sexta-feira, 20 de abril de 2012


...As negociações deveriam servir para fortalecer as comunidades envolvidas no mercado, propiciando, assim, maior inclusão social às minorias; mas, infelizmente, o que vemos são sempre os grandes devorando os pequenos e desrespeitando suas liberdades e direitos. Numa economia solidária, há maior compromisso entre as partes, que primam, sobretudo, por lisura. Por exemplo, se eu tenho uma rede de comércio e a aceito como parceira, devo, é claro, prestar-lhe orientação e assistência. Diante das falhas, ouvimos as queixas e conversamos, aprendemos juntos a lidar com nossas dificuldades e estamos sempre repensando bilateralmente a nossa relação. Isso é uma relação particular de economia solidária. Extrapolando o exemplo para as redes internacionais de negociações, para acordos comerciais firmados entre países, uma economia solidária é aquela que sabe levar em conta as muitas diversidades, como a questão religiosa, as diferentes culturas envolvidas, as situações socioeconômicas de cada país, etc.... fatores determinantes de uma relação de mútuo respeito, com a qual bem se pode promover a paz e encontrar sempre saídas de conciliação diante dos impasses econômicos. É perfeitamente possível associar afetividade a relações econômicas. É basicamente o que propõe nosso projeto BECE...”

“...Trabalhamos com as comunidades, escorados sobre o tripé informação, educação e comunicação. É nessa linha que caminha o projeto BECE. A comercialização em bolsa não é necessariamente o nosso objetivo final, senão o de implantar um novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe, onde a moeda seja a produção e não a especulação financeira...”


Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgasu2rJ5ey5L7ojWJY-rhb-5u68cxo9ILVjW2hWizOXkQUudcIrRvkKkD8U4TVQ_LF6UuYoTNntD_DDbIwLdDVCTs3DkEK-6GsTBvOuCWNmlbfVzAQ9DSgFooSLBaJpFBAAo_0779CVCUj/s320/Aya-preparation.jpg

Processo de preparação da ayahuasca, bebida própria de algumas culturas indígenas latino-americanas e que foi patenteada nos EUA, razão porque se tornou objeto de disputa judicial
Por Léia Tavares, para a Revista Nova Consciência.

Atuando por duas décadas no mercado de capitais, trabalhando como operadora da BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros), a economista Amyra El Khalili já realizou transações gigantescas, negociando contratos e títulos, além de moedas, ouro, petróleo, gado, café e outros insumos. De ascendência palestina – seu pai veio refugiado do Oriente Médio em 1960 – e, tendo conhecido a fundo as mazelas sociais e os mecanismos perversos de exploração da natureza também do homem pelo homem, Amyra sempre esteve engajada na luta pelos direitos das minorias, pelo equilíbrio ambiental e, principalmente, pela paz, razão pela qual já foi indicada para o Prêmio Bertha Lutz 2007, e para o Prêmio Mil Mulheres, ao Nobel da Paz 2004. Lidando diretamente com as grandes especulações internacionais e conhecendo a fundo esse jogo em que tanto se ganha quanto se perde em milhões num mesmo dia, ela passou a estudar a relação direta entre as guerras e o mercado financeiro: “Percebia que a cada vez que o petróleo subia, estourava uma guerra em algum lugar, o que, conseqüentemente, tinha correlação direta com a morte de pessoas. Quando os banqueiros estão ganhando dinheiro de um lado, proporcionalmente estão morrendo milhares do outro”. Isso serviu para aproximar Amyra das questões que envolvem o ambiente e o desenvolvimento sustentável. Não compactuando com a frenética atividade predadora do mercado financeiro, preferiu lançar-se a novos desafios, dentre eles o de fazer valer a ética nas macrorrelações econômicas. Se havia quem estivesse lucrando com o petróleo e as guerras, sua proposta foi a de desenvolver um modelo econômico mais justo e solidário.

E foi assim que ela, em 1996, fundou o Projeto BECE – Brazilian Enviromental Commodities Exchange -, sigla em inglês para Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais, que tem como base o tripé educação, informação e comunicação, formou-se então a Aliança RECOs – Redes de  Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. O projeto BECE busca estimular não apenas a produção de pequenos agricultores, como também desenvolver atividades de valorização cultural de pequenas comunidades. Amyra acredita que só por meio da informação é que poderemos construir uma economia mais solidária, respeitando-se as diferenças culturais, multirraciais e religiosas. Mas para isso é preciso uma nova consciência no meio econômico.

Durante duas décadas atuando no mercado financeiro, como você se especializou na questão ambiental?Estudando o binômio água-energia e constatando que o grande problema do Oriente Médio não era só petróleo, senão a escassez de água. Foi por isso que me senti sensibilizada pelo sofrimento de tanta gente. Entendi que estava diante de uma grave questão ambiental. “Percebia que a cada vez que o petróleo subia, estourava uma guerra em algum lugar, o que, conseqüentemente, tinha correlação direta com a morte de pessoas. Ao mesmo tempo em que isso gerava em mim um enorme mal-estar, junto dele aflorou uma consciência mais ampla, que me levou a pensar: “Assim não é possível! Esse sistema financeiro, responsável por tantas mortes, deveria estar favorecendo a vida”. Quando os banqueiros estão ganhando dinheiro de um lado, proporcionalmente estão morrendo milhares do outro. E há uma lógica nessa relação; ela não é mera coincidência.

As guerras no Oriente Médio estão diretamente ligadas à questão do petróleo e da escassez de água. Na América Latina, quais são nossos maiores problemas ambientais?A América Latina é abençoada por Deus. Encontramos em nosso país, por exemplo, a maior biodiversidade do Planeta. Temos, inclusive, água abundante e terras férteis, que os outros continentes já não têm. Contudo, as mesmas preocupações que os meus irmãos árabes têm com as guerras no Oriente Médio, poderão ser as nossas daqui a alguns anos, justamente por conta da escassez da água. Costumo dizer que água e petróleo são hoje a mesma moeda, e logo a água estará ainda mais cara. Outro problema a ser tratado é o de nossa cultura de servidão ao sistema financeiro internacional, essa aceitação passiva de uma subserviência que nos torna sempre vítimas da usura do capital estrangeiro, que só faz fomentar a corrupção endêmica que infelizmente nos assola. Em Cochabamba, por exemplo, já houve convulsão social por causa da água. Já no Uruguai foi necessária uma reforma legislativa para que ela voltasse às mãos do governo e da sociedade, pois estava sendo privatizada. Ora, a água é um recurso natural de uso público chamado bem difuso; pertence, pois, a todos e à Nação. A iniciativa privada não pode simplesmente cercar uma bacia hidrográfica e dizer-se dona dela. Antes de tudo, deve-se prover água suficiente para a agricultura, para os animais e toda a população. Somente seu excedente poderia, em hipótese, ser comercializado. A lei ambiental é clara nesse aspecto. E, além disso, ainda há toda uma série de problemas hídricos que deve ser sanada pelo Brasil a fora.

Poderia exemplificar algum?Temos o Nordeste inteiro na seca e há regiões que têm água, onde esta, por estar contaminada, não pode, ser consumida. Isso sem falar dos problemas de saneamento básico, dos poluentes, dos dejetos, do material inorgânico e dos resíduos químicos que vão parar nas águas! Hoje os maiores contaminadores de águas no Brasil são as próprias prefeituras. As indústrias, devido à enorme pressão judicial, já começam a ter filtros. Diria que hoje são elas as que menos poluem, salvo exceções. Mas ainda há muito dejeto sendo jogado diretamente na água. Recentemente, por meio de nossas redes de informação, a bióloga ambientalista Rose Dantas denunciou o maior desastre ambiental no Rio Grande do Norte, a contaminação, por resíduos químicos, de vários mangues que deságuam nos rios da região. Resultado: 40 mil toneladas de peixes mortos, isso sem contar as pessoas que se alimentaram deles e que morreram por intoxicação, e do quanto isso tem afetado toda a rede de saneamento básico do estado.

E esses casos não são amplamente divulgados...Na grande mídia, não. Divulgamos por aqui, pelas nossas mídias ambientais, mídias alternativas. Por isso é que ainda estou em pé, pois acredito na importância da informação colocada de forma honesta e transparente. É preciso torná-la ainda didática para que a sociedade possa pensar melhor seus fatos. De novo me vem à mente a palavra consciência; não adianta fugir dela, e gosto particularmente da expressão nova consciência, porque não podemos querer que as coisas continuem sendo feitas ou resolvidas com base nos padrões ultrapassados das velhas meias verdades, por meio de modelos cada vez mais desgastados. Qual a consciência dos que querem ganhar dinheiro e lucrar a qualquer preço, atropelando, para isso, tanto a ética quanto as pessoas envolvidas em seus negócios?

