quinta-feira, 28 de abril de 2011

A sociedade civil organizada escreve o Plano Estadual de Educação


Governa bem o governante que sabe ouvir o seu povo. Governa melhor aquele que respeita e executa a vontade popular.

A sociedade brasileira está caminhando para superar os graves déficits educacionais que se acumulam ao longo de muitas décadas. O estado de São Paulo precisa trilhar o mesmo caminho.

Para que o Brasil supere seus desafios, é fundamental a mais ampla participação e a gestão democrática das políticas sociais, sobretudo na educação. A Conferência Nacional de Educação (CONAE), foi um importantíssimo passo neste sentido.

A CONAE lançou bases para um Plano Nacional de Educação que seja construído como política de Estado, que não se limite à gestão de um governo, mas que se afirme ao longo de todo um período, independentemente das alternâncias no poder. A Conferência também aprovou a criação do Fórum Nacional de Educação, órgão consultivo de representação da sociedade civil que já se tornou uma realidade, institucionalizado através de portaria do Ministério da Educação.

Por seu turno, a CONAE-SP foi um dos maiores e mais democráticos movimentos educacionais de que se tem notícia no Estado de São Paulo, propiciando debates e reuniões que envolveram muitos milhares de pessoas desde as escolas, passando pelos municípios e regiões até chegar ao nível estadual.

Como entidades participantes da CONAE-SP, reunimo-nos para organizar o Fórum Estadual de Educação de São Paulo, pleiteando junto ao Governo do Estado sua institucionalização como órgão consultivo, a exemplo do Fórum Nacional de Educação.

A primeira tarefa do Fórum Estadual de Educação será acompanhar e contribuir na formulação do Plano Estadual de Educação, uma necessidade premente para que a educação pública no Estado de São Paulo sofra as transformações necessárias que corresponda aos anseios da população paulista.

São Paulo precisa de um Plano Estadual de Educação que assegure a educação como direito de todos e dever do Estado, fundada na solidariedade, no diálogo, na honestidade, no respeito às diferenças humanas e culturais, na inclusão e na justiça social, enfim, nos valores humanistas e na ética política.

Esta é a nossa luta, para a qual convidamos todos e todas que, conosco, comungam do desejo de construir uma educação pública, humanista, inclusiva e de qualidade para todos os cidadãos e cidadãs do nosso Estado e do nosso País.

(assinam as entidades)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

OBRIGADA padre Ze!

Meus queridos amigos,

Minhas queridas amigas

Desde o dia 27/3, eu me permiti ser Maria. Maria aos pés do mestre JESUS que me falou intensamente. Falou através dos mistérios dolorosos e gloriosos vividos.

Falou através da presença de tantos que vieram dos quatro cantos celebrar a ressurreição do nosso amigo José Comblin.

Falou através do abraço, do aperto de mão, das lágrimas silenciosas, da solidariedade entre todos que nos sentimos irmanados na orfandade.

Falou através das mensagens e testemunhos tão diversos e genuínos retratando a grandiosidade de nosso profeta.

Falou enfim através da vida tão completa de nosso amigo que pude acompanhar por tantos anos.

O Mestre foi desvendando os fatos, como fizera pacientemente com os discípulos no caminho de Emaús, até reconhecerem o Ressuscitado! Daí vou haurindo as forças para prosseguir no caminho de Jesus.

É com o coração repleto de GRATIDÃO que faço essas linhas. Gratidão pelo nosso querido José Comblin - o padre Zé - por tudo o que ele foi e significa para nós.

Gratidão também por cada um, por todos vocês que tão carinhosamente se expressaram de muitas formas, de todos os recantos, presentes nas mais diversas fases de nossas histórias. Tantas mensagens tão belas, tão lindas, que transbordaram do coração. Raios de Luz a suavizar a noite e a apontar o rumo, como a estrela de Belém. Certamente ele quer nos ver a caminho. Por isso envia a sua luz!

Ele partiu para a sua Grande Viagem, como ele costumava dizer. Três dias antes comentava comigo: - Acho que Deus se esqueceu de mim... pela primeira vez senti que desejava partir. Indaguei, ao que ele respondeu: não me sinto mais desse mundo. Nos últimos dias tinha pressa de fazer tudo, organizar, responder. Mas o livro... o livro era o grande desafio. Desejava fazer o melhor. Trabalhou intensivamente na 4ª versão em janeiro. Já ia adiantado, quando o computador escondeu e não mais devolveu seus escritos. A princípio ele se conformou, disse que era para poder recomeçar melhor... Mas um mês depois, o esforço o desafiava, dava para perceber. Sua mais bela obra ficou inacabada. Será, sim, publicada no momento oportuno.

