossistemas. Há vários pensadores trabalhando na linha do ecodesenvolvimento. Menciono apenas Ignacy Sachs, que rotula o estilo de desenvolvimento estadunidense como mau desenvolvimento.

Mas Rebelo continua na década de 1940. Vamos ouvi-lo novamente: “Se os chamados povos da floresta, índios e caboclos, depois de séculos de luta contra o meio inóspito, ainda ali vivem como viviam seus antepassados há centenas ou milhares de anos, certamente não é porque a tais povos satisfaçam as condições de vida características dessas eras passadas – quando se vivia 30 anos em média – mergulhados no isolamento completamente dominados pelas forças da natureza, perambulando nus ou seminus, abrigados em choças insalubres, infestadas de insetos e fumaça, lutando em condições absolutamente desiguais contra o meio hostil, que não lhes permite ir além das condições mais rústicas e primitivas de vida de seus ancestrais.”

Um dos sentidos da palavra inóspito é local em que não se pode viver. Pelas palavras do deputado marxista, os nativos da Amazônia passaram séculos vivendo mal, num meio em que não se pode viver. Durante séculos e milênios, eles sobreviveram bravamente esperando que os europeus viessem libertá-los do jugo da natureza. Por muito tempo, eles esperaram rádio, televisão, automóvel, computador eletrônico e outras invenções fantásticas do ocidente. Como eram bárbaros esses povos! Como sofreram à espera dos confortos produzidos pela economia capitalista! E agora, como são felizes vivendo numa sociedade de classes, mas na base dela. A visão de Aldo Rebelo é de um evolucionismo antigo, bem ao gosto de Morgan, que considerava as sociedades passando por três estágios: selvageria, barbárie e civi lização, sendo que a civilização europeia alcançou o último degrau da escada e hoje posa de modelo para as outras. Engels adotou esta concepção em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”.

Por este prisma, o latifúndio e o desmatamento representam um avanço civilizatório, rumo ao socialismo-comunismo.

Ainda com os pés na bárbara Amazônia, Aldo Rebelo comenta, seguindo Josué de Castro e o geógrafo francês Pierre Déffontaines, em seu parecer à proposta de reforma do Código Florestal: “A conquista de qualquer terra pela colonização é sempre o resultado de uma luta lenta e tenaz entre o homem e os obstáculos do meio geográfico. Entre a força criadora do elemento humano e as resistências dos fatores naturais. Na paisagem virgem, o homem é sempre um intruso que só se pode manter pela força.” Para o deputado do PCdoB, a equação verdadeira é HOMEM x NATUREZA e não HOMEM + NATUREZA. Em seu entendimento, os esquimós (hoje inuits), os pigmeus do Congo, os bosquímanos, os semang, os aborígenes da Austrália são escravos do me io em que vivem por não disporem de tecnologia para transformá-lo num ambiente do tipo dos Estados Unidos.

E continua o intrépido parlamentar, ignorante de todo debate atual acerca de biodiversidade, ecodiversidade, crise climática, estresse dos oceanos etc. Concedamos a palavra a ele. “Amazônia: luta tenaz do homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de vitalidade da floresta e contra a desordenada abundância da água dos seus rios. Água e floresta parecem ter feito um pacto da natureza ecológica para se apoderarem de todos os domínios da região. O homem tem de lutar de maneira constante contra a floresta que superocupou todo o solo descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre, inclusive o homem, sob o peso opressor de suas sombras densas, das densas copas verdes de seus milhares de espécimes vegetais, do denso bafo de sua transpiração. Luta contra a água dos rios que transformam com violência, contra as águas das chuvas intermináveis, contra o vapor d’água da atmosfera, que dá mofo e corrompe os víveres. Contra a água estagnada das lagoas, dos igapós e dos igarapés. Contra a pororoca. Enfim, contra todos os exageros e desmandos da água fazendo e desfazendo a terra. Fertilizando-a e despojando-a de seus elementos de vida. Criando ilhas e marés interiores numa geografia de perpétua improvisação, ao sabor de suas violências.”

