"....Parece que não. Parece que seu marxismo está muito misturado com o nacionalismo. Ele não vê o grande ruralista como um capitalista rude que só pensa em ganhar dinheiro rapinando a natureza e o trabalhador rural. Ele entende este ator da sociedade brasileira como um nacionalista que fortalece a nação brasileira e beneficia sua sociedade tornando nossa agricultura competitiva no mercado internacional, produzindo alimentos baratos para a população brasileira e excedentes que promovam a estabilidade dos preços e para o equilíbrio das contas externas do Brasil. O deputado desconhece empresas transnacionais plantando e criando gado na área rural do país para exportar e ganhar dinheiro..."
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes
Julho/Agosto 2010
Código Florestal de Aldo Rebelo (1ª Parte de 2)
Por Arthur Soffiati
Três peças formam o relatório que Aldo Rebelo apresentou à comissão relacionada ao Projeto de Lei nº 1876 e outros apensados. O primeiro é o seu parecer. O segundo é a íntegra dos depoimentos tomados. O terceiro, seu voto. É neste último que ele apresenta suas propostas desastrosas de reforma do Código Florestal, na verdade, um outro código que beneficia os ruralistas em detrimento dos ecossistemas vegetais nativos do Brasil e da agenda mundial de proteção ao ambiente planetário. As propostas colocam os ruralistas no centro de suas atividades, como se o mundo não existisse. Como ele foi muito comentado, vou centrar minha análise no parecer, uma verdadeira peça arqueológica que o deputado comunista retirou dos anos de 1940, no mínimo.
Vi imagens de Aldo Rebelo, pela primeira vez, quando ele tinha 44 anos de idade. Sua figura parecia ter saído do passado, com um bigodinho e os cabelos penteados com ondulações. O conservadorismo poderia estar apenas na aparência, mas agora se constata que está também nas idéias.
Ele começa dedicando o parecer aos agricultores brasileiros, mas não explicita se grandes ou pequenos. A epígrafe foi retirada de O Sobrinho de Rameau, livro de Diderot, e fala de leis estranhas, que atrapalham a sociedade, com isto querendo se referir ao Código Florestal. José Bonifácio de Andrada e Silva é mencionado diversas vezes pelo autor de forma elogiosa: Bonifácio pode ser considerado nosso primeiro ecologista. Ele não imaginou a estrutura fundiária dos nossos dias, marcada pela reforma agrária natural pela sucessão de gerações. Segundo ele, o Patriarca foi o idealizador do conceito de Reserva Legal, propondo conservar 1/6 de florestas em cada propriedade rural para o uso de madeira para construção civil, energia e construção naval. O que ele oculta é a declaração pessimista e desesperada de Bonifácio, escrita na Representação à Assembléia Geral Constituinte do Império do Brasil sobre a Escravatura, em 1823, segundo a qual "Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia, terrível e fatal, em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos".
Numa frase de efeito, Rebelo diz que a legislação ambiental, combinados os dispositivos legais do Brasil, põe mais de 90% de 5,2 milhões de propriedades rurais do Brasil na ilegalidade, podendo transformar em crime ambiental o próprio ato de viver. É de efeito mesmo, pois a extensão das Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Legais não poderia ocupar 90% das terras da área rural do Brasil. Indo mais longe ainda, outra frase é apelação barata ... a autoridade ambiental ou policial pode interpretar como crime ambiental a simples extração de uma minhoca na margem de um riacho.
Procurando demonstrar erudição, o deputado continua sua argumentação lacrimosa referindo-se ao soldado que prendeu o maturo Fabiano, personagem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para lhe tomar os trocados da feira e exercitar o poder em nome do Estado. Hoje, prossegue o deputado, o soldado poderia prender o matuto por ter comido um papagaio para saciar a fome.
Compara a agricultura da China e da Índia com a brasileira na tentativa de demonstrar que, lá, existem facilidades para os camponeses, enquanto que aqui prevalecem as restrições: A imensa maioria de pequenos e médios proprietários pratica ainda uma agricultura pré-capitalista ou semi-capitalista, quase de subsistência, de baixo uso de capital e tecnologia (...) Esses agricultores são detentores de quatro milhões de unidades dos 5,2 milhões de propriedades. Em todo o texto, a argumentação de Aldo Rebelo é capciosa, desprovida de caráter científico e ultrapassada. A comparação do deputado entre a agricultura asiática e a brasileira não se sustenta porque o Brasil nunca teve uma tradição camponesa como no Oriente. Aqui, o sistema de sesmarias acabou resultando nos latifúndios. Aqui, as comunidades tradicionais só conservaram a casca da tradição. Hoje, elas foram capturadas por uma economia de mercado e trabalham para ela.
Mas Aldo Rebelo irrompe de um passado remoto, ignorando a essência do debate atual. Seu mundo é ainda o dos Estados Nacionais com soberania máxima.
No parecer de Aldo Rebelo, primeira parte de três do seu relatório sobre a reforma do Código Florestal, não faltam exaltações ao grande ruralista. Na mais notória, ele diz que ... o grande proprietário é hoje muito mais um produtor capitalista, cuja importância reside em tornar a nossa agricultura competitiva no cenário internacional, no barateamento do custo dos alimentos e na formação do excedente necessário para o equilíbrio das nossas contas externas e estabilidade de preços internos (...) essa agricultura de mercado já conta hoje com uma grande parcela de pequenos e médios empreendimentos agropecuários organizados em um sistema eficiente de cooperativismo, mas carente de reserva de capital para investimentos em equipamentos e tecnologia e ganhos de produtividade. A maior ameaça ao grande produtor é a elevação de custos de produção imposta pela legislação ambiental e florestal na realização de obras, contratação de escritórios de advocacia e renúncia de áreas destinadas à produção (...) a legislação ambiental funciona como uma verdadeira sobrecarga tributária, elevando o custo final do produto, já oprimido pelo peso da infraestrutura precária e das barreiras não tarifárias cobradas pelos importadores.
Marshall Berman, também marxista como Aldo, em seu livro Tudo que é sólido desmancha no ar, demonstra como Marx e Engels podem ser considerados os maiores apologistas do capitalismo, no Manifesto Comunista. Isto porque, para ambos, sem a fase do capitalismo, não seria possível alcançar o comunismo. Seria esta a intenção do deputado do PCdoB de São Paulo ao enaltecer o grande proprietário rural? Parece que não. Parece que seu marxismo está muito misturado com o nacionalismo. Ele não vê o grande ruralista como um capitalista rude que só pensa em ganhar dinheiro rapinando a natureza e o trabalhador rural. Ele entende este ator da sociedade brasileira como um nacionalista que fortalece a nação brasileira e beneficia sua sociedade tornando nossa agricultura competitiva no mercado internacional, produzindo alimentos baratos para a população brasileira e excedentes que promovam a estabilidade dos preços e para o equilíbrio das contas externas do Brasil. O deputado desconhece empresas transnacionais plantando e criando gado na área rural do país para exportar e ganhar dinheiro. Não concebe que a destruição do Cerrado e da Amazônia é, em grande parte, provocada por interesses internacionais que se valem do favorecimento das leis, do desrespeito a elas, da conivência ou da incapacidade de fiscalização do Estado e da mão de obra barata. Não se dá conta de que sua visão dos ruralistas é muito idealizada e que eles, mesmo sendo brasileiros, estão associados aos interesses das transnacionais. Na sua verdadeira ou falsa ingenuidade, crê que esta laboriosa classe de produtores rurais está mais preocupada em produzir comida para a população do que em ganhar dinheiro plantando soja, cana, algodão e outros produtos comestíveis semelhantes.