E como podemos ter uma economia mais solidária?As negociações deveriam servir para fortalecer as comunidades envolvidas no mercado, propiciando, assim, maior inclusão social às minorias; mas, infelizmente, o que vemos são sempre os grandes devorando os pequenos e desrespeitando suas liberdades e direitos. Numa economia solidária, há maior compromisso entre as partes, que primam, sobretudo, por lisura. Por exemplo, se eu tenho uma rede de comércio e a aceito como parceira, devo, é claro, prestar-lhe orientação e assistência. Diante das falhas, ouvimos as queixas e conversamos, aprendemos juntos a lidar com nossas dificuldades e estamos sempre repensando bilateralmente a nossa relação. Isso é uma relação particular de economia solidária. Extrapolando o exemplo para as redes internacionais de negociações, para acordos comerciais firmados entre países, uma economia solidária é aquela que sabe levar em conta as muitas diversidades, como a questão religiosa, as diferentes culturas envolvidas, as situações socioeconômicas de cada país, etc.... fatores determinantes de uma relação de mútuo respeito, com a qual bem se pode promover a paz e encontrar sempre saídas de conciliação diante dos impasses econômicos. É perfeitamente possível associar afetividade a relações econômicas. É basicamente o que propõe nosso projeto BECE.

Fale um pouco do projeto BECE.O BECE tem a função de projetar o que existe no mercado financeiro, sua estrutura, seus modus operandi de comercialização e de negociação contratuais, enfim, tudo o que se faz numa bolsa convencional [Bovespa, BM&F], de modo a promover a inclusão social de pequenos e médios produtores. Nesse sentido, nossa experiência nas bolsas é bastante útil, e nos preocupamos em desenvolver um programa voltado a uma nova economia financeira, mediante a qual seja possível ajudar a sanear nosso país. Cunhamos uma nova expressão: commodities ambientais, e assim começamos a desenhar uma commodity não–convencional, como a soja, o milho, o café, etc., voltadas somente para grandes mercados.

E o que são commodities ambientais?
Muita coisa pode se inserir neste conceito. Por exemplo, são commodities ambientais as plantas medicinais, as árvores, os alimentos típicos, os artigos artesanais... praticamente tudo aquilo que não vai parar nas mãos das grandes indústrias, nem aquilo que se produz em escala industrial. São artigos e insumos feitos por pequenos produtores. As commodities têm de estar regulamentadas de acordo com um padrão de mercado legal – para compra e venda interna ou até para exportação -, de modo que não fiquem presas somente ao mercado informal. O conceito de commoditiescompreende uma “mercadoria padronizada para compra e venda”. Embora não sejam artigos produzidos em série, devem estar padronizados dentro de determinado nível de qualidade e de alguns critérios homogêneos.

Qual a maior implicação da diferença entre as commodities convencionais e as ambientais?
As commodities convencionais geram altos impactos no meio ambiente. Elas determinam monoculturas intensivas do solo, enormes escalas de produção, mais tecnologia e menos mão-de-obra. Já com as commodities ambientais ocorre o contrário: há diversidade da produção, pequenos produtores se organizam em cooperativas e desenvolvem produtos diferenciados, como frutas (cacau), plantas medicinais. Tal produção, em menor escala, pode ser ambientalmente manejada de modo sustentável; pode ser exportada ou vendida internamente e passa a gerar empregos e renda para toda uma população. Agindo assim, cada vez mais trazemos para a vida econômica saudável pessoas que estariam alijadas do mercado, submetidas ao exclusivo jogo de interesses dos grandes investidores.

Poderia nos dar um exemplo prático disso?
Claro! Vejamos o que foi feito com a ayahuasca, bebida atrelada a toda uma história religiosa e própria de algumas culturas indígenas. O que fizeram com ela? “Comoditizaram-na”, isto é, ela foi patenteada nos EUA. Agora, há uma luta jurídica internacional para a derrubada dessa patente, ilegal, a meu ver, posto ser esta bebida um patrimônio da cultura indígena. Quando “comoditizamos”, estamos trazendo algo de uma relação cultural para o mercado. As commodities ambientais são exatamente isso; mas, claro, não para sustentar os interesses financeiros dos empresários ou de grupos lobistas e de certos governos. As commodities visam a trazer benefícios para a própria comunidade que as produz. Afinal, quem deveria ganhar dinheiro com a comercialização da ayahuasca? Seria certo isso? Nem as igrejas que se utilizam da planta como bebida sagrada querem obter lucro algum com ela, ponto este que deveria ser respeitado. Idem em relação às demais plantas medicinais indígenas, que não deveriam estar sendo objeto nem de pirataria ambiental, nem de comercialização por parte dos laboratórios farmacêuticos.

Qual a importância da informação nesse processo?Trabalhamos com as comunidades, escorados sobre o tripé informação, educação e comunicação. É nessa linha que caminha o projeto BECE. A comercialização em bolsa não é necessariamente o nosso objetivo final, senão o de implantar um novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe, onde a moeda seja a produção e não a especulação financeira. Para isso, faz-se necessário que atuemos junto às bases, com pessoas que não têm acesso à internet, que não recebem fácil informação, posto que moram em áreas afastadas, ou em locais onde há exclusão social. Nosso trabalho consiste, ainda, em conscientizar essas populações para que não sejam tolas presas nas mãos dos especuladores, que as levam a assinar contratos absurdos de modo a melhor explorar suas riquezas e matéria-prima. Quando chegamos nesses lugares e falamos ao indivíduo comum, no sentido de melhor orientá-lo, aos poucos vamos inibindo a ação predatória dos grandes especuladores, oportunistas. A única forma de mudar esse modelo econômico deteriorado e disseminado pelo mundo é a partir da ação em pequena escala. Para acabar com a autofagia financeira, é preciso levar aos cidadãos comuns a informação e a educação econômica de forma transparente e isenta, para que cada um saiba melhor se defender e decidir seus caminhos.


Nota Pública do CIMI:

REED e as tentativas de criminalização dos povos indígenas

Depois de abordada pelo conjunto da imprensa brasileira na última semana, a questão que envolve contratos de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (REDD) feito por empresas estrangeiras, caso da irlandesa Celestial Green, com comunidades indígenas brasileiras, sobretudo as localizadas no Norte do país, gerou reações em diversos setores da sociedade.

Algumas dessas reportagens abordaram o assunto de forma honesta; outras, por sua vez, fizeram questão de criminalizar os povos indígenas disseminando inverdades e tampouco oferecendo o direito de defesa às comunidades. Dentre tais mentiras, a principal delas é a de que os indígenas estariam vendendo suas terras.

Em vista da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, que propõe levar para o Congresso Nacional a autorização para demarcação e homologação de terras indígenas e quilombolas, nos perguntamos: a quem interessa perverter informações e criminalizar os indígenas?

Tais contratos de REED não envolvem vendas de terras indígenas, o que seria inconstitucional e traria severos prejuízos aos supostos compradores, posto que as terras são de propriedade da União e de usufruto permanente dos indígenas que nela vivem em ocupação tradicional. Os contratos são de exploração de hectares de floresta preservada visando o carbono contido nessas áreas para fim de compensação ambiental. Nada de venda de terras.

Não obstante, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reafirma seu completo repúdio por tais contratos e suas motivações, tridimensionadas em mecanismos oriundos do capitalismo verde, onde as práticas tradicionais dos povos indígenas e a natureza são negociadas em mercados de carbono para benefício exclusivo do capital internacional – que precisa continuar poluindo, sem constrangimentos internacionais, em prol de um desenvolvimento torpe e desigual.

No entendimento do Cimi, esses contratos são ilegais, inconstitucionais e juridicamente inválidos, uma vez que atentam contra o usufruto exclusivo dos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas. No mais, tais contratos já trazem prejuízos aos indígenas e tais acordos não podem servir para justificar a não demarcação de terras, como sugere de forma sutil algumas matérias jornalísticas que têm sido veiculadas pela imprensa.

O Cimi entende que o governo federal tem responsabilidade sobre a temática e deve acionar os órgãos competentes para anular os contratos que por ventura já tenham sido firmados, bem como fiscalizar a ação de agenciadores particulares - alguns até se expondo na imprensa - e ONGs - ditas ambientais - que atuam no sentido de envolver os povos nesses acordos e práticas. Ao mesmo tempo, o governo precisa retomar a demarcação e homologação de terras indígenas no país.

Além disso, crime comete governos estaduais que celebram acordos com governos de outros países para prestação de serviços ambientais, caso do REED, e assediam os povos indígenas a assinar tais contratos. O Ministério Público Federal está atento e no Acre interpelou o governo de Tião Viana para que se explique sobre acordo feito nesse sentido com o governo da Califórnia, nos Estados Unidos. O MPF interveio, diante de tais práticas, também no Pará.

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Márcio Meira se posicionou publicamente dizendo que o órgão é contra tais contratos e os considera ilegais. No entanto, é importante que a direção da Funai oriente seus servidores regionais a não intermediar tais acordos ou incentivar os indígenas a assinar tais documentos. O Cimi constatou que em algumas regiões e estados os servidores da Funai estão desempenhando esse vergonhosa e irresponsável função.