Esta passagem do parecer de Aldo Rebelo é de uma ignorância larvar. Ele chega a antropomorfizar até os rios e florestas. Não apenas os grupos humanos vivem num padrão miserável, mas também os peixes nos rios e os animais terrestres dentro da floresta. Tanto para humanos como para animais, a natureza é despótica e escravizadora. A conclusão, por conseguinte, é a de que, sem rios e matas, o ser humano e os animais serão libertados e viverão felizes. Seria muito melhor para todos viver em São Paulo ou levar São Paulo para a Amazônia

Aldo Rebelo não consegue pensar em termos fundamentais e científicos. Ele desconhece o papel desempenhado pela Amazônia para a proteção da biodiversidade, do equilíbrio climático, da manutenção da água doce, da proteção às culturas nativas ainda não atingidas pelo ocidente agora internalizado no Brasil. Para ele, mais valem a cobiça internacional, a questão geopolítica e a integração da Amazônia ao modo de vida da Modernidade. E suas idéias retrógradas estão conseguindo adeptos, como Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Ambos se fixaram num estudo feito por Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá”. “Aqui” significa Estados Unidos; “lá” significa países que ainda têm florestas. Eles perguntam por que os ambientalistas não condenam a devastação de florestas nos países “desenvolvidos” e não exigem a instituição da reserva legal.

A resposta, para eles, é seguir os países do norte em seus erros, mudando a legislação para destruir a Amazônia e outros biomas do Brasil, reduzindo as Áreas de Preservação Permanente, eliminando a figura da reserva legal e perdoando as dívidas de ruralistas anteriores a 2008. Pergunto: em sã consciência, o governo brasileiro mudaria a legislação para permitir a ocupação dos biomas brasileiros em favor da agropecuária? As grandes empresas transnacionais de sementes, agrotóxicos, fertilizantes químicos, implementos agrícolas e transgênicos defenderiam a proteção das florestas, renunciando a seus interesses econômicos? Os ruralistas cessariam de destruir ecossistemas florestais em respeito à opinião de Shari Friedman?

Ora, ora, proprietários rurais e empresas de produtos para o meio rural querem o desmatamento e o praticam. A resposta mais ajuizada do governo brasileiro é reconhecer a importância da Amazônia para o planeta e valer-se de sua soberania para protegê-la efetivamente. Não é porque os países do norte devastaram suas matas que devastaremos as nossas. Não é porque lá não existe reserva legal que eliminaremos as nossas. O Código Florestal brasileiro carece de reforma, sim, mas não a proposta por Aldo Rebelo. Necessitamos de um Código de Biomas e de Ecossistemas a ser formulado por um grupo de cientistas de notório conhecimento de modo a conferir-lhe fundamentação científica e transformar o Brasil num modelo de proteção à natureza a o mundo todo

Numa crônica, Luís Fernando Veríssimo escreveu que é muito difícil lidar com o conspiracionista, pois ele toca às raias da psicose. Como não dispõe de provas contundentes que alicercem suas certezas, o conspiracionista costuma sempre ver uma conspiração em andamento a partir de suspeitas geradas por elementos inexistentes ou que apontam claramente para outras direções. Além de marxista, nacionalista e conservador, o Deputado Federal do PCdoB em São Paulo é um notório conspiracionista. Ele não pode conceber que uma pessoa ou um grupo defenda o ambiente pelo seu valor intrínseco. Por trás do movimento ambientalista, há sempre interesses escusos contra o Brasil e os países pobre

Examinemos esta passagem do seu parecer ao relatório de reforma do Código Florestal: “A ampliação da produção brasileira requer, além dos ganhos de produtividade, disponibilidade de terras e infraestrutura. É exatamente neste ponto, na contenção da fronteira e da infraestrutura, que as Ongs internacionais tentam montar as barreiras contra a soja brasileira, beneficiando aberta e diretamente os concorrentes da América do Norte ao acesso ao mercado em crescimento.” Há provas cabais de que o Greenpeace, por exemplo, protege as grandes potências e prejudica os interesses brasileiros? Se não há, os conspiracionistas as inventam. Para fornecer um caso concreto de conspiração contra o Brasil, o deputado recorre a um exemplo bastante atual (é ironia, por favor): o da apresentação que Luiz Piza Sobrinho, Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, redigiu para o livro “A guerras secreta pelo Algodão”, de Anton Zischka, lançado em 1936.

Mais outro exemplo: “Se a agricultura, aos olhos das Ongs, é uma atividade agressora ao meio ambiente, e se os Estados Unidos têm uma produção de grãos quase quatro vezes superior à nossa, é de se supor que, por lógica, agridam muito mais a natureza. Por que, então, as Ongs internacionais que promovem a tentativa de aniquilamento da ampliação da agricultura brasileira não se movem contra a pretensa agressão da agricultura norte-americana à natureza?”

O deputado não está mesmo a par dos acontecimentos e da literatura atuais, porque não saiu do passado. A grande pesquisadora norte-americana Rachel Carson foi a primeira a denunciar o uso de agrotóxicos na agricultura dos Estados Unidos. Nas várias reuniões do G-8 e do G-20, manifestantes de todos os países se reúnem para protestar contra a dominação dos ricos sobre os pobres e das potências capitalistas sobre a natureza. De mais a mais, por que não considerar que a luta em defesa dos biomas brasileiros não é uma campanha a favor dos países dominantes, mas um movimento que reconhece a importância ecológica deles?