Mas o deputado continua afirmando que defende a maioria dos produtores rurais, formada por pequenos e médios proprietários. Assim, ele tenta inverter a máxima de Marx, segundo a qual a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. Ele tenta nos convencer de que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominada.
Sempre ostentando erudição, Aldo Rebelo cita agora o padre Antônio Vieira, em seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes, datado de 1654, para encher de encômios a propriedade privada, talvez acreditando de novo na lógica etapista do marxismo. Não contente, ele vai mais longe na sua exaltação ao declarar que a agricultura e a pecuária sustentam com preços depreciados os bons e os maus planos econômicos recentes da Pátria.
Na parte relativa à Amazônia, Aldo Rebelo a encima como a famosa passagem do Gênesis I: 28-29: E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isto vos será para mantimento. O historiador inglês Arnold Toynbee considera esta passagem a origem de toda a ideologia ocidental de dominação da natureza. A teologia cristã moderna tenta uma interpretação atualizada, segunda a qual ela significa que Deus colocou o homem como mordomo do paraíso. Aldo Rebelo volta à interpretação antiga, pois ele acredita que o Homem é a criatura suprema do universo. Em sua defesa, cita Epicuro, Galileu, Descartes, Bacon, Kant, Hegel, Marx, Engels e Darwin, todos pensadores que buscaram libertar o Homem do medo, da superstição e dos constrangimentos da natureza. Na passagem bíblica, Deus coloca o Homem como sua criatura eleita. Judaístas, cristãos e muçulmanos acreditam em Deus. Sendo ateu, com base em que Aldo Rebelo acredita na superioridade do Homem? Foram os próprios humanistas que colocaram o Homem nesta posição, com exceção de Darwin, que não acreditava nesta baboseira. Ao usar novamente a Bíblia de forma arrogante, Aldo está colocando vinho velho em odre novo. Inserido numa linha mofada da Modernidade, Aldo Rebelo mostra-se completamente alheio às novas questões que as relações entre humanidade e ambiente nos colocam.
É no parecer que Aldo Rebelo mais expõe sua concepção de mundo e também se expõe ao debate. Numa passagem do documento, ele revela uma visão clássica e mecânica da ordem mundial. Acompanhemo-la: O presente relatório pretende demonstrar que as escolhas morais e ideológicas no debate contemporâneo sobre a natureza e o meio ambiente revelam, na verdade, os interesses concretos das nações ricas e desenvolvidas e de suas classes dominantes na apropriação dos bens naturais já escassos em seus domínios, mas ainda abundantes entre as nações subdesenvolvidas ou em processo de desenvolvimento. Da mesma maneira, a polêmica confronta a agricultura subsidiada dos ricos vis-à-vis a agricultura cada vez mais competitiva de países como o Brasil.
Depois do esfacelamento do bloco soviético, do leste europeu, da Iugoslávia e do capitalismo desenfreado da China, o mundo está dividido em norte e sul, em leste e oeste, em ricos, emergentes e pobres. No final, todos são capitalistas. Não há mais uma divisão internacional do trabalho tão maniqueísta, como supõe Aldo Rebelo. Atualmente, a rapinagem capitalista é praticada, dentro de cada país, por empresas transnacionais, nacionais e até por grupos comunitários. Todos se movimentam na esfera capitalista. Os inimigos do ambiente não são os estrangeiros, mas também os nacionais. O mesmo se pode afirmar acerca dos defensores do ambiente: eles vivem fora ou dentro de cada país. Isto porque estamos num mundo globalizado pelo ocidente. Também os ambientalistas atuam num plano global.
Ele também critica o que chama de antropofobia. Em suas palavras, É cada vez mais agressiva a corrente ambientalista que tende a responsabilizar moralmente o antropocentrismo como fonte primária e maligna dos desastres ambientais. Ao erigir o ser humano como o centro do universo, o antropocentrismo legitimaria toda a ação predatória contra a natureza. A tese carrega para o centro da polêmica até atores aparentemente alheios ao assunto: o Papa, em documento divulgado pouco antes da Conferência de Copenhague sobre o clima, reagiu duramente contra os adversários do antropocentrismo, afinal de contas, é a Bíblia o mais antigo e completo tratado de antropocentrismo, e Jesus, o Filho de Deus, não veio à terra em uma forma aleatória de vida, mas na figura de um homem. No seu ateísmo materialista, o deputado do PCdoB reconhece que o cristianismo é antropocêntrico. Digo mais, em apoio a este reconhecimento: o judaísmo passou de uma religião que exaltava o cosmo para uma religião que entroniza o Homem como senhor e possuidor da natureza, com a pregação dos profetas, como bem mostrou Mircea Eliade. E esta exaltação do Homem foi transmitida ao cristianismo e ao islamismo. Mais ainda, a quase todos os sistemas filosóficos ocidentais, inclusive ao marxismo. Quando afirmo que o marxismo ateu é filho do cristianismo, sofro as mais acerbas críticas dos marxistas.
O próprio deputado comprova esta herança ao dizer que A crítica ao antropocentrismo nivela os seres vivos em direitos e protagonismo, desconhece o homem como o único ser vivo dotado de consciência e inteligência, capaz de interagir com a natureza e de transformá-la. O trabalho do homem, concebido primeiro em seu cérebro, ajudou a transformá-lo e a transformar o meio natural. Aldo Rebelo passa ao largo de uma grande questão que a etologia vem levantando desde o tempo de Montaigne, quando ela ainda não existia enquanto ciência. Atualmente, não há mais como sustentar, com tranqüilidade, que o Homem é único ser vivo dotado de inteligência. Até mesmo nos vegetais existe uma inteligência real, segundo Edgar Morin. O Homem não é mais o único ser vivo a transformar a natureza e a se transformar por meio do trabalho. Engels colocou o marxismo numa cilada quando escreveu um opúsculo demonstrando que o trabalho transformou o macaco em Homem. Se só o Homem concebe o trabalho, primeiro no seu cérebro, para colocá-lo em prática, como o macaco (não sei a qual espécie Engels se referia), que não pensa, praticava já o trabalho, exclusividade do Homem?