Contra o cinismo, as mentiras, a espoliação da natureza e de um novo tipo de colonização de nossas terras e dos povos indígenas que nelas vivem, o Cimi divulgou em janeiro deste ano nota pública contra o REED, que aqui segue na íntegra:

A sanha do capitalismo verde

Agora não chegam as caravelas com portugueses, espanhóis, ingleses, franceses e outros do norte desenvolvido. Chegam empresas transnacionais do norte, trazendo a tiracolo os governos de seus países, com propostas "ecologicamente corretas" e carregando em seu bojo a subordinação ainda maior dos povos do sul. A terra, lastro do capital natural, está sendo comercializada em bolsas de valores. Tal sanha também se estende aos outros elementos da natureza, como o ar, a biodiversidade, a cultura, o carbono - patrimônios da humanidade.

Essa estratégia, por um lado, está sendo utilizada pelos donos do grande capital, receosos que fique mais evidente para a humanidade que as catástrofes ambientais não são tão naturais e sim resultado da exploração sem limites da natureza, com o objetivo de engordar seus já polpudos lucros através da cultura do consumo exagerado, imposta com sutileza às sociedades. Por outro lado, como saída para a crise mundial por qual passa o capitalismo - agora travestido de verde -, demonstrando a capacidade de reciclar-se. É nesse contexto que o capital vem apresentando, desde a Eco 92, suas propostas nas convenções do clima até agora realizadas.

O mecanismo de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (REDD) não diminuirá a poluição. É uma farsa. Na verdade, na melhor das hipóteses, significa trocar 'seis por meia dúzia'. As empresas poluidoras dos países ricos do norte pagarão para os países do sul e continuarão a poluir. Nesse contexto, povos indígenas estão sendo assediados por ONGs a serviço das empresas do norte para que firmem contrato cedendo suas terras e florestas para a captura de CO2.

Com o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a relação com a natureza passa a ser mercantilista, ou seja, os princípios de respeito do ser humano para com a natureza passam a ter valor de mercado e medidos nas bolsas de valores. O dinheiro resolve tudo, paga tudo.

Os mecanismos do "capitalismo verde" reduzem a capacidade de intervenção do Estado e dos povos na gestão de suas florestas, bem como de seus territórios, que passam a ter o ônus de viabilizar compensações ambientais massivas em favor da manutenção do insustentável padrão de desenvolvimento dos países ricos - e em franco desenvolvimento, caso do próprio Brasil.

Mecanismos de compensação para captura de carbono colocam em risco a soberania nacional, através da expansão das transnacionais na consolidação do poder e controle sobre povos e governos, águas, territórios e sementes nos países do sul, além de modificar os modos de vida das comunidades locais, agora tratadas como fornecedoras de "serviços ambientais".

Os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpos (MDL) justificam a construção de hidrelétricas por serem estas classificadas nesta categoria. Não é por acaso que tantas estão sendo construídas, muitas atingindo povos indígenas como é o caso de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau.

Ao aceitarem fazer contratos de REDD, as comunidades indígenas obrigam-se a ceder suas florestas por 30 anos, não podendo mais utilizá-las, sob pena de serem criminalizadas. É o "pagador" quem vai definir o que o "recebedor" pode ou não fazer; ficam subordinadas às grandes empresas transnacionais e governos internacionais.

Esses "contratos de carbono" ferem a Constituição Federal, que garante aos povos indígenas o usufruto exclusivo do seu território. O povo perde a autonomia na gestão de seu território, em troca de ter os recursos naturais integrados ao mercado internacional.

Trata-se de um novo momento histórico, absolutamente novo, mas com características vistas em outros momentos: a reterritorialização do capital internacional e desterritorialização dos povos indígenas.

Os povos atrelados a tais contratos são transformados em empregados dos ricos, passando da condição de filhos, cuidadores e protetores da Mãe Natureza (Pacha Mama) para a condição de promotores do capital natural, criando-se assim uma nova categoria: operários da indústria do carbono.

Para os povos indígenas a terra é mãe. As árvores são os cabelos, os rios são o sangue que corre em suas veias. Para o "capitalismo verde", os rios são considerados infraestrutura natural e a natureza uma força que precisa ser domada em benefício de um dito progresso, profundamente autofágico, perverso e totalitário.

Exemplos de como se dá a relação dos indígenas com a natureza não faltam. Para os Guarani entrarem na floresta, logo de manhã, rezam e pedem ao Nhanderú orientação na direção em que devem caminhar. REDD, PSA transformam a natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a mística em cláusula contratual, o bem estar em supostos "benefícios do capital". É a mercantilização do sagrado e a coisificação das relações humanas em interface com o meio ambiente.

É preciso recuperar a memória da humanidade sobre nossos vínculos com a natureza, expresso no Suma Kawsay (Bem Viver). O meio ambiente e as culturas que vivem em harmonia com ela devem ser as bases para o desenvolvimento humano e das sociedades; não um item da economia de mercado.

Na convivência com os povos indígenas, percebemos que são eles, com seus conhecimentos e sabedoria, as fontes inspiradoras para um outro tipo de modelo de sociedade onde o SER prevaleça sobre o TER, respeitando e vivendo em harmonia com a natureza.

O "capitalismo verde" é sinônimo de neocolonialismo. Em pleno século 21, surgem novos "espelhinhos" - os PSA, o REDD - lembrando a estratégia usada pelos colonizadores no século 16 para conquistar e destruir os povos indígenas, apoderando-se de seus territórios.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), após analisar a lógica do "capitalismo verde" - dito sustentável - e suas consequências para as populações mais sofridas e exploradas do planeta, em especial os povos indígenas, quer juntar-se aos demais setores organizados que dizem NÃO a financeirização da natureza, NÃO a "economia verde" e NÃO ao mercado de carbono.

de Jaime Carlos Patias, revista Missões

As previsões do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, para o Nordeste brasileiro não eram animadoras: a região seria atingida por uma grande seca, que se estenderia de 2006 a 2011. Infelizmente, elas se confirmaram, este período já terminou e dos quase 400 municípios da Bahia, 186 já decretaram estado de emergência.

Para conviver com o semiárido, padre Vidal Moratelli, missionário da Consolata que há 20 anos enfrenta a questão da água nos municípios de Jaguarari e Monte Santo, a 300 km de Salvador, BA, vê a necessidade de ultrapassar a mentalidade da dependência tanto religiosa, quanto política. "O povo da região da seca, de tanto sofrimento e derrota com a plantação e criação de animais, e enganado pelas promessas de políticos, se tornou manso - vive conformado com a situação. Isso tira a capacidade de organização e manifestação pública". O padre observa que a expressão mais usada é: "se Deus quiser, vai chover". Para ele, outro provérbio seria mais adequado: "Deus ajuda a quem se ajuda". Isso para explicar que Deus ajuda com a chuva, "mas se o povo quiser enfrentar a situação, deve usar a inteligência para desenvolver projetos e exigir seus direitos a fim de que o poder público cumpra com os seus deveres".

Hoje existem muito mais recursos do que em outras épocas, tais como a aposentadoria dos camponeses, as cisternas, o Bolsa Família, Bolsa Escola, Bolsa Safra, a energia elétrica com o Programa Luz Para Todos, entre outros. A situação é grave, mas não é mais uma tragédia como antigamente, quando muitos abandonavam o campo. Por outro lado, esses benefícios podem acomodar o povo que não exige mudanças estruturais para soluções permanentes. Especialistas afirmam que acabar com a seca é quase impossível. Então, a melhor maneira é conviver com o semiárido que tem uma média de chuvas que varia entre 300 e 750 mm ao ano.

A missão da Igreja é defender a vida
A Paróquia São João Batista, em Jaguarari, tem 80 comunidades e desde 1996, conta com a presença dos missionários e das missionárias da Consolata. Naquela região já foram perfurados centenas de poços. São dezenas de quilômetros de tubos condutores. Além disso, o Centro Cultural da paróquia já construiu mais de 800 cisternas para produção e consumo humano. A equipe missionária conta hoje com três padres e quatro irmãs. Os projetos iniciados pelo padre Vidal continuam através do Centro Cultural e da prefeitura. Para coordená-los foram criadas 45 associações locais ligadas a uma Central de Associações em Jacobina, que dá assistência técnica.