No entanto, Aldo Rebelo continua sua ladainha: “Embora ocupe uma modesta quinta posição no mundo, a produção brasileira encontrou no Cerrado um campo fértil para sua expansão e, em igual intensidade e sentido contrário, a oposição das Ongs (...) Nossa obrigação em defender o meio ambiente e os direitos sociais do nosso povo é algo que devemos assumir sem vestir a carapuça que tentam nos impor.” O Deputado quer dizer que a defesa do ambiente por movimentos mundialistas mascara os interesses econômicos das potências do norte. Para ele, o explícito nunca é o verdadeiro. Apenas o implícito. Neste sentido, é lícito acreditar que o nacionalismo socialista de Aldo Rebelo é apenas uma carapuça que os latifundiários e as grandes corporações transnacionais, ambos os grupos interessados na destruição do Cerrado e de outros biomas brasileiros, pediram que o Deputado usasse. Sim, porque a luta dos ambientalistas para defender a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e a Mata Atlântica é também a luta em defesa dos pequenos agricultores contra os latifundiários e as transnacionais das sementes, dos transgênicos, dos agrotóxicos e dos implementos agrícolas pesados.

Não se nega a concorrência desleal dos ricos contra os pobres, mas não se pode reduzir a complexidade da questão a esta concorrência. Repito: os inimigos do Brasil estão lá fora, mas aqui dentro também. Os amigos do Brasil estão aqui dentro, mas lá fora também. Contudo, a personalidade bipolar do Deputado simplifica o cenário atual ao ver todos os estrangeiros como inimigos e os nacionalistas brasileiros como amigos do Brasil

Para terminar, esta proclamação da mais alta ignorância: “A proteção das agriculturas nacionais contra competidores externos e as guerras comerciais motivadas pela agricultura são fatos tão antigos quanto a história humana.” Aqui, o desconhecimento é de cunho histórico, algo imperdoável para um marxista, que recorre sistematicamente à história para embasar suas teses. A ciência considera o “Sahelanthropus tchadensis" como o mais antigo ancestral do “Homo sapiens”, tendo vivido há cerca de sete milhões de anos antes do presente. O próprio “Homo sapiens” emergiu por volta de 200 mil anos antes do presente. A agricultura e o pastoreio só foram inventados há dez mil anos. Vale dizer, a grande humanidade viveu seis milh ões novecentos e noventa mil anos coletando, pescando e caçando. Só muito recentemente inventou o agropastoreio. Como, então, as guerras comerciais motivadas pela agricultura são tão antigas quanto a historia humana?

Em seu parecer ao relatório sobre a reforma do Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB/SP, ainda discorre sobre a Amazônia como santuário e sobre a questão climática, sempre se valendo de autores do passado e completamente descontextualizado da discussão atual acerca do aquecimento global. Não vale a pena comentar o final do documento, pois tudo o que já foi dito nesta longa sequência de oito artigos bastou para concluirmos que o Deputado não foi a melhor escolha para a relatoria da Comissão.

Já é hora, pois, de encerrar. Em síntese, Aldo Rebelo é um humanista, um nacionalista e um socialista que parou no tempo. O humanismo ocidental, de origem judaico-cristã, tomou um grande impulso nos últimos quinhentos anos. À medida que se afirmava, foi excluindo a natureza como entidade orgânica imprescindível para a humanidade. Coisificada pelo racionalismo do século 17, a natureza passou à condição de estoque e de recurso, por um lado, e de lixeira, por outro. A arrogância deste humanismo, bem diferente do humanismo budista e taoísta, desembocou num antropocentrismo nunca visto antes, pois que, agora, associado à ciência e à tecnologia.

Como a lebre da fábula de Esopo, o humanismo ocidental gabou-se da sua capacidade de superar qualquer obstáculo que se lhe opusesse, correndo com velocidade para o sucesso. A lerda tartaruga, representando a natureza, ficou para trás. David Ehrenfeld e Michel Serres, autores que Aldo Rebelo nunca deve ter lido, denunciaram a arrogância do humanismo ocidental, não só por desdenhar a natureza como também pela sua contraprodutividade. Os pensadores liberais e socialistas incorporaram os valores humanistas, notadamente em sua concepção setecentista.