Ele se preparou cuidadosamente para a Grande Viagem. Todos se recordam quando optou pela diocese de Barra, terra de desafios, sertão remoto e esquecido, igreja dos pobres, dos pequenos, dos sem voz, sem vez, sem nada... mas cheios de Deus! Ele justificava: preciso me converter, preparar-me para a grande viagem. Acolhido pelo pastor, místico e profeta, que muito admirou e amou, cada dia José se via mais feliz. "À sombra de um santo como dom Cappio, eu só posso estar muito bem!"

Nosso amigo viveu a sua Páscoa de modo sereno e rápido como pedira a Deus.

Todos queríamos tanto que ele ficasse mais um pouquinho... só um pouquinho...

Levantou-se na manhã do dia 27, fez a barba, tomou banho, vestiu-se, tomou o remédio, colocou o relógio e, neste dia, um agasalho... Diariamente o mesmo ritual. Hospedado num apartamento na sacristia da capela do Recanto da Transfiguração, - (comunidade querida de apoio em Salvador, onde vive Gisa e uma comunidade de consagradas leigas) - abriu as duas portas chaveadas de passagem para a capela e o jardim. Logo retornou... Seria um mal estar? Quem viu, do outro lado do jardim, logo veio com um guarda-chuva, pois garoava. Chamou... outra vez... silêncio. Adentrou até o quarto e lá estava nosso amigo sentado na cama inerte. Seu cardiologista veio constatar: fibrilação atrial (que provocou uma embolia cerebral), morte instantânea. Além da graça de uma morte rápida, queria também morrer na ativa... assim ficou, sentado... e queria morrer em casa... - partiu desse recanto tão acolhedor.

Não houve nem tempo, amigo, para colocar a música que pediste para esta hora definitiva: o coro final da Paixão segundo Mateus, de J.S.Bach.

O Pai amorosamente o ACOLHEU... ouvindo os seus desejos. Era domingo, o dia do Senhor. O Senhor veio, e no jardim da vida, colheu a flor mais viçosa. Nós, tomados de surpresa... não tivemos pressa, necessitávamos contemplar o mistério que na sua eloqüência só nos pedia silencio profundo e obediência. Na hora do crepúsculo Frei Luiz Cáppio nos convidou a celebrar a Eucaristia na intimidade do corpo presente. Ele ainda no estado natural, tão sereno, irradiava tanta paz e até mesmo um sorriso velado nos lábios. Parecia ouvir nossos testemunhos e os cantos das comunidades.

Na 2ª feira fizemos a última viagem por terra - de carro como ele tanto gostava de viajar. Saímos de Salvador rumo ao Santuário de Santa Fé, no município de Solânea, Paraíba, Era lá que desejava fecundar a terra, junto ao modelo de missionário que ele tanto difundiu, o Pe. Ibiapina. Ele dizia: não quero ficar abandonado, lá sempre tem gente visitando o padre Ibiapina, assim também aproveitarei do movimento...

Movimento foi a sua vida toda, incansável.

Chegamos na madrugada da 3ª feira: noite escura, céu estrelado. Em breve a aurora se anunciaria e o dia chegaria.Que lindo dia! Quantos reencontros! O Santuário se preparou para recebê-lo. Alimentou e hospedou a tantos peregrinos que vieram de toda parte para o último adeus. Obrigada padre José Floren, obrigada Ir. Letícia - quanta dedicação. Também seus filhos e filhas mais próximos que chegaram antes para preparar as cerimônias. Certamente ele se regozijava de ver a sua imensa família se reunindo...

Os funerais começaram com a leitura de mensagens - durante uma hora inteira... e não foi suficiente. As 15.00 a celebração eucarística, presidida pelo bispo de Guarabira, Dom Lucena, outros cinco bispos, cerca de 60 padres. Quando a noite já nos envolvia, os funerais. Bem ao lado do padre mestre Ibiapina.

Sim, você já nos contemplava da morada eterna.

Veja, José, a multidão de filhos e filhas! Quantos acorreram a Santa Fé de todos os lugares, até de fora do Brasil! Bispos, sacerdotes, religiosas, mas, sobretudo o povo dos pobres, tantos missionários e missionárias, os pequeninos, os preferidos de Jesus - estes mesmos que você amou de modo tão terno. Quantos se irmanaram nessa hora de todas as partes do mundo: da América Latina amada, da sua terra de origem Bélgica, dos vizinhos países europeus, da América do norte, até de Jerusalém... Provavelmente, do Japão, das Filipinas e tantos lugares onde seus escritos também chegaram...