Com mais de 140 comunidades, a Paróquia Sagrado Coração de Jesus em Monte Santo é assistida pelos missionários da Consolata desde 1991. Hoje trabalham lá três padres e um diácono. Um dos objetivos da ação pastoral envolve a questão da água. Especialista em prospecção no subsolo, Moratelli é conhecido como o "padre da água". O religioso explica que a região se encontra num sistema de semiárido provocado pelo ser humano que desmatou sem controle. O processo de desertificação está num estágio em que a natureza sozinha não pode se recuperar. Mesmo que chova até 700 mm anuais o solo não retém a água. Na opinião do padre é urgente "armazenar a água nos períodos chuvosos e construir barreiros, espécie de pequenos açudes, para os animais". Sugere ainda que, em todos os povoados "o governo invista em poços artesianos e transforme a água salobra em água potável, através de aparelhos dessalinizadores, com a colaboração da comunidade. Para isso, se poderia adotar um cartão eletrônico onde cada um pagaria pela quantidade de água processada". Além disso, cada fazenda de gado deveria ter seu poço artesiano para o rebanho. "Esse investimento valorizaria a propriedade e salvaria o gado", avalia.

Leia também:

Dionísia: mulher forte do Sertão

A Santa Cruz e a devoção nordestina

Trabalho em todas as frentes
O Aquífero Tucano, segundo maior do Brasil, está a 100 km de Monte Santo. O apelo das comunidades é que o governo invista num projeto de água potável seguro e permanente como ponto de referência com adutoras para abastecer a cidade e os povoados. "Isso evitaria que a água, que é vida para o ser humano e os animais, se tornasse fonte de doença, como vem ocorrendo no momento. A água que é trazida atualmente é imprópria para o consumo", alerta padre Vidal. "A notícia sobre o número de municípios em estado de emergência parece um triunfo, ou ocasião para receber verbas milionárias, em vez de ser vista como uma vergonha pela falta de organização e interesse em evitar situações críticas que se repetem ano após ano. Enquanto uns carregam imagens para o altar do sertão, outros cá embaixo no bem público passam a mão", afirma indignado.

A eletrificação rural foi um grande acerto do governo. A energia beneficiou o campo e aqueceu o comércio. "Por que a questão da água no campo não é tratada com a mesma organização e seriedade?", questiona padre Vidal e complementa: "acontece que a seca continua sendo um trunfo para a promoção de políticos que administram carros-pipas em troca de poder. O investimento do governo aboliria o carro-pipa, o que para os políticos locais seria um péssimo negócio à indústria da seca", conclui.

Moradores da cidade corroboram essa análise. Uma fonte que prefere não se identificar, afirma que a região é um curral eleitoral de um deputado estadual que controla todos os poderes. "O deputado era apenas secretário do prefeito, gastou cinco milhões de reais na campanha e depois de eleito, continuou enriquecendo. Nos meus 64 anos, foi o primeiro empregado que vi ficar milionário", desabafa. "A seca é onde mais se ganha dinheiro. Os carros-pipas valem votos. Há um controle integrado de todos os poderes. As denúncias não são levadas adiante e quem denuncia é intimidado. A prefeitura é um cabide de empregos. Quem não é empregado lá tem algum parente e não quer perder o lugar, por isso tem medo", lamenta.

Outro destaque na luta pela água é o padre Nelson Nicolau, catarinense de Chapecó, que há 20 anos trabalha no município de Cansanção, a 35 km de Monte Santo. Para o padre "é preciso preservar a mística da água". Como resultado da conscientização nas comunidades, na década de 90 foi criada a Associação Regional Pró-Água - ARPA, que integra quatro paróquias (Queimadas, Cansanção, Nordestina e Monte Santo), na coordenação de ações em diversas frentes. Com a ajuda da Cáritas, maquinários foram comprados para a perfuração de poços. Através do poder público estadual, a ARPA recebeu uma retroescavadeira e um caminhão caçamba para a limpeza e construção de pequenas barragens. Ao mesmo tempo, conseguiram a ramificação da adutora que leva água para a cidade, para que chegasse também às comunidades rurais. "A vida está sendo ameaçada pela seca e a Igreja precisa agir para defendê-la. Por isso se envolve na luta pela água", explica padre Nelson.

Universalizar a água
A professora Maria da Glória Cardoso, coordenadora da Pastoral da Criança e membro da ARPA, avalia que "a questão da água é tratada com muita precariedade. Os políticos nunca a levaram a sério. Tudo é visto como manipulação política. Existiam projetos de construção de cisternas e máquinas para perfuração, mas estacionaram. O solo tem uma camada dura que precisa muita persistência para perfurar. Há 20 anos, com a ajuda do Banco Mundial, construíram muitas cisternas, mas foi um trabalho mal feito e a grande maioria foi destruída", recorda.

Em Monte Santo, a Comissão que agrupa a ARPA, com representantes da Igreja, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, da Articulação do Semiárido - ASA e do poder público, faz levantamento e elabora projetos, mas o trabalho anda devagar. "Anos atrás fizemos um projeto para pedir que se destinasse 3% do orçamento do município para recursos hídricos. O projeto foi aprovado na Câmara, mas na hora de elaborar o orçamento, esse item não apareceu. O povo também é muito passivo, fica esperando Deus mandar a chuva e a seca fica parecendo um sofrimento merecido", desabafa Maria da Glória.

Segundo Ana Maria Campos de Oliveira, secretária da agricultura de Monte Santo, município com 53.000 habitantes, a situação se agravou nos últimos seis meses. A estratégia da prefeitura é limpar as aguadas, perfurar e recuperar poços e distribuir cestas básicas. Para isso recebeu a ajuda do governo federal no valor de 60 mil reais. Por outro lado há muitas críticas com relação aos carros-pipas que representam a maior corrupção. No município existem 53 carros contratados e pagos pelo Exército através do governo federal que para isso investe mais de 500 mil reais por mês. Segundo informações, tem carro que chega a receber entre 12 e 17 mil reais por mês. A maioria é controlada pelos vereadores. Além disso, a água transportada não é de boa qualidade. A secretária esclarece que o preço varia entre três e dez mil reais por carro. "O valor é alto, mas a prefeitura não recebe dinheiro, tudo é feito através do Exército", comenta Ana Campos e ao mesmo tempo, reconhece as dificuldades em fiscalizar o abastecimento. Ela mesma já fez várias denúncias. "Não tenho conhecimento sobre carros-pipas de vereadores. Dizem que muitos são deles, mas não posso provar".

Ana Campos observa que no município não há mais onde se extrair água potável. Os carros-pipas deveriam trazer de Quinjigue, mas recentemente pegou amostra da água imprópria para o consumo que estava sendo levada para uma comunidade. "Já recebi até ameaças de morte por fiscalizar a água tirada de tanque do gado e levada para o consumo humano", revela.

Evaristo Rodrigues de Lima, representante da Comissão da Água trabalha em parceria com a Articulação do Semiárido - ASA, instituição não governamental que faz parcerias com dioceses e associações locais. Evaristo explica que, desde 2002 foram construídas no município, cerca de três mil cisternas de 16 mil litros cada. A previsão até 2014 é fazer outras cinco mil para universalizar a água de consumo humano. "O trabalho é feito de forma coletiva para não privilegiar apenas alguns. É um recurso para todos", destaca.

Além disso, existem ainda as cisternas de produção para a criação de animais e produção de hortaliças. "Em 2011, foram feitas 40 unidades com a capacidade de 50 mil litros cada. Nesses projetos temos o envolvimento das famílias. Isso garante a sustentação da produção de hortaliças. Eles até estão vendendo", comemora. Dona Olívia Gonçalves de Carvalho, da comunidade Fazenda Velha investiu sete mil reais numa cisterna de produção que contempla um cercado e os canteiros para o cultivo de hortaliças. "A cisterna é uma terapia, porque ao tirar a água vou tocando a bomba e movimentando o corpo, e me sinto melhor. Com as hortaliças, a gente come sem veneno. Os animais não beberam mais água suja. É uma bênção. Se cada família tivesse uma cisterna dessas!", exclama.

A vida no sertão gira em torno da água que geralmente é administrada pela mulher. Hoje o povo percebe que é importante ter uma cisterna ao alcance para garantir a boa qualidade da água e consequentemente, da vida. A água ao lado da casa evita longas caminhadas e alivia o trabalho da mulher que dedica mais tempo para os filhos e para a própria casa. Os poços asseguram as famílias na roça e as cisternas produtivas possibilitam uma pequena horta familiar. Com isso verifica-se uma diminuição das doenças nas crianças e idosos.

Fonte: Revista Missões

segunda-feira, 16 de abril de 2012

COMIRE Sul 1 define delegados para o 3º Congresso Missionário Nacional
16/04/2012 | José Carlos Pascoal e Jaime C. Patias

O Conselho Missionário Regional - COMIRE Sul 1 da CNBB (estado de São Paulo) realizou neste sábado, 14, o seu Pré-Congresso em preparação ao 3º Congresso Missionário Nacional (3º CMN), que acontece em Palmas, Tocantins, entre os dias 12 e 15 de julho de 2012. O encontro foi realizado na sede da Obra dos Cenáculos Missionários - OCM, bairro Alto da Lapa, São Paulo, com a participação de 80 pessoas representantes dos Conselhos Missionários de 31 dioceses do estado e de organismos missionários.