A crítica ao antropocentrismo não tem por fim igualar o ser humano a todos os outros seres vivos, mas sim mostrar que ele não é o soberano e o único a ter direitos num mundo em que todos os seres dependem de todos. Mais uma vez o deputado erra o alvo ao denunciar que A antropofobia descarta como irrelevante a situação de milhões de seres humanos em condições abjetas de existência material e espiritual. Milhões que não dispõem da segurança do pão de cada dia, das condições mínimas de higiene, do acesso à educação e à segurança individual e coletiva, do conforto da família e dos amigos, da proteção o Estado nacional ou da liberdade política e religiosa. Nada disso sensibiliza os adversários do antropocentrismo. Que os pobres deixem de nascer, deixem a natureza em paz, é o credo básico que professam.
A crítica mais consequente ao antropocentrismo mostra que as desigualdades sociais tornam-se cada vez mais agudas exatamente em função do próprio antropocentrismo, que considera uma minoria de Homens superior à maioria da humanidade.
Como explicar que, num mundo dominado pelo humanismo cristão, transformado em antropocentrismo laico pelo Renascimento, pelas revoluções científica do século 17 e industrial, do século 18, pelo Iluminismo, bem como pelo liberalismo e pelas diversas correntes socialistas, haja tantas desigualdades e injustiças sociais, tanta miséria e tanto desprezo ao ser humano? É uma pergunta não respondida pelo deputado Aldo Rebelo em seu parecer ao relatório que propõe reformar o Código Florestal para pior. Quanto mais a ciência e a tecnologia avançam, mais pessoas são lançadas no limbo da pobreza e no inferno da miséria. Nunca houve, na história da humanidade, um momento de tanta pobreza, miséria e dor. Na condição de ecologista, posso assegurar que a proposta do ecologismo não é antropofóbica, mas também não é antropocêntrica, como acredita o deputado do PCdoB.
Afirma ele que O ambientalismo funcionou como rota de fuga do conflito entre o capitalismo e o socialismo. Os desiludidos de todas as ideologias vislumbraram no ambientalismo um espaço a partir do qual poderiam reorganizar suas crenças e seus projetos de vida e se juntar a tantos outros que por razões diferentes fizeram da bandeira verde um novo modo ou meio de vida. Ao ecologismo ideológico, juntou-se o profissional e empreendedorista. Consultorias concedidas por ONGs que contratam e são contratadas, recebem financiamento interno e externo, público e privado, funcionam dirigidas por executivos profissionais que já representam atividade nada desprezível no setor de serviços.
João Bernardo, Maurício Tragtenberg e Gildo Magalhães falaram coisa parecida nos primórdios do movimento ecologista. Para eles, os ecologistas eram membros desempregados da classe média e também reacionários. Aldo Rebelo é mais compreensivo. Acalenta uma discreta admiração pelos ambientalistas ideológicos, pois deve desconhecer as tendências existentes dentro dos movimentos de defesa do ambiente. De fato, os ecologistas desiludiram-se não apenas com as ideologias da Modernidade, como também com suas realizações concretas, tanto no capitalismo como no socialismo. Nos anos de 1970, eles empreenderam uma crítica implacável aos dois sistemas por serem insustentáveis pelo planeta. Contudo, não se contentaram com a crítica: formularam um modelo alternativo de civilização. Não se pode compreender o ecologismo como uma rota de fuga ao liberalismo e ao socialismo quando se conta com uma plêiade de pensadores da envergadura de Rudolf Bahro, Michel Bosquet, Dominique Simmonet, René Dumont, Laura Conti, Jean-Pierre Dupuy e tantos outros, que, certamente, o deputado comunista desconhece.
Por outro lado, é certo que o capitalismo capturou parte do movimento para ganhar dinheiro. Assim, nasceram as firmas de empreendedorismo e de consultoria. Nasceu também a ideologia do desenvolvimento sustentável. Tudo isto era de se esperar, assim como (por que não?) a rendição de Aldo Rebelo às forças conservadoras e retrógradas do ruralismo.
Num sentimentalismo romântico ao gosto do século 19, o deputado presta uma homenagem aos ambientalistas sinceros com o poema A queimada, de Castro Alves. Nele, o poeta conversa com seu perdigueiro e lamenta a destruição da floresta e dos animais pelo fogo, dos animais que o poeta gostava de caçar com seu perdigueiro. Parece haver um tom de ironia nesta homenagem, como quem dissesse que os ecologistas gostam da natureza por razões particulares, assim como Castro Alves gostava das florestas só porque abrigavam animais para ele caçar. Há poemas muito melhores em Carlos Drummond de Andrade, por exemplo. Já maduro, ele descobriu, no início dos anos de 1970, o sentido mais amplo do ecologismo e lhe dedicou poemas e crônicas.
Suspeito que Aldo Rebelo também desconheça o Carlos Drummond de Andrade em sua última fase. Mas o bom está para vir no próximo artigo: as idéias do deputado sobre a Amazônia.
"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente". "....Parece que não. Parece que seu marxismo está muito misturado com o nacionalismo. Ele não vê o grande ruralista como um capitalista rude que só pensa em ganhar dinheiro rapinando a natureza e o trabalhador rural. Ele entende este ator da sociedade brasileira como um nacionalista que fortalece a nação brasileira e beneficia sua sociedade tornando nossa agricultura competitiva no mercado internacional, produzindo alimentos baratos para a população brasileira e excedentes que promovam a estabilidade dos preços e para o equilíbrio das contas externas do Brasil. O deputado desconhece empresas transnacionais plantando e criando gado na área rural do país para exportar e ganhar dinheiro..."
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes
Julho/Agosto 2010
Código Florestal de Aldo Rebelo (1ª Parte de 2)
Por Arthur Soffiati
Três peças formam o relatório que Aldo Rebelo apresentou à comissão relacionada ao Projeto de Lei nº 1876 e outros apensados. O primeiro é o seu parecer. O segundo é a íntegra dos depoimentos tomados. O terceiro, seu voto. É neste último que ele apresenta suas propostas desastrosas de reforma do Código Florestal, na verdade, um outro código que beneficia os ruralistas em detrimento dos ecossistemas vegetais nativos do Brasil e da agenda mundial de proteção ao ambiente planetário. As propostas colocam os ruralistas no centro de suas atividades, como se o mundo não existisse. Como ele foi muito comentado, vou centrar minha análise no parecer, uma verdadeira peça arqueológica que o deputado comunista retirou dos anos de 1940, no mínimo.
Vi imagens de Aldo Rebelo, pela primeira vez, quando ele tinha 44 anos de idade. Sua figura parecia ter saído do passado, com um bigodinho e os cabelos penteados com ondulações. O conservadorismo poderia estar apenas na aparência, mas agora se constata que está também nas idéias.