O resultado concreto foi: quanto mais humanismo, mais pobres e miseráveis num mundo globalizado pelo ocidente. As mentes mais livres e mais críticas, como a do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, tiveram coragem de tocar o dedo na ferida do humanismo: ele é insustentável ecologicamente. Chegou a vez da tartaruga ou dos répteis do romance “O sorriso do lagarto”, de João Ubaldo Ribeiro. Mas o Deputado continua defendendo um humanismo à moda antiga.

Aldo Rebelo é também nacionalista, concebendo os Estados nacionais de maneira ahistórica. A seu ver, parece que o nacionalismo nasceu com a humanidade. Ele entende o nacionalismo como uma arma de guerra contra outro nacionalismo ou como um fortim que protege o nacionalismo dos pobres contra o nacionalismo dos ricos. O ramo da civilização polinésia que floresceu na isolada Ilha de Páscoa pode ser tomado como um caso exemplar. A sociedade que ali se instalou dividiu-se em clãs, que não devem ser confundidos com Estados nacionalistas. Uma das mais poderosas armas da guerra entre os clãs era incendiar a floresta do inimigo. O exemplo é bastante pertinente para o Deputado, que defende a redução das Áreas de Preservação Permanente e o fi m das Reservas Legais alegando que a Europa e os Estados Unidos devastaram suas florestas e não contam com este tipo de proteção, como no Brasil. Ele brada com alarido que o relatório de Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá” (http:/adpartners.org/agriculture), é um complô contra os países do sul ainda com extensas áreas de florestas. Mas, parece que sua resposta é “Destruição de florestas lá, destruição de florestas aqui também”, tal qual fizeram os pascoanos, que arrasaram a ilha.

Serres faz uma leitura riquíssima do quadro “Duelo com bastões”, de Goya. Na tela, dois homens travam uma luta com bastões sobre um pântano. Enquanto eles combatem, o pântano os traga. Não importa que vença, pois ambos serão engolidos pela natureza. Serres faz esta leitura para mostrar a necessidade de um contrato entre humanidade e natureza, para além do contrato social. O quadro mostra também as consequências das guerras entre países: cortes profundos na natureza, mortes desmesuradas, crise social. Já passou da hora de repensarmos o nacionalismo. Não há mais lugar para a soberania absoluta. Cada Estado Nacional deve usar seus direitos para restaurar, revitalizar e proteger seus ecossistemas. A melhor maneira de afastar a cobiça do outro é não destruindo como o outro, mas salvaguardando.

Por fim, o socialismo de Aldo Rebelo é parecido com uma fábula que está se propondo aqui. Há uma espécie de caruncho que ataca o trigo e se reproduz rapidamente. Alcançado o limite de alimento para todos eles, cada um começa a expelir uma substância tóxica que mata o outro, mas, no final, todos morrem. Trata-se de uma parábola sobre o individualismo capitalista.

Diante dela, os cupins, com sua sociedade organizada e cooperativa, condenariam o comportamento de guerra generalizada entre os indivíduos, como o pensador inglês Thomas Hobbes concebeu a humanidade antes do contrato social. Porém, se a organização social suspende a guerra generalizada e institui uma sociedade cooperativa e rigidamente organizada, como a dos cupins, no final, ela é também insustentável ecologicamente. Os carunchos capitalistas e os cupins socialistas destroem a natureza que os sustenta. É o caso do cupim Aldo Rebelo.

"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".
Claude Lévi-Strauss


O Código Florestal de Aldo Rebelo (2º Parte.

Por Arthur Soffiati.

Para entrar na Amazônia, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB de São Paulo, convoca o ilustre médico Josué de Castro. Primeiro, ele reduz a riqueza das discussões sobre a crise ambiental, nos anos de 1970, ao Clube de Roma. Na sua visão empobrecedora, todos os ecologistas apresentavam uma posição conservadora. O deputado, no entanto, ressuscita Josué de Castro, que ganhou projeção internacional com seus estudos sobre a fome crônica das camadas pobres do Brasil, mormente as do Nordeste. Sua concepção de desenvolvimento era padronizada. Consistia em aplicar o estilo dos países chamados desenvolvidos.

Aldo segue-lhe os passos. Para ambos, o “Homem” está em permanente luta contra a natureza. A seu ver, Josué de Castro, “Em Geografia da Fome, explica por que nada existe de mais fantasioso do que a suposta harmonia entre o homem e a natureza na região amazônica. Se, ao contrário de outras do país, grande parte da região amazônica conserva-se ainda hoje tal qual foi encontrada pelos colonizadores portugueses, há cinco séculos, isso não se deve à tal harmonia que a civilização não conseguiu destruir, mas exatamente à hostilidade do meio à vida humana e ao desenvolvimento. Como afirma Josué de Castro, ‘na alarmante desproporção entre a desmedida extensão das terras amazônicas e a exigüidade de gente, reside a primeira tragédia geográfica da região (...) Dentro da grandeza impe netrável do meio geográfico, vive este punhado de gente esmagado pelas forças da natureza, sem que possa reagir contra os obstáculos opressores do meio, por falta de recursos técnicos, só alcançáveis com a formação de núcleos demográficos de bem mais acentuada densidade.