Você teve o dom maravilhoso de REUNIR numa grande família todos os que sonham com uma Igreja mais humana, mais presente, mais amante e fiel a Jesus, fiel ao seu Evangelho. Como você gostava de ensinar, de mostrar, de descortinar horizontes... apontar o Caminho de Jesus. Seu olhar aguçado penetrava a realidade e nos despertava do torpor, da cegueira e da inércia. Obrigado, padre Zé!

Sofremos, sim e muito! Somos de carne e osso ainda, e a sua presença física, com suas manifestações: o sorriso, a ternura, o abraço, suas mãos tão ternas e servidoras, o olhar tão transparente e verdadeiro, a suavidade e clareza ... e sobretudo, as suas palavras - sábias, sinceras, penetrantes, contundentes - nos faltam imensamente, amigo! Quanto privilégio tivemos! Cultivaremos sim a sua memória, não para guardar, mas para repartir.

Sua PRESENÇA perdura através dos seus gestos que marcaram tantos corações. A sua voz segue ecoando através dos seus escritos! Os seus exemplos do cotidiano são filmes permanentes na memória do coração.

Com você aprendemos que ter Fé em Jesus não é render-lhe um culto. Ter fé em Jesus é entrar no seu Caminho e perseverar! Aprendemos a lição do amor - única realidade humana que nunca desaparece! - dirigido, sobretudo aos pequeninos e esquecidos da sociedade. O dom do Espírito é o dom de AMAR! voce escreveu.

Concede-nos a fidelidade e perseverança para levar adiante o legado que você nos deixou.

Ensine-nos a ser LIVRES como você foi!

* * * * *

Voltei para a diocese de Barra - a nossa casa - que nos acolheu com tanta alegria há quase dois anos. Aqui fui chamada a trilhar o caminho de Jesus. Quem colocar a mão no arado e olhar para traz não é digno de mim.

Cheguei para a Missa de 7º dia, celebrada na Catedral. Uma Eucaristia fervorosa e participada, uma homilia tão expressiva sobre sua vida e presença, no ofertório os símbolos do seu sacerdócio e da sua missão, no final as mensagens singelas.

Pouco a pouco vou retomando a vida como Marta. Certamente não faltarão os momentos de ser Maria. Santa Fé do padre Ibiapina será local de peregrinação. Organizar seu legado, sua memória será um dos nossos trabalhos. Dedicar-me às Escolas Missionárias, principalmente a caçula na diocese de Barra. Contribuir na animação missionária no chão Nordestino, viver entre os pobres e os pequeninos ... Será a missão!





OBRIGADA minha irmã, OBRIGADA meu irmão!

Sigamos irmanados e APRENDIZES do Caminho de Jesus inspirados pelo nosso amigo para sempre José Comblin!





Barra 05 de abril de 2011
Monica Maria Muggler



Nós o AMAMOS muito!

Nos lhe agradecemos por TUDO!

Descanse em Paz,

Você cumpriu sua Jornada!

Seguirá sendo SAL e LUZ!



...também quero pedir

que você, junto de Deus,

rogue por seus amigos da terra.

Que sejamos fiéis

ao povo de Deus e,

entre o povo de Deus.

de modo carinhoso,

como você testemunhou,

os pobres, os pequenos,

os sem voz, sem vez, sem nada.

Mas que são cheios de Deus.

E você assumiu esse compromisso evangélico de servir os prediletos de Jesus que são os pobres deste mundo.

Ensina-nos padre José e

ajuda-nos a fazer como você fez.

(Palavras de Frei Luiz Flávio Cáppio durante os funerais)