Ele começa dedicando o parecer aos agricultores brasileiros, mas não explicita se grandes ou pequenos. A epígrafe foi retirada de O Sobrinho de Rameau, livro de Diderot, e fala de leis estranhas, que atrapalham a sociedade, com isto querendo se referir ao Código Florestal. José Bonifácio de Andrada e Silva é mencionado diversas vezes pelo autor de forma elogiosa: Bonifácio pode ser considerado nosso primeiro ecologista. Ele não imaginou a estrutura fundiária dos nossos dias, marcada pela reforma agrária natural pela sucessão de gerações. Segundo ele, o Patriarca foi o idealizador do conceito de Reserva Legal, propondo conservar 1/6 de florestas em cada propriedade rural para o uso de madeira para construção civil, energia e construção naval. O que ele oculta é a declaração pessimista e desesperada de Bonifácio, escrita na Representação à Assembléia Geral Constituinte do Império do Brasil sobre a Escravatura, em 1823, segundo a qual "Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia, terrível e fatal, em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos".
Numa frase de efeito, Rebelo diz que a legislação ambiental, combinados os dispositivos legais do Brasil, põe mais de 90% de 5,2 milhões de propriedades rurais do Brasil na ilegalidade, podendo transformar em crime ambiental o próprio ato de viver. É de efeito mesmo, pois a extensão das Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Legais não poderia ocupar 90% das terras da área rural do Brasil. Indo mais longe ainda, outra frase é apelação barata ... a autoridade ambiental ou policial pode interpretar como crime ambiental a simples extração de uma minhoca na margem de um riacho.
Procurando demonstrar erudição, o deputado continua sua argumentação lacrimosa referindo-se ao soldado que prendeu o maturo Fabiano, personagem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para lhe tomar os trocados da feira e exercitar o poder em nome do Estado. Hoje, prossegue o deputado, o soldado poderia prender o matuto por ter comido um papagaio para saciar a fome.
Compara a agricultura da China e da Índia com a brasileira na tentativa de demonstrar que, lá, existem facilidades para os camponeses, enquanto que aqui prevalecem as restrições: A imensa maioria de pequenos e médios proprietários pratica ainda uma agricultura pré-capitalista ou semi-capitalista, quase de subsistência, de baixo uso de capital e tecnologia (...) Esses agricultores são detentores de quatro milhões de unidades dos 5,2 milhões de propriedades. Em todo o texto, a argumentação de Aldo Rebelo é capciosa, desprovida de caráter científico e ultrapassada. A comparação do deputado entre a agricultura asiática e a brasileira não se sustenta porque o Brasil nunca teve uma tradição camponesa como no Oriente. Aqui, o sistema de sesmarias acabou resultando nos latifúndios. Aqui, as comunidades tradicionais só conservaram a casca da tradição. Hoje, elas foram capturadas por uma economia de mercado e trabalham para ela.
Mas Aldo Rebelo irrompe de um passado remoto, ignorando a essência do debate atual. Seu mundo é ainda o dos Estados Nacionais com soberania máxima.
No parecer de Aldo Rebelo, primeira parte de três do seu relatório sobre a reforma do Código Florestal, não faltam exaltações ao grande ruralista. Na mais notória, ele diz que ... o grande proprietário é hoje muito mais um produtor capitalista, cuja importância reside em tornar a nossa agricultura competitiva no cenário internacional, no barateamento do custo dos alimentos e na formação do excedente necessário para o equilíbrio das nossas contas externas e estabilidade de preços internos (...) essa agricultura de mercado já conta hoje com uma grande parcela de pequenos e médios empreendimentos agropecuários organizados em um sistema eficiente de cooperativismo, mas carente de reserva de capital para investimentos em equipamentos e tecnologia e ganhos de produtividade. A maior ameaça ao grande produtor é a elevação de custos de produção imposta pela legislação ambiental e florestal na realização de obras, contratação de escritórios de advocacia e renúncia de áreas destinadas à produção (...) a legislação ambiental funciona como uma verdadeira sobrecarga tributária, elevando o custo final do produto, já oprimido pelo peso da infraestrutura precária e das barreiras não tarifárias cobradas pelos importadores.
Marshall Berman, também marxista como Aldo, em seu livro Tudo que é sólido desmancha no ar, demonstra como Marx e Engels podem ser considerados os maiores apologistas do capitalismo, no Manifesto Comunista. Isto porque, para ambos, sem a fase do capitalismo, não seria possível alcançar o comunismo. Seria esta a intenção do deputado do PCdoB de São Paulo ao enaltecer o grande proprietário rural? Parece que não. Parece que seu marxismo está muito misturado com o nacionalismo. Ele não vê o grande ruralista como um capitalista rude que só pensa em ganhar dinheiro rapinando a natureza e o trabalhador rural. Ele entende este ator da sociedade brasileira como um nacionalista que fortalece a nação brasileira e beneficia sua sociedade tornando nossa agricultura competitiva no mercado internacional, produzindo alimentos baratos para a população brasileira e excedentes que promovam a estabilidade dos preços e para o equilíbrio das contas externas do Brasil. O deputado desconhece empresas transnacionais plantando e criando gado na área rural do país para exportar e ganhar dinheiro. Não concebe que a destruição do Cerrado e da Amazônia é, em grande parte, provocada por interesses internacionais que se valem do favorecimento das leis, do desrespeito a elas, da conivência ou da incapacidade de fiscalização do Estado e da mão de obra barata. Não se dá conta de que sua visão dos ruralistas é muito idealizada e que eles, mesmo sendo brasileiros, estão associados aos interesses das transnacionais. Na sua verdadeira ou falsa ingenuidade, crê que esta laboriosa classe de produtores rurais está mais preocupada em produzir comida para a população do que em ganhar dinheiro plantando soja, cana, algodão e outros produtos comestíveis semelhantes.
Mas o deputado continua afirmando que defende a maioria dos produtores rurais, formada por pequenos e médios proprietários. Assim, ele tenta inverter a máxima de Marx, segundo a qual a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. Ele tenta nos convencer de que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominada.
Sempre ostentando erudição, Aldo Rebelo cita agora o padre Antônio Vieira, em seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes, datado de 1654, para encher de encômios a propriedade privada, talvez acreditando de novo na lógica etapista do marxismo. Não contente, ele vai mais longe na sua exaltação ao declarar que a agricultura e a pecuária sustentam com preços depreciados os bons e os maus planos econômicos recentes da Pátria.