O Pré-Congresso, teve início com uma celebração eucarística presidida por dom Vicente Costa, bispo de Jundiaí e presidente do COMIRE, e concelebrada pelo assessor do COMIRE, padre Éverton Aparecido da Silva, da diocese de Presidente Prudente. O bispo falou da sua alegre expectativa da realização do Pré-Congresso e do Congresso Nacional. "Alegro-me pela participação de presbíteros, diáconos, seminaristas, religiosos e religiosas e pelo grande número de leigos e leigas que se dedicam à Missão e recebem com alegria esta formação missionária", disse na homilia. "Jesus faz com que a mulher, Maria Madalena, seja a primeira anunciadora da ressurreição. Os 11 são repreendidos por teimarem em não acreditar no anúncio. Jesus espera de nós uma ação missionária cheia de fé, para anunciar a todos esta verdade: Cristo Ressuscitou verdadeiramente, aleluia!", completou dom Vicente.
Confira Site Oficial do 3º Congresso Missionário Nacional
O teólogo e assessor do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, padre Paulo Suess, abordou o tema "Discipulado missionário: do Brasil para um mundo secularizado e pluricultural, à luz do Vaticano II", que também é tema do 3º CMN. Paulo Suess, que é autor de um dos três artigos que compõem o texto-base do Congresso, refletiu sobre o discipulado, a missão e o seguimento. "No Evangelho de João há sete expressões de auto-identificação de Jesus. A partir dessas expressões, aprendemos a conhecer o Mestre e tomamos a decisão de segui-lo", disse. As expressões de Jesus, refletidas pelo assessor são: "Eu sou o pão da vida" (Jo 6, 35); "Eu sou a luz do mundo (Jo 8, 12); "Eu sou a porta" (Jo 10, 7.9); "Eu sou o bom pastor" (Jo 10, 11.14); "Eu sou a ressurreição e a vida" (Jo 11, 25); "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14, 6); "Eu sou a videira" (Jo 15, 1.5).
"Neste mundo secularizado e pluricultural como ser discípulo?" questionou o teólogo, para em seguida afirmar: "o que caracteriza o discípulo é a permanente busca de conformidade com a missão do Mestre. Prioridade absoluta dessa missão é gerar vida, não com meios sofisticados, mas através do despojamento da própria vida".
Sobre os desafios do mundo secularizado pós-moderno, padre Suess destacou que, "o discipulado missionário exige inculturação no ambiente dos pobres onde a fé é vivida. Precisamos sempre discernir entre a necessidade da inculturação e a necessidade da contraculturalidade evangélica. Eis a questão: estar no mundo, sem ser do mundo", alertou. "A chave para a inculturação é a comunicação, onde aparecem as divergências, os valores, a dialética de cada grupo", sublinhou.
Padre Paulo chamou a atenção para as principais forças do Concílio Vaticano II na ótica da Missão, com destaque para a natureza missionária da Igreja; a centralidade da Palavra de Deus, a centralidade do Reino; o conceito de Igreja como Povo de Deus; a opção pelos pobres; a inculturação e a libertação. Após a palestra, Suess respondeu perguntas em plenário.
Para a coordenadora do COMIRE, Maria de Fátima da Silva que, com o auxílio da Equipe Executiva coordenou os trabalhos, "o encontro foi importante para reunir as dioceses do regional e pensar a Missão. O tema proposto nos desafia para um trabalho mais comprometido. Vamos a Palmas participar de um evento celebrativo e beber das fontes para somar forças com os demais regionais", avaliou.
Na segunda parte do encontro, a Equipe Executiva do COMIRE apresentou a programação e a logística do 3º CMN, que reunirá na capital do Tocantins, 600 delegados dos diversos regionais. São Paulo enviará 46 participantes. Um dos pré-requisitos para a formação da delegação era a participação no Pré-Congresso. As vagas foram ocupadas pelos representantes das dioceses presentes e membros da diretoria executiva do COMIRE. A delegação será liderada por dom Vicente Costa, auxiliado pela coordenação do COMIRE.
Fonte: Comunicação COMIRE Sul 1

quarta-feira, 11 de abril de 2012

2039- RIO+20

Aliança RECOs
Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras

“....O discurso ambiental está sendo usado como uma oportunidade de criar novos mercados, com a financeirização da natureza. O sentimento por parte de alguns governos europeus é de que, com a crise, eles não têm dinheiro para preservar a natureza. Eles defendem que se há uma maneira de ganhar dinheiro preservando os ecossistemas, isso tornará a preservação ambiental atrativa, para que a natureza seja utilizada no mercado de compensação por emissões de carbono, por exemplo. Essa financeirização é vista como solução, mas ela está na origem da própria crise que estamos enfrentando. Tome-se o sistema de hipotecas do mercado imobiliário, que é um instrumento financeiro usado há séculos: pensava-se que os governos sabiam regular esse mercado e que a indústria sabia operá-lo, isso até 2007. Esse sistema deu origem a uma crise pela qual estamos pagando até hoje. E agora estão tentando nos convencer de que as mesmas pessoas que ‘desarrumaram’ nossa casa devem ter permissão para cuidar do jardim. E isso é ridículo. Enquanto estão ocupando Wall Street – e eu acho ótimo que estejam – Wall Street está tentando ocupar nossas florestas, nossos campos, nossa água e nossa atmosfera. E não podemos permitir que isso seja feito...”


“O DISCURSO PARA A RIO+20 VENDE A IDEIA DE QUE A SOLUÇÃO DE TODOS OS PROBLEMAS ESTÁ NA TECNOLOGIA, E NÃO ESTÁ”

texto originalmente publicado no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – Fiocruz

Descrição: Descrição: Descrição: Descrição: http://www.ibase.br/pt/wp-content/uploads/2012/01/patmooney.png
Pat Mooney. Crédito: Elevate Festival/Flickr.

Em junho, o Rio de Janeiro vai sediar a Rio+20, conferência que, segundo a ONU, pretende “renovar o compromisso político rumo ao desenvolvimento sustentável”. No entanto, o canadense Pat Mooney, diretor do ETC Group, ONG que monitora novas tecnologias, alerta que a Rio+20 corre o risco de legitimar o desenvolvimento de tecnologias que podem causar enormes impactos sociais, econômicos e ambientais se empregadas indiscriminadamente, incluindo a apropriação dos recursos naturais por grandes corporações e alterações de larga escala nos sistemas naturais da Terra. Mooney, que há 40 anos integra entidades da sociedade civil ligadas ao monitoramento do comércio mundial de alimentos, produtos agrícolas e minérios, fala sobre aquelas que, segundo ele, são as principais tecnologias discutidas nos preparativos da Rio+20: a biologia sintética, a nanotecnologia e a geoengenharia. Segundo ele, empresas como Shell e Syngentainvestem pesado nelas, bem como governos de países como os EUA.

Por que se acredita que essas tecnologias podem acabar com nossa dependência de recursos naturais e solucionar o problema climático?

A nanotecnologia permite a manipulação da matéria em escala nanométrica, ou seja, um bilionésimo de metro. Nessa escala, as características dos elementos químicos se alteram: sua condutividade elétrica, sua cor, a forma com que ele reage à pressão atmosférica, etc. Ela oferece a possibilidade de que seja usada muito menos matéria prima para produzir determinados produtos e acredita-se que com ela seja possível tornar determinadas commodities desnecessárias, sendo possível substituir uma por outra. Por exemplo, o giz que é usado nas escolas: manipulado na escala nanométrica, ele fica 100 vezes mais duro que o aço e mais leve. Então, acredita-se que algo barato como o giz poderá ter características que permitam que ele seja usado para construir prédios ou pontes.

A biologia sintética pode ser descrita como o lado biológico da nanotecnologia, pois possibilita a manipulação dos elementos que compõem o DNA dos organismos vivos. O que os investidores estão dizendo é que com o desenvolvimento da biologia sintética será possível criar qualquer tipo de organismo; ela possibilita a criação de uma nova forma de vida, o que, aliás, já foi feito no ano passado por um pesquisador chamado Craig Venter. Com isso acredita-se que seja possível sintetizar micróbios capazes de utilizar biomassa transformá-la em eletricidade, em combustíveis, em comida, no que for. Na teoria, seria possível sintetizar um micróbio capaz de produzir plástico, por exemplo, a partir da celulose presente nos vegetais. A diferença entre essa tecnologia e a engenharia genética, usada na criação dos organismos geneticamente modificados, é que a biologia sintética teoricamente possibilita a síntese do DNA a partir do zero, enquanto a engenharia genética ‘apenas’ transfere um ou mais genes de um organismo para outro. Pesquisas nessa área estão sendo feitas por todo o mundo, inclusive no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, há uma empresa norteamericana chamada Amyris, que tem parcerias com usinas de cana-de-açúcar brasileiras para utilizar a biologia sintética para a produção de melhores biocombustíveis utilizando-se de organismos artificiais.