É correto negar que existiu ou existe harmonia na relação de sociedades humanas e natureza. Harmonia é um conceito criado pelo racionalismo do século 17. Hoje, o mais correto é falar de equilíbrio dentro de um ecossistema ou nas relações ser humano-natureza. Mas isto não significa, em absoluto, destruir a natureza. Em vez de luta, existe adaptação aos ecossistemas. Para os ameríndios, a Amazônia não era uma inimiga, mas a fornecedora de alimento, remédios e moradia. O próprio Marx explica que o capitalismo não podia nascer nos trópicos, pois a natureza, neles, leva à acomodação, já que fornece tudo de que os grupos humanos precisam em termos de necessidades básicas.

Na década de 1940, o pensamento de Josué de Castro era pertinente, mas hoje, a concepção de uma luta permanente do “Homem” contra a natureza foi superada por propostas que respeitam os ecossistemas. Estas propostas mostram que o desenvolvimento não se faz contra os ecossistemas, mas com os ecossistemas. Há vários pensadores trabalhando na linha do ecodesenvolvimento. Menciono apenas Ignacy Sachs, que rotula o estilo de desenvolvimento estadunidense como mau desenvolvimento.

Mas Rebelo continua na década de 1940. Vamos ouvi-lo novamente: “Se os chamados povos da floresta, índios e caboclos, depois de séculos de luta contra o meio inóspito, ainda ali vivem como viviam seus antepassados há centenas ou milhares de anos, certamente não é porque a tais povos satisfaçam as condições de vida características dessas eras passadas – quando se vivia 30 anos em média – mergulhados no isolamento completamente dominados pelas forças da natureza, perambulando nus ou seminus, abrigados em choças insalubres, infestadas de insetos e fumaça, lutando em condições absolutamente desiguais contra o meio hostil, que não lhes permite ir além das condições mais rústicas e primitivas de vida de seus ancestrais.

Um dos sentidos da palavra inóspito é local em que não se pode viver. Pelas palavras do deputado marxista, os nativos da Amazônia passaram séculos vivendo mal, num meio em que não se pode viver. Durante séculos e milênios, eles sobreviveram bravamente esperando que os europeus viessem libertá-los do jugo da natureza. Por muito tempo, eles esperaram rádio, televisão, automóvel, computador eletrônico e outras invenções fantásticas do ocidente. Como eram bárbaros esses povos! Como sofreram à espera dos confortos produzidos pela economia capitalista! E agora, como são felizes vivendo numa sociedade de classes, mas na base dela. A visão de Aldo Rebelo é de um evolucionismo antigo, bem ao gosto de Morgan, que considerava as sociedades passando por três estágios: selvageria, barbárie e civi lização, sendo que a civilização europeia alcançou o último degrau da escada e hoje posa de modelo para as outras. Engels adotou esta concepção em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”.

Por este prisma, o latifúndio e o desmatamento representam um avanço civilizatório, rumo ao socialismo-comunismo.

Ainda com os pés na bárbara Amazônia, Aldo Rebelo comenta, seguindo Josué de Castro e o geógrafo francês Pierre Déffontaines, em seu parecer à proposta de reforma do Código Florestal: “A conquista de qualquer terra pela colonização é sempre o resultado de uma luta lenta e tenaz entre o homem e os obstáculos do meio geográfico. Entre a força criadora do elemento humano e as resistências dos fatores naturais. Na paisagem virgem, o homem é sempre um intruso que só se pode manter pela força.” Para o deputado do PCdoB, a equação verdadeira é HOMEM x NATUREZA e não HOMEM + NATUREZA. Em seu entendimento, os esquimós (hoje inuits), os pigmeus do Congo, os bosquímanos, os semang, os aborígenes da Austrália são escravos do me io em que vivem por não disporem de tecnologia para transformá-lo num ambiente do tipo dos Estados Unidos.