Na parte relativa à Amazônia, Aldo Rebelo a encima como a famosa passagem do Gênesis I: 28-29: E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isto vos será para mantimento. O historiador inglês Arnold Toynbee considera esta passagem a origem de toda a ideologia ocidental de dominação da natureza. A teologia cristã moderna tenta uma interpretação atualizada, segunda a qual ela significa que Deus colocou o homem como mordomo do paraíso. Aldo Rebelo volta à interpretação antiga, pois ele acredita que o Homem é a criatura suprema do universo. Em sua defesa, cita Epicuro, Galileu, Descartes, Bacon, Kant, Hegel, Marx, Engels e Darwin, todos pensadores que buscaram libertar o Homem do medo, da superstição e dos constrangimentos da natureza. Na passagem bíblica, Deus coloca o Homem como sua criatura eleita. Judaístas, cristãos e muçulmanos acreditam em Deus. Sendo ateu, com base em que Aldo Rebelo acredita na superioridade do Homem? Foram os próprios humanistas que colocaram o Homem nesta posição, com exceção de Darwin, que não acreditava nesta baboseira. Ao usar novamente a Bíblia de forma arrogante, Aldo está colocando vinho velho em odre novo. Inserido numa linha mofada da Modernidade, Aldo Rebelo mostra-se completamente alheio às novas questões que as relações entre humanidade e ambiente nos colocam.
É no parecer que Aldo Rebelo mais expõe sua concepção de mundo e também se expõe ao debate. Numa passagem do documento, ele revela uma visão clássica e mecânica da ordem mundial. Acompanhemo-la: O presente relatório pretende demonstrar que as escolhas morais e ideológicas no debate contemporâneo sobre a natureza e o meio ambiente revelam, na verdade, os interesses concretos das nações ricas e desenvolvidas e de suas classes dominantes na apropriação dos bens naturais já escassos em seus domínios, mas ainda abundantes entre as nações subdesenvolvidas ou em processo de desenvolvimento. Da mesma maneira, a polêmica confronta a agricultura subsidiada dos ricos vis-à-vis a agricultura cada vez mais competitiva de países como o Brasil.
Depois do esfacelamento do bloco soviético, do leste europeu, da Iugoslávia e do capitalismo desenfreado da China, o mundo está dividido em norte e sul, em leste e oeste, em ricos, emergentes e pobres. No final, todos são capitalistas. Não há mais uma divisão internacional do trabalho tão maniqueísta, como supõe Aldo Rebelo. Atualmente, a rapinagem capitalista é praticada, dentro de cada país, por empresas transnacionais, nacionais e até por grupos comunitários. Todos se movimentam na esfera capitalista. Os inimigos do ambiente não são os estrangeiros, mas também os nacionais. O mesmo se pode afirmar acerca dos defensores do ambiente: eles vivem fora ou dentro de cada país. Isto porque estamos num mundo globalizado pelo ocidente. Também os ambientalistas atuam num plano global.
Ele também critica o que chama de antropofobia. Em suas palavras, É cada vez mais agressiva a corrente ambientalista que tende a responsabilizar moralmente o antropocentrismo como fonte primária e maligna dos desastres ambientais. Ao erigir o ser humano como o centro do universo, o antropocentrismo legitimaria toda a ação predatória contra a natureza. A tese carrega para o centro da polêmica até atores aparentemente alheios ao assunto: o Papa, em documento divulgado pouco antes da Conferência de Copenhague sobre o clima, reagiu duramente contra os adversários do antropocentrismo, afinal de contas, é a Bíblia o mais antigo e completo tratado de antropocentrismo, e Jesus, o Filho de Deus, não veio à terra em uma forma aleatória de vida, mas na figura de um homem. No seu ateísmo materialista, o deputado do PCdoB reconhece que o cristianismo é antropocêntrico. Digo mais, em apoio a este reconhecimento: o judaísmo passou de uma religião que exaltava o cosmo para uma religião que entroniza o Homem como senhor e possuidor da natureza, com a pregação dos profetas, como bem mostrou Mircea Eliade. E esta exaltação do Homem foi transmitida ao cristianismo e ao islamismo. Mais ainda, a quase todos os sistemas filosóficos ocidentais, inclusive ao marxismo. Quando afirmo que o marxismo ateu é filho do cristianismo, sofro as mais acerbas críticas dos marxistas.
O próprio deputado comprova esta herança ao dizer que A crítica ao antropocentrismo nivela os seres vivos em direitos e protagonismo, desconhece o homem como o único ser vivo dotado de consciência e inteligência, capaz de interagir com a natureza e de transformá-la. O trabalho do homem, concebido primeiro em seu cérebro, ajudou a transformá-lo e a transformar o meio natural. Aldo Rebelo passa ao largo de uma grande questão que a etologia vem levantando desde o tempo de Montaigne, quando ela ainda não existia enquanto ciência. Atualmente, não há mais como sustentar, com tranqüilidade, que o Homem é único ser vivo dotado de inteligência. Até mesmo nos vegetais existe uma inteligência real, segundo Edgar Morin. O Homem não é mais o único ser vivo a transformar a natureza e a se transformar por meio do trabalho. Engels colocou o marxismo numa cilada quando escreveu um opúsculo demonstrando que o trabalho transformou o macaco em Homem. Se só o Homem concebe o trabalho, primeiro no seu cérebro, para colocá-lo em prática, como o macaco (não sei a qual espécie Engels se referia), que não pensa, praticava já o trabalho, exclusividade do Homem?
A crítica ao antropocentrismo não tem por fim igualar o ser humano a todos os outros seres vivos, mas sim mostrar que ele não é o soberano e o único a ter direitos num mundo em que todos os seres dependem de todos. Mais uma vez o deputado erra o alvo ao denunciar que A antropofobia descarta como irrelevante a situação de milhões de seres humanos em condições abjetas de existência material e espiritual. Milhões que não dispõem da segurança do pão de cada dia, das condições mínimas de higiene, do acesso à educação e à segurança individual e coletiva, do conforto da família e dos amigos, da proteção o Estado nacional ou da liberdade política e religiosa. Nada disso sensibiliza os adversários do antropocentrismo. Que os pobres deixem de nascer, deixem a natureza em paz, é o credo básico que professam.
A crítica mais consequente ao antropocentrismo mostra que as desigualdades sociais tornam-se cada vez mais agudas exatamente em função do próprio antropocentrismo, que considera uma minoria de Homens superior à maioria da humanidade.
Como explicar que, num mundo dominado pelo humanismo cristão, transformado em antropocentrismo laico pelo Renascimento, pelas revoluções científica do século 17 e industrial, do século 18, pelo Iluminismo, bem como pelo liberalismo e pelas diversas correntes socialistas, haja tantas desigualdades e injustiças sociais, tanta miséria e tanto desprezo ao ser humano? É uma pergunta não respondida pelo deputado Aldo Rebelo em seu parecer ao relatório que propõe reformar o Código Florestal para pior. Quanto mais a ciência e a tecnologia avançam, mais pessoas são lançadas no limbo da pobreza e no inferno da miséria. Nunca houve, na história da humanidade, um momento de tanta pobreza, miséria e dor. Na condição de ecologista, posso assegurar que a proposta do ecologismo não é antropofóbica, mas também não é antropocêntrica, como acredita o deputado do PCdoB.
