terça-feira, 20 de julho de 2010

Educação nas prisões

Educação nas prisões: mais que reconhecer, é necessário efetivar esse direito com qualidade.
OLIVEIRA, J. A. e MELO, F. A. L

A questão prisional vem crescentemente chamando a atenção de pessoas e instituições, para além daqueles que, por força de sua atuação, já estão presentes neste contexto especialíssimo de nossa sociedade.
Ora, um dos temas mais controversos quando se fala nas prisões é justamente o debate sobre sua função. Não iremos aqui entrar nesta senda, que exigiria um texto de enorme fôlego. Mas pode-se, em relação a este aspecto, refletir sobre um elemento fundamental quando se pensa no papel de reabilitação ou de inclusão social dos presos, o qual a prisão deveria cumprir. Esse elemento é sem dúvida a educação. Aliás, ela é componente indissociável da cidadania. E é disso que falamos, em última instância, quando se pensa no retorno à vida em liberdade, das pessoas que vivem ou viveram uma situação de aprisionamento.
Outro tema que conquistou prestígio e certo consenso social nas últimas décadas é o direito de todos à educação. E esse direito foi reafirmado e consolidado nas diversas leis do país, desde a Constituição Federal à Lei de Diretrizes e Bases. O mesmo se aplica às prisões, pois, ainda que de forma genérica, a Lei de Execução Penal também trata do assunto.
Portanto, o debate hoje necessita de um deslocamento para outro eixo. Não cabe mais, em razão dos avanços históricos, questionar se a educação, dentro das muralhas das prisões deve ou não existir como um direito das pessoas que ali cumprem pena. O que se deve discutir agora é como efetivar tal direito. E ainda mais, a discussão deve ir além, pois a questão que deve ser colocada, de igual importância, é que tipo de educação se oferecerá nas prisões. Ou seja, já estamos no momento de pensar na qualidade desta educação.
Embora ainda persistam resistências à compreensão da importância de ações voltadas para a formação cidadã das pessoas que cumprem pena privativa de liberdade, os pressupostos legais, históricos e sociais contidos nos argumentos até aqui expostos são por si mesmo eloquentes o suficiente defender o direito à educação nas prisões.
Cabe então contextualizar esse debate no cenário prisional do estado de São Paulo.
Sendo o mais populoso ente da Federação, com uma população superior a 41 milhões de habitantes, não é surpresa que o estado apresente números superlativos também em relação à população carcerária. São Paulo possui 147 estabelecimentos penitenciários onde concentra mais de 145 mil presos, o que corresponde a 38% dos presos do país.
Com números assim, é de se supor que os desafios para a manutenção desse sistema sejam proporcionais à sua magnitude. Outros aspectos sobre a população carcerária do estado podem indicar a direção e necessidade de políticas públicas apropriadas.
O censo penitenciário organizado pela Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel - FUNAP em 2002 apontou que 96% desta população é masculina e que entre os homens 76% estão na faixa etária dos 18 aos 34 anos, o que demonstra que ela é também predominantemente jovem.
Igualmente revelador, o INAF Carcerário, realizado em 2006 pelo INEP em parceria com a FUNAP demonstra:

Diante do panorama apresentado cumpre então dizer o que é feito no estado no âmbito da educação prisional.
A educação no sistema penitenciário paulista está sob a responsabilidade da FUNAP, uma Fundação Pública criada em 1976 e hoje vinculada à Secretaria da Administração Penitenciária.
Pode-se dizer que a história da educação no sistema prisional paulista se cruza com a própria história da FUNAP.
Até o ano de 1978 a Secretaria Estadual de Educação executava as ações de educação no sistema prisional por meio de professores comissionados. O ensino então obedecia ao calendário das escolas oficiais, com seriação anual e utilizando o mesmo material didático destinado às crianças.
É de se supor que este tipo de ensino não correspondia às necessidades de uma população adulta. Além disso, a demanda por escolas nas prisões aumentava significativamente.
Um ato político administrativo da Secretaria de Educação no final de 1978 suspendeu todos os comissionamentos de professores nos presídios, o que provocou a paralisação das aulas. Essa situação exigiu uma resposta por parte da FUNAP, que a partir de 1979 assumiu a educação nas prisões no estado. Para tanto, buscou a parceria de várias instituições, uma vez que não possuía estrutura para uma ação dessa envergadura.
O ano de 1987 também foi um marco nessa história, pois, em decorrência de resolução da Secretaria da Justiça, a FUNAP passou a ser a responsável pela unificação da metodologia e pelo controle geral dos alunos presos de todo o estado.
Em 2004 a FUNAP implantou o Projeto “Tecendo a Liberdade”, que estabeleceu um material didático próprio e sistematizou as experiências realizadas nas escolas que a fundação mantém nas unidades prisionais.
O documento do Projeto declara inicialmente suas bases:
Em sua essência, este projeto implica a atenção ao analfabeto e prevê uma proposta de educação no sistema prisional que, ao final de um percurso formativo, além do desenvolvimento da sociabilidade, do domínio do funcionamento da escrita e dos conhecimentos por ela veiculados e de habilidades cognitivas, ofereça ao educando a certificação de Ensino Fundamental, sem a necessidade de realização de exames supletivos. (Souza, Britto e Fortunato, 2005)