terça-feira, 5 de abril de 2011

Comblin, o profeta da ironia afetuosa


"Como poucas pessoas, é o caso de Dom Helder Câmara,Comblin conseguiu ser cada dia mais aberto e crítico à medida que seus anos avançaram", testemunha Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e escritor.
Eis o testemunho.
Hoje saí da UTI de um hospital de Olinda, no qual me abriram o peito e me recauchutaram o coração fragilizado, com duas pontes de safena. No reencontro com a vida, ainda no leito de uma enfermaria, fico sabendo da partida do padre José Comblin, meu velho professor de Teologia e amigo de tantos anos e companheiro de lutas e esperanças.
A um teólogo de fama mundial e de projeção pastoral como foi o padre Comblin, não faltarão testemunhos de muitos irmãos e irmãs que com ele conviveram e trabalharam por tantos anos. Eu fui apenas um dos seus alunos em todo o curso de Teologia e nem pertenci ao grupo mais ligado a ele naTeologia da Enxada ou mesmo no instituto de vida missionária que ele animava. Entretanto, fui marcado por sua figura e sua doutrina e tenho algumas experiências próprias que podem ser úteis que agora sejam recordadas. Há pouco mais de uma semana, escrevi um pequeno artigo, defendendo a atualidade e a pertinência de sua profecia eclesial e popular. Ele me respondeu com uma breve mensagem de agradecimento e depois me mandou um texto maior explicando suas críticas ao estilo atual do poder na Igreja Católica.
Conheci o padre Comblin quando ele ainda era muito jovem, em 1964. Dom Hélder Câmara, então novo arcebispo de Olinda e Recife, trouxera uma equipe célebre de professores de Teologia. Entre eles estava o padre Comblin que, durante seus primeiros anos no Nordeste, ficou hospedado no mosteiro dos beneditinos. Naqueles anos, justamente, eu entrei no Mosteiro com a ânsia de renovação que motivava minha geração. Apesar de ser o tempo em que o Concílio Vaticano II propunha para a Igreja um novo Pentecostes, a maioria dos monges se apegava às velhas tradições. Apesar de ser muito discreto e viver outras preocupações pastorais, Comblin não deixava de ser irônico e quase sarcástico. E aquilo me atraía. No meu tempo de noviciado, li em francês “O Cristo no Apocalipse” onde se vê um Comblin exegeta e pouco conhecido. Li também, já em português “A Ressurreição”, um belo livro da Herder no qual ele, antes do Vaticano II, sustentava que o fato teológico mais marcante para o século XX tinha sido a revalorização teológica e espiritual do mistério pascal e da ressurreição de Jesus
Quando comecei a fazer Teologia no Seminário de Camaragibe, ele era o coordenador do curso. Na minha juventude, eu o achava contraditório. De um lado, ele ensinava uma teologia profunda, mas tradicional (não tradicionalista) e eu compreendia pouco isso. Esperava dele intuições inventivas e estas não apareciam, ao menos para mim. Sei que, neste tempo, ele produziu obras impressionantes como Théologie de la Paix, Théologie de la Ville e um estudo sobre Catolicismo Popular no Brasil. Mas, na época, não tive acesso a estas obras. Suas aulas eram dadas em um tom monocórdio, só interrompidas aqui e ali pelas risadas de alunos que festejavam as ironias do Comblin, aparentemente demolidoras, mas no fundo construtivas.
Mais tarde, em 1968, o Instituto de Teologia do Recifenomeia uma equipe de três professores e três alunos para elaborar uma proposta de nova temática e nova metodologia teológica. O coordenador da equipe era Comblin e eu fazia parte dos três alunos que tinham de discutir com ele as propostas dos alunos. Eu tinha a sensação de que ele mal nos escutava, mas me surpreendi quando, depois de muitos debates ácidos, ele assumiu nossas propostas e estas foram, em sua maioria, implementadas.
No mesmo ano, um escrito interno com o qual Comblinpreparava a conferência episcopal de Medellin e propunha uma revolução social, extravasou para a imprensa. Ele que tinha ido a Europa foi proibido pela ditadura militar de voltar ao Brasil. Quando lhe perguntaram quem poderia, até o final do ano, coordenar o seu curso de Teologia dos Sacramentos, (estávamos em agosto), tive a surpresa e o orgulho de saber que ele escolhera o meu nome. Eu era apenas um dos alunos da classe do terceiro ano. A partir daí, sim, eu o assumi como um mestre de vida e procurava ler e estudar tudo que ele escrevia. A partir de então, descobri como ele inovava sua doutrina.
Seu livro em dois volumes “Teologia da Revolução” foi meu batismo nos caminhos do que depois chamaríamos teologia da libertação. Nos anos 70, ele estava fora do Brasil e tivemos poucos contatos. Nos anos 80, o reencontrei mais velho e o achei mais aberto e comunicativo, sempre muito atento aos amigos. Um homem fiel às amizades e às relações. Era um intelectual de erudição raríssima, capaz de dissertar sobre Teologia, Política, Bíblia, Economia e muitos outros assuntos com uma competência incrível, ao mesmo tempo que punha em prática sua visão de uma teologia popular e seu carinho por um instituto para formar padres, missionários/as e religiosos /as que viessem do campo e não precisassem sair do meio rural.
Algumas discussões com ele nortearam-me a vida. Por exemplo, a tentativa de libertar a Teologia cristã de sua base helenista (filosófica grega) ainda muito forte em nossa Igreja. Também, me impressionavam sempre a sua capacidade de criticar livremente a estrutura monárquica e absolutista do Vaticano. Mesmo um interesse imenso por uma vida religiosa mais popular e mais inserida, menos centrada nas estruturas das congregações.
Nos últimos anos em que vivi no mosteiro de Goiás, sempre passou a Páscoa conosco. No Brasil, temos a graça de contar com teólogos e teólogas dos mais abertos e criativos do mundo, mas a contribuição própria do padre Comblin tem sido sempre a de uma liberdade interior de dizer o que pensa e ser um profeta crítico e irônico sempre capaz de ler a história e as estruturas eclesiásticas a partir dos empobrecidos e das grandes causas da América Latina. Em 2006, com Dom Tomás Balduíno e com ele, fomos observadores internacionais das eleições presidenciais da Venezuela e, bem mais do que outros companheiros, eu o vi muito aberto ao bolivarianismo. Quem o conheceu de perto sabe que sua ironia era profunda, mas não era de ruptura e sim de afeição.
Como poucas pessoas, é o caso de Dom Helder Câmara,Comblin conseguiu ser cada dia mais aberto e crítico à medida que seus anos avançaram. Que sua herança teológica e profética seja por nós mantida e continuada.