Afirma ele que O ambientalismo funcionou como rota de fuga do conflito entre o capitalismo e o socialismo. Os desiludidos de todas as ideologias vislumbraram no ambientalismo um espaço a partir do qual poderiam reorganizar suas crenças e seus projetos de vida e se juntar a tantos outros que por razões diferentes fizeram da bandeira verde um novo modo ou meio de vida. Ao ecologismo ideológico, juntou-se o profissional e empreendedorista. Consultorias concedidas por ONGs que contratam e são contratadas, recebem financiamento interno e externo, público e privado, funcionam dirigidas por executivos profissionais que já representam atividade nada desprezível no setor de serviços.
João Bernardo, Maurício Tragtenberg e Gildo Magalhães falaram coisa parecida nos primórdios do movimento ecologista. Para eles, os ecologistas eram membros desempregados da classe média e também reacionários. Aldo Rebelo é mais compreensivo. Acalenta uma discreta admiração pelos ambientalistas ideológicos, pois deve desconhecer as tendências existentes dentro dos movimentos de defesa do ambiente. De fato, os ecologistas desiludiram-se não apenas com as ideologias da Modernidade, como também com suas realizações concretas, tanto no capitalismo como no socialismo. Nos anos de 1970, eles empreenderam uma crítica implacável aos dois sistemas por serem insustentáveis pelo planeta. Contudo, não se contentaram com a crítica: formularam um modelo alternativo de civilização. Não se pode compreender o ecologismo como uma rota de fuga ao liberalismo e ao socialismo quando se conta com uma plêiade de pensadores da envergadura de Rudolf Bahro, Michel Bosquet, Dominique Simmonet, René Dumont, Laura Conti, Jean-Pierre Dupuy e tantos outros, que, certamente, o deputado comunista desconhece.
Por outro lado, é certo que o capitalismo capturou parte do movimento para ganhar dinheiro. Assim, nasceram as firmas de empreendedorismo e de consultoria. Nasceu também a ideologia do desenvolvimento sustentável. Tudo isto era de se esperar, assim como (por que não?) a rendição de Aldo Rebelo às forças conservadoras e retrógradas do ruralismo.
Num sentimentalismo romântico ao gosto do século 19, o deputado presta uma homenagem aos ambientalistas sinceros com o poema A queimada, de Castro Alves. Nele, o poeta conversa com seu perdigueiro e lamenta a destruição da floresta e dos animais pelo fogo, dos animais que o poeta gostava de caçar com seu perdigueiro. Parece haver um tom de ironia nesta homenagem, como quem dissesse que os ecologistas gostam da natureza por razões particulares, assim como Castro Alves gostava das florestas só porque abrigavam animais para ele caçar. Há poemas muito melhores em Carlos Drummond de Andrade, por exemplo. Já maduro, ele descobriu, no início dos anos de 1970, o sentido mais amplo do ecologismo e lhe dedicou poemas e crônicas.
Suspeito que Aldo Rebelo também desconheça o Carlos Drummond de Andrade em sua última fase. Mas o bom está para vir no próximo artigo: as idéias do deputado sobre a Amazônia.
"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente". "....Parece que não. Parece que seu marxismo está muito misturado com o nacionalismo. Ele não vê o grande ruralista como um capitalista rude que só pensa em ganhar dinheiro rapinando a natureza e o trabalhador rural. Ele entende este ator da sociedade brasileira como um nacionalista que fortalece a nação brasileira e beneficia sua sociedade tornando nossa agricultura competitiva no mercado internacional, produzindo alimentos baratos para a população brasileira e excedentes que promovam a estabilidade dos preços e para o equilíbrio das contas externas do Brasil. O deputado desconhece empresas transnacionais plantando e criando gado na área rural do país para exportar e ganhar dinheiro..."
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes
Julho/Agosto 2010
Código Florestal de Aldo Rebelo (1ª Parte de 2)
Por Arthur Soffiati
Três peças formam o relatório que Aldo Rebelo apresentou à comissão relacionada ao Projeto de Lei nº 1876 e outros apensados. O primeiro é o seu parecer. O segundo é a íntegra dos depoimentos tomados. O terceiro, seu voto. É neste último que ele apresenta suas propostas desastrosas de reforma do Código Florestal, na verdade, um outro código que beneficia os ruralistas em detrimento dos ecossistemas vegetais nativos do Brasil e da agenda mundial de proteção ao ambiente planetário. As propostas colocam os ruralistas no centro de suas atividades, como se o mundo não existisse. Como ele foi muito comentado, vou centrar minha análise no parecer, uma verdadeira peça arqueológica que o deputado comunista retirou dos anos de 1940, no mínimo.
Vi imagens de Aldo Rebelo, pela primeira vez, quando ele tinha 44 anos de idade. Sua figura parecia ter saído do passado, com um bigodinho e os cabelos penteados com ondulações. O conservadorismo poderia estar apenas na aparência, mas agora se constata que está também nas idéias.
Ele começa dedicando o parecer aos agricultores brasileiros, mas não explicita se grandes ou pequenos. A epígrafe foi retirada de O Sobrinho de Rameau, livro de Diderot, e fala de leis estranhas, que atrapalham a sociedade, com isto querendo se referir ao Código Florestal. José Bonifácio de Andrada e Silva é mencionado diversas vezes pelo autor de forma elogiosa: Bonifácio pode ser considerado nosso primeiro ecologista. Ele não imaginou a estrutura fundiária dos nossos dias, marcada pela reforma agrária natural pela sucessão de gerações. Segundo ele, o Patriarca foi o idealizador do conceito de Reserva Legal, propondo conservar 1/6 de florestas em cada propriedade rural para o uso de madeira para construção civil, energia e construção naval. O que ele oculta é a declaração pessimista e desesperada de Bonifácio, escrita na Representação à Assembléia Geral Constituinte do Império do Brasil sobre a Escravatura, em 1823, segundo a qual "Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia, terrível e fatal, em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos".
Numa frase de efeito, Rebelo diz que a legislação ambiental, combinados os dispositivos legais do Brasil, põe mais de 90% de 5,2 milhões de propriedades rurais do Brasil na ilegalidade, podendo transformar em crime ambiental o próprio ato de viver. É de efeito mesmo, pois a extensão das Áreas de Preservação Permanente e das Reservas Legais não poderia ocupar 90% das terras da área rural do Brasil. Indo mais longe ainda, outra frase é apelação barata ... a autoridade ambiental ou policial pode interpretar como crime ambiental a simples extração de uma minhoca na margem de um riacho.
Procurando demonstrar erudição, o deputado continua sua argumentação lacrimosa referindo-se ao soldado que prendeu o maturo Fabiano, personagem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para lhe tomar os trocados da feira e exercitar o poder em nome do Estado. Hoje, prossegue o deputado, o soldado poderia prender o matuto por ter comido um papagaio para saciar a fome.