A preocupação com a realidade prisional também é manifestada mais adiante:
A organização de conteúdos e as atividades sempre levarão em consideração as especificidades do educando que está no Sistema Prisional Paulista e do modelo de formação que aqui se propõe. Neste sentido, o eixo trabalho e formação humana perpassa todo o programa. (Ibd, 2005)

É necessário que se esclareça que alguns aspectos declarados não se efetivaram ainda. Este é o caso da Alfabetização, que não se incluiu efetivamente neste projeto, mas que se realizou até 2007 em parte com recursos oriundos do Programa Brasil Alfabetizado do governo federal. Hoje a alfabetização ocorre com recursos exclusivamente advindos da própria FUNAP.
Quanto à certificação, esta ainda ocorre por meio dos exames públicos, atualmente o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos – ENCCEJA e o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.
Em que pese as dificuldades estruturais ainda encontradas, a implantação do “Tecendo a Liberdade” e sua execução desde 2004 trouxe à educação no sistema prisional paulista avanços significativos, dentre os quais podemos destacar: a) consolidação de um grupo de educadores da Funap com formação e prática em EJA e com habilidades e conhecimentos para “interpretar” a EJA no contexto prisional; b) reconhecimento, por parte da maioria dos alunos das escolas Funap, quanto à viabilidade e adequabilidade do modelo de educação proposto; c) superação do paradigma da escola regular enquanto modelo único para a educação no sistema prisional.
Nesse sentido, conquanto o debate em torno da educação formal, informal ou não-formal seja deveras importante para o estabelecimento das políticas educacionais em geral, e no sistema prisional em particular, a questão primordial que se coloca para a educação prisional diz respeito ao reconhecimento de um programa de educação que considere os tempos e espaços de aprendizagem dos sujeitos em privação de liberdade, permitindo reconhecer as aprendizagens adquiridas não somente no espaço escolar “formal”, mas, sobretudo, incorporando as demais ações que, no contexto da prisão, contribuam para desenvolver nos alunos os instrumentos e conhecimentos necessários para interpretar e agir no mundo.

Juraci Antonio de Oliveira. Cientista Social, com pós-graduação em educação e em marketing, é supervisor regional da Funap desde 1994. Felipe Athayde Lins de Melo é graduado em Filosofia, com pós-graduação em gestão social, e desde 2004 ocupa a gerência regional da Funap.