E continua o intrépido parlamentar, ignorante de todo debate atual acerca de biodiversidade, ecodiversidade, crise climática, estresse dos oceanos etc. Concedamos a palavra a ele. “Amazônia: luta tenaz do homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de vitalidade da floresta e contra a desordenada abundância da água dos seus rios. Água e floresta parecem ter feito um pacto da natureza ecológica para se apoderarem de todos os domínios da região. O homem tem de lutar de maneira constante contra a floresta que superocupou todo o solo descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre, inclusive o homem, sob o peso opressor de suas sombras densas, das densas copas verdes de seus milhares de espécimes vegetais, do denso bafo de sua transpiração. Luta contra a água dos rios que transformam com violência, contra as águas das chuvas intermináveis, contra o vapor d’água da atmosfera, que dá mofo e corrompe os víveres. Contra a água estagnada das lagoas, dos igapós e dos igarapés. Contra a pororoca. Enfim, contra todos os exageros e desmandos da água fazendo e desfazendo a terra. Fertilizando-a e despojando-a de seus elementos de vida. Criando ilhas e marés interiores numa geografia de perpétua improvisação, ao sabor de suas violências.

Esta passagem do parecer de Aldo Rebelo é de uma ignorância larvar. Ele chega a antropomorfizar até os rios e florestas. Não apenas os grupos humanos vivem num padrão miserável, mas também os peixes nos rios e os animais terrestres dentro da floresta. Tanto para humanos como para animais, a natureza é despótica e escravizadora. A conclusão, por conseguinte, é a de que, sem rios e matas, o ser humano e os animais serão libertados e viverão felizes. Seria muito melhor para todos viver em São Paulo ou levar São Paulo para a Amazônia.

Aldo Rebelo não consegue pensar em termos fundamentais e científicos. Ele desconhece o papel desempenhado pela Amazônia para a proteção da biodiversidade, do equilíbrio climático, da manutenção da água doce, da proteção às culturas nativas ainda não atingidas pelo ocidente agora internalizado no Brasil. Para ele, mais valem a cobiça internacional, a questão geopolítica e a integração da Amazônia ao modo de vida da Modernidade. E suas idéias retrógradas estão conseguindo adeptos, como Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Ambos se fixaram num estudo feito por Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá”. “Aqui” significa Estados Unidos; “lá” significa países que ainda têm florestas. Eles perguntam por que os ambientalistas não condenam a devastação de florestas nos países “desenvolvidos” e não exigem a instituição da reserva legal.

A resposta, para eles, é seguir os países do norte em seus erros, mudando a legislação para destruir a Amazônia e outros biomas do Brasil, reduzindo as Áreas de Preservação Permanente, eliminando a figura da reserva legal e perdoando as dívidas de ruralistas anteriores a 2008. Pergunto: em sã consciência, o governo brasileiro mudaria a legislação para permitir a ocupação dos biomas brasileiros em favor da agropecuária? As grandes empresas transnacionais de sementes, agrotóxicos, fertilizantes químicos, implementos agrícolas e transgênicos defenderiam a proteção das florestas, renunciando a seus interesses econômicos? Os ruralistas cessariam de destruir ecossistemas florestais em respeito à opinião de Shari Friedman?

Ora, ora, proprietários rurais e empresas de produtos para o meio rural querem o desmatamento e o praticam. A resposta mais ajuizada do governo brasileiro é reconhecer a importância da Amazônia para o planeta e valer-se de sua soberania para protegê-la efetivamente. Não é porque os países do norte devastaram suas matas que devastaremos as nossas. Não é porque lá não existe reserva legal que eliminaremos as nossas. O Código Florestal brasileiro carece de reforma, sim, mas não a proposta por Aldo Rebelo. Necessitamos de um Código de Biomas e de Ecossistemas a ser formulado por um grupo de cientistas de notório conhecimento de modo a conferir-lhe fundamentação científica e transformar o Brasil num modelo de proteção à natureza a o mundo todo.

Numa crônica, Luís Fernando Veríssimo escreveu que é muito difícil lidar com o conspiracionista, pois ele toca às raias da psicose. Como não dispõe de provas contundentes que alicercem suas certezas, o conspiracionista costuma sempre ver uma conspiração em andamento a partir de suspeitas geradas por elementos inexistentes ou que apontam claramente para outras direções. Além de marxista, nacionalista e conservador, o Deputado Federal do PCdoB em São Paulo é um notório conspiracionista. Ele não pode conceber que uma pessoa ou um grupo defenda o ambiente pelo seu valor intrínseco. Por trás do movimento ambientalista, há sempre interesses escusos contra o Brasil e os países pobres.