A geoengenharia é basicamente uma estratégia que engloba várias tecnologias – inclusive biologia sintética e a nanotecnologia – para intervir em larga escala nos oceanos e na atmosfera, e está sendo proposta para lidar com a mudança climática. Os cientistas que estão trabalhando em projetos desse tipo alegam que é impossível reverter as mudanças climáticas a menos que consideremos utilizar a geoengenharia. Isso está sendo proposto de duas maneiras diferentes: uma é diminuir a quantidade de luz solar que chega à Terra, por meio de uma estratégia chamada de gestão da radiação solar. A ideia é bloquear a luz do sol bombardeando a estratosfera com sulfatos, para simular o que acontece quando um vulcão entra em erupção. Alguns pesquisadores alegam que é possível construir enormes ‘tubos’ com cerca de 25 quilômetros de altura, que ficariam espalhados por todo o mundo bombardeando a atmosfera com sulfatos e fazendo com que a temperatura se estabilizasse. A segunda estratégia de geoengenharia é a fertilização oceânica: a proposta é escolher uma parte do oceano que seja pobre em nutrientes, como ferro e uréia, e despejar nanopartículas desses nutrientes para criar uma proliferação de fitoplâncton [conjunto de organismos vegetais aquáticos microscópicos, principalmente algas]. Esse fitoplâncton absorveria o dióxido de carbono na atmosfera e quando morresse afundaria ficaria depositado no solo marítimo. Desde 1993 já foram conduzidos 13 experimentos desse tipo em todo o mundo, financiados principalmente por governos de países como os EUA, Inglaterra e Alemanha. E todos foram um fracasso, mas eles continuam tentando, cada vez gastando mais do que antes.

Quem está investindo nessas tecnologias?

A nanotecnologia já conta com investimentos pesados, principalmente de governos como o dos EUA, Japão, Reino Unido e China. Somados, esses países gastaram em torno de US$ 50 bilhões em pesquisa em nanotecnologia desde 2001, apenas em pesquisa básica. Comparativamente, é mais dinheiro do que foi investido noProjeto Manhattan, que criou a primeira bomba atômica. Inicialmente, a maior parte desses gastos vinha dos governos, mas por volta de 2007 o setor privado começou a superá-los. E os investimentos vêm de empresas da área de energia, mineração, química, informática. Como exemplos de corporações que estão investindo nisso posso citar a Nestlé, a Monsanto, a Syngenta, entre outras. Os investimentos do setor privado em nanotecnologia já andam na casa dos US$ 7 bilhões anuais em pesquisa básica. Também impressiona o nível de investimentos destinados à biologia sintética. As maiores companhias petrolíferas, como Exxon e Shell, investiram maciçamente nessa área. Só a Exxon investiu US$ 600 milhões em uma empresa de biologia sintética no ano passado. O governo dos EUA investiu US$ 1 bilhão em pequenas empresas desse setor em 2010.

Já os gastos com geoengenharia ainda podem ser considerados modestos. Isso pode ser explicado pelo fato de que, no ano passado, a Convenção de Diversidade Biológica das Organizações das Nações Unidas estabeleceu uma moratória sobre os experimentos em geoengenharia que poderiam acarretar consequências que ultrapassassem as fronteiras dos países ou que tivessem efeitos de larga escala. Apenas pequenos experimentos foram permitidos. Essa determinação foi assinada por 193 países. Na verdade, existem duas moratórias contra a geoengenharia: a primeira foi colocada pela ONU em 2008 contra experimentos com fertilização oceânica. No ano seguinte, a Alemanha conduziu experimentos que violaram essa moratória e causou uma onda enorme de protestos, inclusive no próprio país, e desde então eles resolveram parar. Em 2010, essa moratória foi estendida para abranger também a gestão da radiação solar. Mas elas não impedem que os governos tentem fazer experimentos, desde que sejam em pequena escala. Já a biologia sintética e a nanotecnologia não estão submetidas a nenhum tipo de regulação praticamente.

O uso dessas técnicas como solução para os problemas ambientais possui credibilidade no meio acadêmico?

Muita. Se você olhar quem ganhou os últimos prêmios Nobel em física e em química, a maioria desses pesquisadores trabalha com nanotecnologia e biologia sintética. Todas as maiores universidades do mundo estão envolvidas nisso: Oxford, Cambridge, Harvard, MIT, Stanford. E não há debates acerca dos riscos envolvidos nessas tecnologias, há um consenso no meio acadêmico de que elas têm um enorme potencial. Ninguém está discutindo os riscos ambientais e para a saúde envolvidos no uso indiscriminado dessas tecnologias, não há nenhuma regulação. Também acho que há um risco relacionado ao potencial de transformar a economia global, porque não se sabe quem teria o controle sobre essas transformações, quem seria o dono dessas tecnologias. A Academia Nacional de Ciências dos EUA, a Sociedade Real no Reino Unido e outras instituições alemãs já produziram relatórios a respeito da geoengenharia. Todas dizem a mesma coisa: é extremamente perigoso e é um último recurso, mas devem ser feitos experimentos porque há a possibilidade de que não se consiga encontrar outra solução.

O sr. afirma que a proposta de utilizar essas tecnologias obedece a critérios políticos, e não científicos. O que quer dizer com isso?

Há uma suposição de que é possível usar a geoengenharia de maneira segura. Só que no momento que você a propõe como solução, os políticos podem alegar que não é preciso reduzir nossa emissão de gases causadores de efeito estufa e transformar nossas economias. Basta jogar sulfatos na estratosfera ou fertilizar a superfície dos oceanos que tudo ficará bem. No momento em que se diz que a geoengenharia é aceitável, ela deixa de ser uma questão científica e se torna uma questão política. E não dá para acreditar que os mesmos políticos que não tiveram coragem para tratar da questão climática até agora terão a integridade e a inteligência para utilizar a geoengenharia de maneira segura. E isso é verdade também para a biologia sintética e a nanotecnologia. Não há capacidade em nível global – como, por exemplo, dentro da ONU – para monitorar e avaliar novas tecnologias.

No caso da nanotecnologia, devido ao tamanho reduzido das partículas e ao fato de que as características dos materiais mudam muito, é necessário uma regulação especial, e os governos não têm implementado isso. Fui conversar com agências reguladoras nos EUA e na Europa e todas dizem que não têm como exercer maior regulação sobre a nanotecnologia e a biologia sintética até que haja um grande acidente envolvendo uma das duas. Os governos já investiram demais nessas tecnologias para desistir agora. Os reguladores sabem que estão de mãos atadas porque essa é uma questão política.

Isso viola o princípio da precaução, uma das principais conquistas da Rio 92, que diz que se não se sabe ao certo se uma tecnologia é segura, a precaução sugere que ela não seja usada até que se saiba mais. Só que, em 1993, os dois órgãos da ONU que tinham alguma competência para avaliar novas tecnologias foram praticamente ou completamente dissolvidos: a Comissão de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento, que ocupava um prédio inteiro em Nova York, perdeu tantos recursos que hoje não passa de duas pessoas em uma sala no prédio das Nações Unidas em Genebra. Também em 1993 houve a dissolução da Comissão sobre as Empresas Transnacionais, que era o único órgão da ONU que monitorava o setor privado em nível global e as transferências de tecnologias entre empresas privadas. Essa teve seu orçamento cortado pelo governo dos EUA.

E quais os impactos envolvidos no emprego dessas tecnologias?

Com relação à nanotecnologia, uma grande preocupação é com as patentes que estão sendo concedidas, que de certa forma estão privatizando os elementos da tabela periódica. Por exemplo, você pode obter uma patente que se aplique a um fio produzido por meio de nanotecnologia a partir de qualquer um entre 33 elementos. Isso é como ser dono de um terço da tabela periódica. Ou então você obtém uma patente que diz que determinado produto usado na indústria eletrônica também se aplica à indústria farmacêutica, automobilística e assim por diante. Estamos falando de manipulação no nível mais básico da natureza e há grande possibilidade de que uma empresa monopolize um enorme pedaço da produção industrial.

Hoje é possível encontrar no mercado milhares de produtos que de alguma forma se utilizam da nanotecnologia. Filtros solares, cosméticos, roupas e outros produtos já usam nanopartículas. Mas há uma dificuldade na regulação porque as nanopartículas que estão sendo usadas são de materiais que historicamente eram usados na elaboração desses produtos. Um exemplo: hoje já é possível comprar filtros solares com nanopartículas de óxido de zinco em sua formulação, que são compostos que sempre foram usados, só que sem a utilização da nanotecnologia. Então os governos não exigem que as empresas refaçam os testes e nem regulam de maneira diferente. Mas quando você usa nanopartículas de um material ele se comporta de maneira completamente diferente. Particularmente, o óxido de zinco pode passar através da pele e ir parar nos nossos órgãos, e ninguém sabe ao certo os riscos que isso acarreta. Apenas nos últimos oito anos começaram a aparecer pesquisas que tentavam analisar o que acontece quando as nanopartículas penetram no organismo ou no meio ambiente. Todas elas dizem que há risco envolvido nisso e que é preciso fazer mais pesquisas.