domingo, 18 de julho de 2010

EDUCAÇÃO NAS PRISÕES

Programa de Educação
As escolas pertencentes à rede FUNAP promovem a escolarização nos níveis de alfabetização, ensino fundamental e médio para homens e mulheres presos, que na sua maioria tiveram este processo negado por aspectos conjunturais agressivos e excludentes.
Os objetivos pautam-se na formação e informação dos alunos, apresentando espaços de reflexão e construção de saberes, que no aprisionamento ou na liberdade possibilitem uma intervenção transformadora em suas realidades, pela apropriação direta, consciente e ativa de sua cidadania.
A certificação desses cursos é adquirida através das provas realizadas pela Cesu (Centro de Ensino Supletivo da Secretaria Estadual da Educação) por meio da eliminação de matérias.
Educação para Presos
A educação de adultos deve ser muito particular, partindo das necessidades e realidades concretas dos alunos, quebrando o conceito de simples adaptação do ensino para crianças.
A implementação de uma política pedagógica para adultos presos deve respeitar as características e realidades do sistema onde estão inseridos, e buscar estabelecer relações com o mundo fora dos muros das prisões.
É fundamental a utilização de uma metodologia que trabalhe e discuta temas que façam parte da vida do aluno, possibilitando desta forma trocas de experiências que considerem os saberes trazidos por cada membro de uma sala de aula.
O educador tem, neste modelo de atuação, o papel de organizador do processo de construção de conhecimentos, os quais devem possibilitar ao aluno compreender a realidade em que está inserido para poder transformá-la.
Para facilitar este processo, a FUNAP está desenvolvendo um projeto de formação para capacitar presos a serem educadores. Em presídios que já adotaram essa prática tem se percebido bons resultados, uma vez que o educador preso estabelece uma relação de identidade com o grupo.
Estrutura Educacional
Monitor OrientadorPresente nas escolas, com o papel de orientar e acompanhar o trabalho pedagógico, bem como articular os demais projetos da FUNAP presentes nas unidades prisionais.
Educador de Jovens e AdultosParte do quatro do corpo docente será composto por educadores da FUNAP que atuarão como supervisores e orientadores dos educadores presos nos Centros de Educação Penitenciário.
Educador PresoO quadro docente composto por prisioneiros vem ocupando cada vez mais um espaço significativo, em termos qualitativos e quantitativos. Esta ação está em fase de implantação para todas as unidades prisionais do Estado, seguindo o princípio do educador popular, considerando a realidade de cada espaço. O Educador Preso, por ter o domínio da linguagem e da realidade dos presos, consegue provocar o maior interesse e a maior eficácia no processo educacional.
Programa de Formação de FormadoresTodo o projeto pedagógico que se pretenda implantar em uma rede de ensino, só consegue êxito se a ele estiver vinculado um projeto de formação de seus educadores. Nesse sentido, o projeto da FUNAP tem acompanhamento sistemático nas escolas e por meio de encontros mensais de formação.
Essa formação é um processo que será utilizado para a construção de um plano Político-Pedagógico da educação prisional.
Mais informações no Site:
www.funap.sp.gov.br
FUNAP - Fundação "Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel"Governo do Estado de São Paulo

CONFITEA VI

Sexta Conferência Internacional de Educação de Adultos
Vivendo e aprendendo para um futuro viável:
o poder da aprendizagem e da educação de adultos

A Sexta Conferência Internacional de Jovens e Adultos (CONFINTEA VI) proporcionará uma importante plataforma para o diálogo sobre políticas e promoção da aprendizagem de adultos e educação não formal em âmbito global. A Conferência contará com a participação de um grande número de países-membros da UNESCO, agências das Nações Unidas, agências de cooperação bi e multilateral, representantes da sociedade civil e estudantes de instituições de pesquisa e do setor privado. A CONFINTEA VI será realizada em cooperação com o governo brasileiro, em Belém do Pará, entre 1° e 4 de dezembro de 2009.
Os objetivos da CONFINTEA VI são:
Impulsionar o reconhecimento da educação e aprendizagem deadultos como elemento importante e fator que contribui coma aprendizagem ao longo da vida, da qual a alfabetização constituialicerce;
Enfatizar o papel crucial da educação e aprendizagem de adultospara a realização das atuais agendas internacionais de desenvolvimentoe de educação: Educação para Todos (EPT), Objetivos deDesenvolvimento do Milênio (ODMs), Década das Nações Unidaspara a Alfabetização (UNLD), a Iniciativa de Alfabetização para oEmpoderamento (LIFE), e Década das Nações Unidas daEducação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS); e
Renovar o compromisso e o momentum político e desenvolver os instrumentos para sua implementação visando passar da retórica à ação.