Examinemos esta passagem do seu parecer ao relatório de reforma do Código Florestal: “A ampliação da produção brasileira requer, além dos ganhos de produtividade, disponibilidade de terras e infraestrutura. É exatamente neste ponto, na contenção da fronteira e da infraestrutura, que as Ongs internacionais tentam montar as barreiras contra a soja brasileira, beneficiando aberta e diretamente os concorrentes da América do Norte ao acesso ao mercado em crescimento.” Há provas cabais de que o Greenpeace, por exemplo, protege as grandes potências e prejudica os interesses brasileiros? Se não há, os conspiracionistas as inventam. Para fornecer um caso concreto de conspiração contra o Brasil, o deputado recorre a um exemplo bastante atual (é ironia, por favor): o da apresentação que Luiz Piza Sobrinho, Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, redigiu para o livro “A guerras secreta pelo Algodão”, de Anton Zischka, lançado em 1936.

Mais outro exemplo: “Se a agricultura, aos olhos das Ongs, é uma atividade agressora ao meio ambiente, e se os Estados Unidos têm uma produção de grãos quase quatro vezes superior à nossa, é de se supor que, por lógica, agridam muito mais a natureza. Por que, então, as Ongs internacionais que promovem a tentativa de aniquilamento da ampliação da agricultura brasileira não se movem contra a pretensa agressão da agricultura norte-americana à natureza?”

O deputado não está mesmo a par dos acontecimentos e da literatura atuais, porque não saiu do passado. A grande pesquisadora norte-americana Rachel Carson foi a primeira a denunciar o uso de agrotóxicos na agricultura dos Estados Unidos. Nas várias reuniões do G-8 e do G-20, manifestantes de todos os países se reúnem para protestar contra a dominação dos ricos sobre os pobres e das potências capitalistas sobre a natureza. De mais a mais, por que não considerar que a luta em defesa dos biomas brasileiros não é uma campanha a favor dos países dominantes, mas um movimento que reconhece a importância ecológica deles?

No entanto, Aldo Rebelo continua sua ladainha: “Embora ocupe uma modesta quinta posição no mundo, a produção brasileira encontrou no Cerrado um campo fértil para sua expansão e, em igual intensidade e sentido contrário, a oposição das Ongs (...) Nossa obrigação em defender o meio ambiente e os direitos sociais do nosso povo é algo que devemos assumir sem vestir a carapuça que tentam nos impor.” O Deputado quer dizer que a defesa do ambiente por movimentos mundialistas mascara os interesses econômicos das potências do norte. Para ele, o explícito nunca é o verdadeiro. Apenas o implícito. Neste sentido, é lícito acreditar que o nacionalismo socialista de Aldo Rebelo é apenas uma carapuça que os latifundiários e as grandes corporações transnacionais, ambos os grupos interessados na destruição do Cerrado e de outros biomas brasileiros, pediram que o Deputado usasse. Sim, porque a luta dos ambientalistas para defender a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e a Mata Atlântica é também a luta em defesa dos pequenos agricultores contra os latifundiários e as transnacionais das sementes, dos transgênicos, dos agrotóxicos e dos implementos agrícolas pesados.

Não se nega a concorrência desleal dos ricos contra os pobres, mas não se pode reduzir a complexidade da questão a esta concorrência. Repito: os inimigos do Brasil estão lá fora, mas aqui dentro também. Os amigos do Brasil estão aqui dentro, mas lá fora também. Contudo, a personalidade bipolar do Deputado simplifica o cenário atual ao ver todos os estrangeiros como inimigos e os nacionalistas brasileiros como amigos do Brasil.

Para terminar, esta proclamação da mais alta ignorância: “A proteção das agriculturas nacionais contra competidores externos e as guerras comerciais motivadas pela agricultura são fatos tão antigos quanto a história humana.” Aqui, o desconhecimento é de cunho histórico, algo imperdoável para um marxista, que recorre sistematicamente à história para embasar suas teses. A ciência considera o “Sahelanthropus tchadensis" como o mais antigo ancestral do “Homo sapiens”, tendo vivido há cerca de sete milhões de anos antes do presente. O próprio “Homo sapiens” emergiu por volta de 200 mil anos antes do presente. A agricultura e o pastoreio só foram inventados há dez mil anos. Vale dizer, a grande humanidade viveu seis milh ões novecentos e noventa mil anos coletando, pescando e caçando. Só muito recentemente inventou o agropastoreio. Como, então, as guerras comerciais motivadas pela agricultura são tão antigas quanto a historia humana?

Em seu parecer ao relatório sobre a reforma do Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB/SP, ainda discorre sobre a Amazônia como santuário e sobre a questão climática, sempre se valendo de autores do passado e completamente descontextualizado da discussão atual acerca do aquecimento global. Não vale a pena comentar o final do documento, pois tudo o que já foi dito nesta longa sequência de oito artigos bastou para concluirmos que o Deputado não foi a melhor escolha para a relatoria da Comissão.