Para ler mais:

AGRADECIMENTO A UM MESTRE

José Comblin deixou-nos no dia 27 de março último, depois de completar 88 anos de idade, vividos de modo despojado, fraterno e ecumênico. Pediu para ser enterrado em Solânea, PB, ao lado do grande apóstolo dos sertões nordestinos, o Pe. Ibiapina, para ele, um modelo para a missão, para a promoção humana, espiritual e apostólica dos pequenos e das mulheres e um verdadeiro santo, para nossos tempos.

Louvamos a Deus por sua vida e damos testemunho de sua entrega ao estudo e à formação a serviço dos pobres. Sua lúcida contribuição nos campos bíblico, teológico, pastoral e do compromisso cristão no mundo, sempre foi marcada pela busca da justiça e da transformação social. A partir dos últimos e excluídos, interpelava corajosa e profeticamente os grandes do mundo e da Igreja e as estruturas de opressão e exclusão.

A opção pelos pobres, que marcou sua vida, é um exemplo para nós. Por causa dos pobres, deixou a Bélgica e veio para a América Latina. Aqui, optou pelo nordeste, não o das capitais e sim o do sertão. Da experiência vivida entre os pobres, ele retirou o material básico para sua leitura da bíblia, sua espiritualidade, sua teologia, suas orientações pastorais. Nisso, tornou-se nosso mestre: nunca esquecer que o primeiro lugar no reino de Deus pertence aos pobres.

Comprometido com o projeto comunitário de igreja, Comblin dedicou especial atenção à formação de seminaristas em contato com o povo, visitando suas comunidades para com eles conviver e orientar nos estudos. Pensou num tipo de sacerdote nascido ou vivendo na zona rural, membro atuante de uma comunidade de base, e assim brotou a Teologia da Enxada que evoluiu para a fundação do Seminário rural. Para completar o quadro, Pe Comblin iniciou em Mogeiro-PB, o Centro de Formação para Missionárias do Meio Popular. Durante anos ele se desdobrou indo a pé ou de jipe para orientar a formação dos missionários do Campo e das missionárias do meio popular.

Escreveu muito. Fez inúmeras palestras e conferências. Assumiu uma enormidade de cursos formais ou intensivos para toda categoria de pessoas. Sua palavra foi dirigida a lavradores analfabetos e a doutores em teologia, mulheres da periferia e seminaristas, religiosas inseridas e bispos em assembléia, porque seu desejo era estar presente onde pudesse provocar ou renovar em seus ouvintes e leitores a conversão ao reino de Deus. Não poderemos jamais subestimar o valor dessa lição de disponibilidade como missionário e evangelizador.

Sua radical opção pelos pobres fez de Comblin um severo crítico do sistema capitalista e de seus instrumentos de dominação. Basta lembrar sua crítica lúcida e corajosa à lei de segurança nacional. Não contente com a crítica teórica, ele dedicou seu ministério presbiteral à construção de instrumentos de libertação dos pobres, como comunidades eclesiais de base, pastorais sociais e movimentos populares.

A maior lição do mestre Comblin talvez seja sua teimosa fidelidade à igreja. Foi nela e por meio dela que ele decidiu trabalhar a vida toda.

Este nosso testemunho é apenas pálido eco de milhares de pessoas, comunidades, dioceses e movimentos populares que estão agradecendo a Deus por sua vida e seus trabalhos. Sua palavra, seus escritos, sua coerência intelectual e pastoral são para a Igreja da Libertação uma verdadeira herança que devemos fazer frutificar.