Compara a agricultura da China e da Índia com a brasileira na tentativa de demonstrar que, lá, existem facilidades para os camponeses, enquanto que aqui prevalecem as restrições: A imensa maioria de pequenos e médios proprietários pratica ainda uma agricultura pré-capitalista ou semi-capitalista, quase de subsistência, de baixo uso de capital e tecnologia (...) Esses agricultores são detentores de quatro milhões de unidades dos 5,2 milhões de propriedades. Em todo o texto, a argumentação de Aldo Rebelo é capciosa, desprovida de caráter científico e ultrapassada. A comparação do deputado entre a agricultura asiática e a brasileira não se sustenta porque o Brasil nunca teve uma tradição camponesa como no Oriente. Aqui, o sistema de sesmarias acabou resultando nos latifúndios. Aqui, as comunidades tradicionais só conservaram a casca da tradição. Hoje, elas foram capturadas por uma economia de mercado e trabalham para ela.
Mas Aldo Rebelo irrompe de um passado remoto, ignorando a essência do debate atual. Seu mundo é ainda o dos Estados Nacionais com soberania máxima.
No parecer de Aldo Rebelo, primeira parte de três do seu relatório sobre a reforma do Código Florestal, não faltam exaltações ao grande ruralista. Na mais notória, ele diz que ... o grande proprietário é hoje muito mais um produtor capitalista, cuja importância reside em tornar a nossa agricultura competitiva no cenário internacional, no barateamento do custo dos alimentos e na formação do excedente necessário para o equilíbrio das nossas contas externas e estabilidade de preços internos (...) essa agricultura de mercado já conta hoje com uma grande parcela de pequenos e médios empreendimentos agropecuários organizados em um sistema eficiente de cooperativismo, mas carente de reserva de capital para investimentos em equipamentos e tecnologia e ganhos de produtividade. A maior ameaça ao grande produtor é a elevação de custos de produção imposta pela legislação ambiental e florestal na realização de obras, contratação de escritórios de advocacia e renúncia de áreas destinadas à produção (...) a legislação ambiental funciona como uma verdadeira sobrecarga tributária, elevando o custo final do produto, já oprimido pelo peso da infraestrutura precária e das barreiras não tarifárias cobradas pelos importadores.
Marshall Berman, também marxista como Aldo, em seu livro Tudo que é sólido desmancha no ar, demonstra como Marx e Engels podem ser considerados os maiores apologistas do capitalismo, no Manifesto Comunista. Isto porque, para ambos, sem a fase do capitalismo, não seria possível alcançar o comunismo. Seria esta a intenção do deputado do PCdoB de São Paulo ao enaltecer o grande proprietário rural? Parece que não. Parece que seu marxismo está muito misturado com o nacionalismo. Ele não vê o grande ruralista como um capitalista rude que só pensa em ganhar dinheiro rapinando a natureza e o trabalhador rural. Ele entende este ator da sociedade brasileira como um nacionalista que fortalece a nação brasileira e beneficia sua sociedade tornando nossa agricultura competitiva no mercado internacional, produzindo alimentos baratos para a população brasileira e excedentes que promovam a estabilidade dos preços e para o equilíbrio das contas externas do Brasil. O deputado desconhece empresas transnacionais plantando e criando gado na área rural do país para exportar e ganhar dinheiro. Não concebe que a destruição do Cerrado e da Amazônia é, em grande parte, provocada por interesses internacionais que se valem do favorecimento das leis, do desrespeito a elas, da conivência ou da incapacidade de fiscalização do Estado e da mão de obra barata. Não se dá conta de que sua visão dos ruralistas é muito idealizada e que eles, mesmo sendo brasileiros, estão associados aos interesses das transnacionais. Na sua verdadeira ou falsa ingenuidade, crê que esta laboriosa classe de produtores rurais está mais preocupada em produzir comida para a população do que em ganhar dinheiro plantando soja, cana, algodão e outros produtos comestíveis semelhantes.
Mas o deputado continua afirmando que defende a maioria dos produtores rurais, formada por pequenos e médios proprietários. Assim, ele tenta inverter a máxima de Marx, segundo a qual a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. Ele tenta nos convencer de que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominada.
Sempre ostentando erudição, Aldo Rebelo cita agora o padre Antônio Vieira, em seu Sermão de Santo Antônio aos Peixes, datado de 1654, para encher de encômios a propriedade privada, talvez acreditando de novo na lógica etapista do marxismo. Não contente, ele vai mais longe na sua exaltação ao declarar que a agricultura e a pecuária sustentam com preços depreciados os bons e os maus planos econômicos recentes da Pátria.
Na parte relativa à Amazônia, Aldo Rebelo a encima como a famosa passagem do Gênesis I: 28-29: E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isto vos será para mantimento. O historiador inglês Arnold Toynbee considera esta passagem a origem de toda a ideologia ocidental de dominação da natureza. A teologia cristã moderna tenta uma interpretação atualizada, segunda a qual ela significa que Deus colocou o homem como mordomo do paraíso. Aldo Rebelo volta à interpretação antiga, pois ele acredita que o Homem é a criatura suprema do universo. Em sua defesa, cita Epicuro, Galileu, Descartes, Bacon, Kant, Hegel, Marx, Engels e Darwin, todos pensadores que buscaram libertar o Homem do medo, da superstição e dos constrangimentos da natureza. Na passagem bíblica, Deus coloca o Homem como sua criatura eleita. Judaístas, cristãos e muçulmanos acreditam em Deus. Sendo ateu, com base em que Aldo Rebelo acredita na superioridade do Homem? Foram os próprios humanistas que colocaram o Homem nesta posição, com exceção de Darwin, que não acreditava nesta baboseira. Ao usar novamente a Bíblia de forma arrogante, Aldo está colocando vinho velho em odre novo. Inserido numa linha mofada da Modernidade, Aldo Rebelo mostra-se completamente alheio às novas questões que as relações entre humanidade e ambiente nos colocam.
É no parecer que Aldo Rebelo mais expõe sua concepção de mundo e também se expõe ao debate. Numa passagem do documento, ele revela uma visão clássica e mecânica da ordem mundial. Acompanhemo-la: O presente relatório pretende demonstrar que as escolhas morais e ideológicas no debate contemporâneo sobre a natureza e o meio ambiente revelam, na verdade, os interesses concretos das nações ricas e desenvolvidas e de suas classes dominantes na apropriação dos bens naturais já escassos em seus domínios, mas ainda abundantes entre as nações subdesenvolvidas ou em processo de desenvolvimento. Da mesma maneira, a polêmica confronta a agricultura subsidiada dos ricos vis-à-vis a agricultura cada vez mais competitiva de países como o Brasil.
Depois do esfacelamento do bloco soviético, do leste europeu, da Iugoslávia e do capitalismo desenfreado da China, o mundo está dividido em norte e sul, em leste e oeste, em ricos, emergentes e pobres. No final, todos são capitalistas. Não há mais uma divisão internacional do trabalho tão maniqueísta, como supõe Aldo Rebelo. Atualmente, a rapinagem capitalista é praticada, dentro de cada país, por empresas transnacionais, nacionais e até por grupos comunitários. Todos se movimentam na esfera capitalista. Os inimigos do ambiente não são os estrangeiros, mas também os nacionais. O mesmo se pode afirmar acerca dos defensores do ambiente: eles vivem fora ou dentro de cada país. Isto porque estamos num mundo globalizado pelo ocidente. Também os ambientalistas atuam num plano global.