FISC E CONFITEA VI



FÓRUM INTERNACIONAL DA SOCIEDADE CIVIL NA CONFINTEA VI
DOCUMENTO DE PRINCÍPIOS1
1. O Fórum Internacional da Sociedade Civil (FISC) é um espaço aberto de encontro para o
aprofundamento da reflexão, o debate democrático de idéias, a formulação de propostas, a troca
livre de experiências e a articulação para ações eficazes, de pessoas, entidades e movimentos da
sociedade civil que através da Educação de Pessoas Jovens e Adultas (EPJA) propugnam pelo
respeito aos Direitos Humanos, pela prática de uma democracia participativa, por relações
igualitárias, solidárias e pacíficas entre pessoas, etnias, gêneros e povos, condenando todas as
formas de dominação assim como a sujeição de um ser humano pelo outros. Elas visam fazer
prevalecer, como uma nova etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite
os direitos humanos universais e o meio ambiente, apoiada em sistemas e instituições
internacionais democráticos a serviço da justiça social, da igualdade e da soberania dos povos.
2. O FISC é evento localizado no tempo e no espaço a ser realizado em Belém, capital do
estado do Pará, no Brasil, entre os dias 16 e 18 de maio de 2009, antes do encontro oficial da
CONFINTEA VI, a ser realizada na mesma cidade entre os dias de 19 a 22 de maio. É um evento
de natureza preparatória à participação da sociedade civil frente à CONFINTEA VI.
3. O FISC é um evento de caráter mundial.
4. As alternativas propostas no FISC tomam por base a EPJA como um direito humano e
contrapõem-se às propostas de natureza assistenciais, privatistas e economicistas. Condena a
desresponsabilização de governos nacionais e instituições internacionais na promoção e na oferta
com qualidade de escolarização para todas as pessoas que demandam educação básica, e
reafirmam o papel da sociedade civil e do poder público na promoção e desenvolvimento de uma
educação ao longo da vida.
5. O FISC reúne e articula pessoas, entidades e movimentos da sociedade civil de diversos
continentes e países do mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da sociedade
civil mundial.
6. O FISC não tem caráter deliberativo. Ninguém estará, portanto, autorizado a exprimir,
em nome do Fórum, posições que pretenderiam ser do conjunto de seus participantes. Os e as
participantes não devem tomar decisões, por voto ou aclamação, enquanto representantes do
Fórum, sobre declarações ou propostas de ação relativas ao conjunto ou à sua maioria e que se
proponham a ser tomadas de posição do Fórum enquanto Fórum.
7. O FISC não se constitui, portanto, em instancia de poder, a ser disputado pelos
participantes, nem pretende se constituir em única alternativa de articulação e ação de pessoas,
entidades e movimentos que dele participem.
8. Deve ser, no entanto, assegurada, as pessoas, entidades ou conjuntos de entidades que
participem dos encontros do Fórum, a liberdade de deliberar, durante os mesmos, sobre
1 Este documento foi construído tomando por base a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial.
declarações e ações que decidam desenvolver, isoladamente ou de forma articulada com outros
participantes.
9. O FISC é um espaço plural e diversificado, não confessional, não governamental e não
partidário aberto ao pluralismo e à diversidade de sujeitos presentes nas práticas de EPJA, bem
como à diversidade de gênero, etnias, culturas, gerações e capacidades físicas.
10. Poderão ser convidados a participar, em caráter pessoal, governantes e parlamentares
que assumam os compromissos deste Documento.
11. O FISC, como espaço de troca de experiências, estimula o conhecimento e o
reconhecimento mútuo de pessoas, entidades e movimentos que se dedicam à EPJA, valorizando
seu intercâmbio como um espaço próprio de EPJA.
12. O FISC, como espaço de articulação, é uma oportunidade para fortalecer e criar novas
articulações nacionais e internacionais entre pessoas, entidades e movimentos da sociedade, que
aumentem, tanto na esfera da vida pública como da vida privada, através da EPJA, a capacidade
de resistência social não violenta ao processo de desumanização que o mundo está vivendo e à
violência usada pelo Estado, e reforcem as iniciativas humanizadoras em curso pela ação desses
movimentos e entidade, construindo alternativas de desenvolvimento que tenham por base
fundante a melhoria das condições de vida de toda a população.
13. O FISC é um processo que estimula pessoas, entidades e movimentos que dele
participam a situar suas ações, do nível local ao nacional e buscando uma participação ativa nas
instâncias internacionais, como questões de cidadania planetária, introduzindo na agenda global as
práticas transformadoras que estejam experimentando na construção de um mundo novo solidário.