Com a biologia sintética, se é verdade que um dia será possível fazer o que eles alegam, ou seja, manipular o DNA para ‘construir’ qualquer coisa em laboratório a partir de biomassa, provavelmente o que aconteceria é que as pessoas famintas de todo o mundo teriam que competir com a indústria pela terra para produzir biomassa. Eu sempre ouço de investidores de risco que apenas 23,8% de toda a produção terrestre anual de biomassa do planeta está inserida no mercado global de commodities, o que significa que 76,2% não foi convertido em valores monetários. Para esses investidores, essa produção não está ‘sendo usada’, mas na verdade elas desempenham funções importantes no equilíbrio dos ecossistemas, ou então servem como áreas de pastoreio e cultivo para populações tradicionais, por exemplo. Mas não estão no mercado, e o objetivo é encontrar uma forma de lucrar com isso.

Outro risco é a liberação no meio ambiente de organismos que não existem na natureza. É provável que quase todos sejam incapazes de sobreviver fora do laboratório, mas pode ser que consigam. É impossível prever a velocidade com que eles seriam capazes de sofrer mutações ou desenvolver a capacidade de se reproduzir e dar origem a algo novo. O que nós sabemos é que os laboratórios, por mais seguros que sejam, não garantem que esses organismos fiquem confinados. Tome-se o exemplo do vírus da febre aftosa. Nos últimos dez anos, houve 15 casos em que ele escapou de laboratórios pertencentes ao governo em todo o mundo.

Já a geoengenharia ainda é muito teórica. Em princípio, ela funciona, haja vista que a humanidade, depois da Revolução Industrial, foi capaz de causar modificações climáticas que nos levaram à crise atual. O que está sendo defendido agora é que não há escolha a não ser transformar o planeta uma segunda vez e tentar reverter esse quadro. O que preocupa é que essas técnicas podem ser bem desleixadas. Simplesmente lançar sulfatos na estratosfera pode ser extraordinariamente perigoso. Por exemplo, se isso fosse feito na zona temperada, poderia causar efeitos indesejados sobre as chuvas de monção, que deixariam de passar por sobre a Ásia e passariam sobre o oceano. O impacto disso seria uma enorme seca em alguns países. Nós não sabemos o suficiente sobre os fenômenos climáticos do planeta para conseguir utilizar a geoengenharia de maneira segura. Mesmo aqueles que endossam a geoengenharia dizem que ela é extremamente arriscada. A certeza é que haverá um grande impacto. Mas não se sabe ainda como a geoengenharia afetaria o regime de ventos, as correntes oceânicas, a quantidade de chuva, e isso pode ter um impacto enorme ao determinar o que pode ou não ser cultivado em determinados lugares e quem pode ou não habitar determinadas regiões.

Qual é a relação entre essas tecnologias e a Rio+20?

Os países do Norte estão pressionando pela adoção, na Rio+20, da ideia de que a melhor maneira para sair da crise é a economia verde, em que a biologia sintética e a nanotecnologia desempenhariam um papel central. O que eles querem é o reconhecimento de que uma nova economia baseada nessas tecnologias é ‘limpa’, é ‘verde’. ARio+20 será praticamente uma campanha por parte da Europa e América do Norte para tentar convencer o mundo de que essa é a solução para os nossos problemas. Eu estive no Brasil na época em que se falava da Teologia da Libertação, que defendia a participação da sociedade, dos movimentos sociais na busca por soluções para os problemas. O discurso agora para a Rio+20 é o da Tecnologia da Libertação, que advoga que a ciência e a tecnologia controladas pela indústria podem ‘tomar conta’ do planeta. Vende-se a ideia de que a solução de todos os problemas está na tecnologia, e não está.

E que análise o sr. faz do discurso da economia verde?

O discurso ambiental está sendo usado como uma oportunidade de criar novos mercados, com a financeirização da natureza. O sentimento por parte de alguns governos europeus é de que, com a crise, eles não têm dinheiro para preservar a natureza. Eles defendem que se há uma maneira de ganhar dinheiro preservando os ecossistemas, isso tornará a preservação ambiental atrativa, para que a natureza seja utilizada no mercado de compensação por emissões de carbono, por exemplo. Essa financeirização é vista como solução, mas ela está na origem da própria crise que estamos enfrentando. Tome-se o sistema de hipotecas do mercado imobiliário, que é um instrumento financeiro usado há séculos: pensava-se que os governos sabiam regular esse mercado e que a indústria sabia operá-lo, isso até 2007. Esse sistema deu origem a uma crise pela qual estamos pagando até hoje. E agora estão tentando nos convencer de que as mesmas pessoas que ‘desarrumaram’ nossa casa devem ter permissão para cuidar do jardim. E isso é ridículo. Enquanto estão ocupando Wall Street – e eu acho ótimo que estejam – Wall Street está tentando ocupar nossas florestas, nossos campos, nossa água e nossa atmosfera. E não podemos permitir que isso seja feito.

Mas você se diz otimista com relação a Rio+20. Por quê?

Porque os governos se prepararam mal para a Rio+20 e há muita controvérsia entre países do Norte e do Sul a respeito da economia verde. Acho que a sociedade civil pode desempenhar um papel significativo na Conferência, pela própria desorganização dos governos. Podemos chamar a atenção do mundo para a falsidade da economia verde, que é apenas retórica, não significa nada. Precisamos alertar para o perigo da geoengenharia. Nenhum país ou grupo de países do mundo tem o direito de se apoderar do termostato do planeta. Nós queremos um acordo entre os países de que a geoengenharia é muito perigosa para ser levada a cabo, e há uma boa chance de conseguirmos. Eu acho que também podemos obter na Rio+20 um entendimento mais amplo da biologia sintética e da nanotecnologia, de modo que a ONU, no mínimo, chegue à conclusão de que é preciso restabelecer um sistema de avaliação de tecnologias que seja transparente, que possibilite que todos nós possamos acompanhar o desenvolvimento de novas tecnologias desde o laboratório até o mercado, e que possamos interferir. E o mais importante é chamar a atenção da sociedade civil, porque nenhum acordo ou tratado entre países vale alguma coisa se a sociedade não estiver atenta. Mas também pode ser que a Rio+20 se torne um grande evento em que se chegue a um consenso entre os países, como se todos dissessem: ‘agora sim nós aprendemos com os erros do passado, agora entendemos o que precisamos fazer para implantar o desenvolvimento sustentável que foi proposto na Rio 92, ou seja, implantar uma ‘economia verde’ por meio do incentivo à novas tecnologias ‘limpas’”.

sábado, 7 de abril de 2012

SANTA CRUZ E A DEVOÇÃO NORDESTINA.

07/04/2012 | Jaime C. Patias

Peregrinação marca Sexta-feira Santa em Monte Santo na Bahia

Visitar o Santuário da Santa Cruz de Monte Santo situado no topo da Serra do Piquaraça, a uma altitude de 490 metros acima do nível do mar, é indispensável no roteiro de quem visita Monte Santo, cidade a 300 quilômetros de Salvador, Sertão da Bahia.

Na madrugada da Sexta-feira Santa, às 4:30hs, o som da "matraca" (instrumento que substitui o sino na Semana Santa), anuncia o início da subida da cruz. Os peregrinos caminham com pegadas firmes. Seus passos vencem escadas de pedra que a natureza e a intervenção do ser humano esculpiram para facilitar a escalada.
"Estou aqui por que tenho fé. Peço que Deus nos dê coragem e paz para o mundo e saúde pra nós todos", explica dona Darci Gonçalves. Alguns metros acima, Paulo Henrique se apoia no muro de proteção para retomar o fôlego. Ele veio do Rio de Janeiro agradecer por uma graça alcançada. Um jovem acende velas no pé da porta de umas das capelinhas na beira do caminho. Duas crianças andam apressadas, sem se importarem com a respiração ofegante dos mais velhos. Centenas de pessoas, de todas as idades, algumas descalças, seguem a mesma direção: a Santa Cruz.

O percurso que inicia na Rua Senhor dos Passos, há 300 metros da igreja Matriz Sagrado Coração de Jesus, é composto por 25 capelinhas e igrejas, sendo a das Almas, a do Senhor dos Passos, a de Nossa Senhora das Dores e o próprio Santuário da Santa Cruz, as principais. Outras 15 capelinhas são dedicadas às estações da Via-Sacra. No meio do caminho, um monte de pedra simboliza a sepultura de Jesus. O conjunto é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ministério de Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ministério de Cultura. As capelas abrigam a coleção de ex-votos ofertados por romeiros ao longo de dois séculos, imagens de devoção popular e quadros com pinturas alusivas às dores de Nossa Senhora e ao martírio de Jesus.