Já é hora, pois, de encerrar. Em síntese, Aldo Rebelo é um humanista, um nacionalista e um socialista que parou no tempo. O humanismo ocidental, de origem judaico-cristã, tomou um grande impulso nos últimos quinhentos anos. À medida que se afirmava, foi excluindo a natureza como entidade orgânica imprescindível para a humanidade. Coisificada pelo racionalismo do século 17, a natureza passou à condição de estoque e de recurso, por um lado, e de lixeira, por outro. A arrogância deste humanismo, bem diferente do humanismo budista e taoísta, desembocou num antropocentrismo nunca visto antes, pois que, agora, associado à ciência e à tecnologia.

Como a lebre da fábula de Esopo, o humanismo ocidental gabou-se da sua capacidade de superar qualquer obstáculo que se lhe opusesse, correndo com velocidade para o sucesso. A lerda tartaruga, representando a natureza, ficou para trás. David Ehrenfeld e Michel Serres, autores que Aldo Rebelo nunca deve ter lido, denunciaram a arrogância do humanismo ocidental, não só por desdenhar a natureza como também pela sua contraprodutividade. Os pensadores liberais e socialistas incorporaram os valores humanistas, notadamente em sua concepção setecentista.

O resultado concreto foi: quanto mais humanismo, mais pobres e miseráveis num mundo globalizado pelo ocidente. As mentes mais livres e mais críticas, como a do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, tiveram coragem de tocar o dedo na ferida do humanismo: ele é insustentável ecologicamente. Chegou a vez da tartaruga ou dos répteis do romance “O sorriso do lagarto”, de João Ubaldo Ribeiro. Mas o Deputado continua defendendo um humanismo à moda antiga.

Aldo Rebelo é também nacionalista, concebendo os Estados nacionais de maneira ahistórica. A seu ver, parece que o nacionalismo nasceu com a humanidade. Ele entende o nacionalismo como uma arma de guerra contra outro nacionalismo ou como um fortim que protege o nacionalismo dos pobres contra o nacionalismo dos ricos. O ramo da civilização polinésia que floresceu na isolada Ilha de Páscoa pode ser tomado como um caso exemplar. A sociedade que ali se instalou dividiu-se em clãs, que não devem ser confundidos com Estados nacionalistas. Uma das mais poderosas armas da guerra entre os clãs era incendiar a floresta do inimigo. O exemplo é bastante pertinente para o Deputado, que defende a redução das Áreas de Preservação Permanente e o fi m das Reservas Legais alegando que a Europa e os Estados Unidos devastaram suas florestas e não contam com este tipo de proteção, como no Brasil. Ele brada com alarido que o relatório de Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá” (http:/adpartners.org/agriculture), é um complô contra os países do sul ainda com extensas áreas de florestas. Mas, parece que sua resposta é “Destruição de florestas lá, destruição de florestas aqui também”, tal qual fizeram os pascoanos, que arrasaram a ilha.

Serres faz uma leitura riquíssima do quadro “Duelo com bastões”, de Goya. Na tela, dois homens travam uma luta com bastões sobre um pântano. Enquanto eles combatem, o pântano os traga. Não importa que vença, pois ambos serão engolidos pela natureza. Serres faz esta leitura para mostrar a necessidade de um contrato entre humanidade e natureza, para além do contrato social. O quadro mostra também as consequências das guerras entre países: cortes profundos na natureza, mortes desmesuradas, crise social. Já passou da hora de repensarmos o nacionalismo. Não há mais lugar para a soberania absoluta. Cada Estado Nacional deve usar seus direitos para restaurar, revitalizar e proteger seus ecossistemas. A melhor maneira de afastar a cobiça do outro é não destruindo como o outro, mas salvaguardando.

Por fim, o socialismo de Aldo Rebelo é parecido com uma fábula que está se propondo aqui. Há uma espécie de caruncho que ataca o trigo e se reproduz rapidamente. Alcançado o limite de alimento para todos eles, cada um começa a expelir uma substância tóxica que mata o outro, mas, no final, todos morrem. Trata-se de uma parábola sobre o individualismo capitalista.

Diante dela, os cupins, com sua sociedade organizada e cooperativa, condenariam o comportamento de guerra generalizada entre os indivíduos, como o pensador inglês Thomas Hobbes concebeu a humanidade antes do contrato social. Porém, se a organização social suspende a guerra generalizada e institui uma sociedade cooperativa e rigidamente organizada, como a dos cupins, no final, ela é também insustentável ecologicamente. Os carunchos capitalistas e os cupins socialistas destroem a natureza que os sustenta. É o caso do cupim Aldo Rebelo.

"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".
Claude Lévi-Strauss.

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