O lugar foi visitado pela primeira vez pelo frei capuchinho Apolônio Toddi, proveniente da região de Euclides da Cunha. Em 1775, o frei realizou uma procissão penitencial no cume do monte onde foi plantado um cruzeiro. À medida que subiam, os fiéis iam plantado cruzes de madeira a espaços regulares seguindo uma ordem. A primeira dedicada às almas, as sete seguintes representando as dores de Nossa Senhora e as catorze restantes, para lembrar os sofrimentos de Jesus. A partir de então o lugar passou a se chamar Monte Santo. Mais tarde, no lugar das cruzes foram construídas capelas e o Santuário.

Veneração
Em especial na Sexta-feira Santa e na festa de Todos os Santos, dia 1º de novembro, os fiéis se comprimem nas três voltas em torno do Santuário, em veneração à SS. Trindade. Apenas um pequeno espaço separa a parede do templo e o muro de contenção. Após acender velas e fazer orações, começa a procissão de descida com as Imagens de Nossa Senhora da Soledade, São João Evangelista e Jesus Morto. São levadas com devoção pelos irmãos da Irmandade do SS. Coração de Jesus, confraria ligada à Coroa Portuguesa. Hoje, em Monte Santo ela conta com 42 membros encarregados da limpeza do Santuário e da organização dos festejos na cidade.

Na descida, à frente vai a Cruz carregada há 45 anos pelo senhor Salveano Joaquim dos Reis, 64 anos. "Meu pai já carregava a cruz. É uma fé que tenho no meu coração e estou fazendo a vontade do meu pai Eterno. Já recebi duas graças para a minha família. Este ano peço muita paz e que Deus termine com a violência no mundo que está matando a nossa juventude, que acabe com as drogas e ilumine os passos de cada um neste país", pede o devoto.
Francisco Xavier da Silva veio da roça com a família para participar das celebrações. "A gente pede que Deus dê saúde a todos. Já fiz promessa e cumpri", fala aliviado.

Logo mais está Everaldo da Silva Santos, 30, com a Imagem de São João Evangelista. "Isso vem dos mais velhos, meu pai faleceu e agora eu carrego no seu lugar. Faço isso por prazer. Com certeza isso dá muita força e traz graças. A gente pede pra perdoar e para que os jovens sigam mais a religião", destaca enquanto passa a Imagem para os colegas. Dona Rogéria Zélia Santos, rezava o terço por que, segundo ela, "é o dia da crucificação do Senhor Jesus". Também ela pede saúde e paz para todos.

No pé do Monte, a procissão é recebida por uma bandinha e centenas de fiéis para percorrer as ruas da cidade. Além das cerimônias litúrgicas propostas pela Igreja para a Semana Santa, assolado por uma grave seca, o povo realiza várias procissões carregando imagens pelas ruas da cidade. A Sexta-feira Santa é o dia mais concorrido. Os momentos mais significativos são a procissão do Senhor dos Passos, o encontro de Jesus com sua Mãe, Nossa Senhora das Dores, o Cântico de Verônica em latim e o sepultamento do Senhor.

Páscoa jovem
Nestes dias, a cidade também acolhe a Páscoa Jovem, encontro promovido pelos missionários e missionárias da Consolata na Bahia e que reúne, este ano, 70 jovens de Salvador, Feira de Santana, Jaguarari e Monte Santo para uma experiência de Páscoa ao estilo juvenil.

A paróquia de Monte Santo conta com cerca de 140 comunidades espalhadas pelo interior do município e é assistida pelos missionários da Consolata, os padres Vidal Moratelli, Olivaldo Lima e Stanley Muriuki e o diácono James Mwaura.

Fonte: Revista Missões

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Dionísia: mulher forte do Sertão

02/04/2012 | Jaime C. Patias

A história de uma mulher da roça, que completou 112 anos.

O povoado de Barreira - Pedra Vermelha, no interior de Monte Santo, a 300 quilômetros de Salvador, se reuniu no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, para celebrar os 112 anos de dona Dionísia, símbolo da resistência no sertão. A neta, Martinha das Neves Nascimento, se encarregou de resgatar a história da mulher mais idosa da região.

Dionísia Maria de Jesus, filha de Domingos Andrade e Ana Maria de Jesus, moradores da fazenda Serra do Lopes- Monte Santo, foi registrada no dia 8 de março de 1906; casou-se com José Jesus das Neves com quem teve 14 filhos (uma menina faleceu ainda pequena, outra faleceu já mãe e 12 filhos estão vivos).

Hoje Dionísia é viúva e vive com uma das filhas. Tem 102 netos vivos, mais ou menos 245 bisnetos e 46 trinetos. Ela teve uma vida muito difícil, chegando até a passar fome com seus filhos. Ela conta que na grande seca de 1932 já tinha três filhos e estava "com o barrigão" para ter outro. O marido José ia trabalhar de diarista na roça dos fazendeiros e com o dinheiro da diária no valor de R$ 2,00 contos de réis, comprava dois quilos de farinha. Enquanto isso Dionísia ficava em casa com os filhos sem ter nada para comer, só água. Então ela pegava as crianças, um machado, uma enxada e ia para a roça cortar ouricurizeiro, planta típica do sertão, da qual tirava o palmito e dava para as crianças comerem. Elas comiam o palmito, tomavam água e depois iam brincar, enquanto ela limpava a plantação de mandioca. Às 11h00 pegava o machado cortava o tronco do ouricurizeiro, levava para cima de uma laje, rachava e batia até soltar o bró, uma espécie de farinha. Depois voltava para casa com as crianças, mexia a farinha do bró no caco e fazia um bolo. As crianças comiam o bolo de bró até ficarem satisfeitas. À noite elas iam dormir sossegadas.

Quando o marido chegava à noite, perguntava: - "Cadê as crianças? Já morreram de fome?"
Ela respondia: - "não, já estão dormindo".
- "E o que comeram?"
- "Comeram palmito, bró e tomaram água e estão com a barriga cheia".
Então o pouco de farinha que José trazia ficava para o dia seguinte quando era servida com o pirão de caças.
Por isso Dionísia afirma que uma de suas filhas foi "gerada no bró, nasceu no bró e cresceu no bró".

Nesse longo período difícil, seus irmãos pegaram a estrada e foram para outras terras em busca de melhores condições, deixando para trás seus velhos pais. Mas ela falava confiante:
"Aconteça o que acontecer, eu não deixarei meus pais". E cuidou deles até o fim da vida. Ela afirma que ainda está viva porque nunca abandonou seus pais, enquanto seus irmãos já morreram todos, só tem ela para contar a história.

Para a neta Martinha das Neves, professora em Barreira, a avó Dionísia é uma grande mulher que enfrentou vários serviços para sustentar seus filhos, chegando até a trabalhar de diarista, limpando terra.
"Com toda essa garra, hoje ela nos transmite muita experiência de vida, amor e sabedoria. Digo isso porque aprendemos muito com seus exemplos, ela nunca frequentou escola, mas a escola da vida lheensinou muitas atividades. Foi uma grande artesã. Fazia redes, com algodão, fiava linhas e ela mesma tecia suas redes, uma de suas especialidades. Com o barro fazia vários objetos: panelas, potes, tigelas (aribés). Com a palha do ouricurizeiro confeccionava esteiras, sacolas e chapéus, o que até hoje faz com muita eficiência, só para dar de brinde a familiares e amigos. Outra função que ela exerceu por muitos anos, foi a de parteira, milhares de crianças nasceram com a ajuda dela, foram muitos partos, alguns deles em situação difícil, mas com ajuda de Deus, a medicina natural, suas orações e muita fé no Senhor do Bonfim e Nossa Senhora das Dores, santos de devoção, foi sempre bem sucedida. Ela também foi uma excelente benzedeira, nos casos de mau olhado e dores, era sempre procurada.

Por isso é muito bem merecida esse dia especial que Deus nos concedeu (seu aniversário). Além de ser mãe, avó, bisavó, trisavó, Dionísia é também a mãe de muitas crianças que ajudou a vir ao mundo. E com o passar de tantos anos ela ainda continua forte, bonita e lúcida, cheia de vida, o que chega a dar inveja em qualquer pessoa.

É por este motivo que hoje estamos aqui para agradecer e louvar por esta grande bênção. Que Deus lhe dê muita saúde para que viva ainda muitos anos e para nos dar essa alegria de estarmos juntos por muito tempo".

Certa feita, Dionísia, com um bebê ao colo foi pedir leite a um vizinho. Este negou e ela seguiu o seu caminho. Ao regressar, ficou sabendo que a vaca havia derrubado o balde com um coice. Esse fato negativo marcou a sua vida e gerou nela o extinto de solidariedade.

Contra um conceito vulgar do dom da vida, dona Dionísia é o símbolo da luta pela conservação geradora de muitas vidas. No sertão onde as dificuldades e o sofrimento são maiores, ela representa a mulher resistente, que jamais desiste.

Fonte: Revista Missões