Ele também critica o que chama de antropofobia. Em suas palavras, É cada vez mais agressiva a corrente ambientalista que tende a responsabilizar moralmente o antropocentrismo como fonte primária e maligna dos desastres ambientais. Ao erigir o ser humano como o centro do universo, o antropocentrismo legitimaria toda a ação predatória contra a natureza. A tese carrega para o centro da polêmica até atores aparentemente alheios ao assunto: o Papa, em documento divulgado pouco antes da Conferência de Copenhague sobre o clima, reagiu duramente contra os adversários do antropocentrismo, afinal de contas, é a Bíblia o mais antigo e completo tratado de antropocentrismo, e Jesus, o Filho de Deus, não veio à terra em uma forma aleatória de vida, mas na figura de um homem. No seu ateísmo materialista, o deputado do PCdoB reconhece que o cristianismo é antropocêntrico. Digo mais, em apoio a este reconhecimento: o judaísmo passou de uma religião que exaltava o cosmo para uma religião que entroniza o Homem como senhor e possuidor da natureza, com a pregação dos profetas, como bem mostrou Mircea Eliade. E esta exaltação do Homem foi transmitida ao cristianismo e ao islamismo. Mais ainda, a quase todos os sistemas filosóficos ocidentais, inclusive ao marxismo. Quando afirmo que o marxismo ateu é filho do cristianismo, sofro as mais acerbas críticas dos marxistas.
O próprio deputado comprova esta herança ao dizer que A crítica ao antropocentrismo nivela os seres vivos em direitos e protagonismo, desconhece o homem como o único ser vivo dotado de consciência e inteligência, capaz de interagir com a natureza e de transformá-la. O trabalho do homem, concebido primeiro em seu cérebro, ajudou a transformá-lo e a transformar o meio natural. Aldo Rebelo passa ao largo de uma grande questão que a etologia vem levantando desde o tempo de Montaigne, quando ela ainda não existia enquanto ciência. Atualmente, não há mais como sustentar, com tranqüilidade, que o Homem é único ser vivo dotado de inteligência. Até mesmo nos vegetais existe uma inteligência real, segundo Edgar Morin. O Homem não é mais o único ser vivo a transformar a natureza e a se transformar por meio do trabalho. Engels colocou o marxismo numa cilada quando escreveu um opúsculo demonstrando que o trabalho transformou o macaco em Homem. Se só o Homem concebe o trabalho, primeiro no seu cérebro, para colocá-lo em prática, como o macaco (não sei a qual espécie Engels se referia), que não pensa, praticava já o trabalho, exclusividade do Homem?
A crítica ao antropocentrismo não tem por fim igualar o ser humano a todos os outros seres vivos, mas sim mostrar que ele não é o soberano e o único a ter direitos num mundo em que todos os seres dependem de todos. Mais uma vez o deputado erra o alvo ao denunciar que A antropofobia descarta como irrelevante a situação de milhões de seres humanos em condições abjetas de existência material e espiritual. Milhões que não dispõem da segurança do pão de cada dia, das condições mínimas de higiene, do acesso à educação e à segurança individual e coletiva, do conforto da família e dos amigos, da proteção o Estado nacional ou da liberdade política e religiosa. Nada disso sensibiliza os adversários do antropocentrismo. Que os pobres deixem de nascer, deixem a natureza em paz, é o credo básico que professam.
A crítica mais consequente ao antropocentrismo mostra que as desigualdades sociais tornam-se cada vez mais agudas exatamente em função do próprio antropocentrismo, que considera uma minoria de Homens superior à maioria da humanidade.
Como explicar que, num mundo dominado pelo humanismo cristão, transformado em antropocentrismo laico pelo Renascimento, pelas revoluções científica do século 17 e industrial, do século 18, pelo Iluminismo, bem como pelo liberalismo e pelas diversas correntes socialistas, haja tantas desigualdades e injustiças sociais, tanta miséria e tanto desprezo ao ser humano? É uma pergunta não respondida pelo deputado Aldo Rebelo em seu parecer ao relatório que propõe reformar o Código Florestal para pior. Quanto mais a ciência e a tecnologia avançam, mais pessoas são lançadas no limbo da pobreza e no inferno da miséria. Nunca houve, na história da humanidade, um momento de tanta pobreza, miséria e dor. Na condição de ecologista, posso assegurar que a proposta do ecologismo não é antropofóbica, mas também não é antropocêntrica, como acredita o deputado do PCdoB.
Afirma ele que O ambientalismo funcionou como rota de fuga do conflito entre o capitalismo e o socialismo. Os desiludidos de todas as ideologias vislumbraram no ambientalismo um espaço a partir do qual poderiam reorganizar suas crenças e seus projetos de vida e se juntar a tantos outros que por razões diferentes fizeram da bandeira verde um novo modo ou meio de vida. Ao ecologismo ideológico, juntou-se o profissional e empreendedorista. Consultorias concedidas por ONGs que contratam e são contratadas, recebem financiamento interno e externo, público e privado, funcionam dirigidas por executivos profissionais que já representam atividade nada desprezível no setor de serviços.
João Bernardo, Maurício Tragtenberg e Gildo Magalhães falaram coisa parecida nos primórdios do movimento ecologista. Para eles, os ecologistas eram membros desempregados da classe média e também reacionários. Aldo Rebelo é mais compreensivo. Acalenta uma discreta admiração pelos ambientalistas ideológicos, pois deve desconhecer as tendências existentes dentro dos movimentos de defesa do ambiente. De fato, os ecologistas desiludiram-se não apenas com as ideologias da Modernidade, como também com suas realizações concretas, tanto no capitalismo como no socialismo. Nos anos de 1970, eles empreenderam uma crítica implacável aos dois sistemas por serem insustentáveis pelo planeta. Contudo, não se contentaram com a crítica: formularam um modelo alternativo de civilização. Não se pode compreender o ecologismo como uma rota de fuga ao liberalismo e ao socialismo quando se conta com uma plêiade de pensadores da envergadura de Rudolf Bahro, Michel Bosquet, Dominique Simmonet, René Dumont, Laura Conti, Jean-Pierre Dupuy e tantos outros, que, certamente, o deputado comunista desconhece.
Por outro lado, é certo que o capitalismo capturou parte do movimento para ganhar dinheiro. Assim, nasceram as firmas de empreendedorismo e de consultoria. Nasceu também a ideologia do desenvolvimento sustentável. Tudo isto era de se esperar, assim como (por que não?) a rendição de Aldo Rebelo às forças conservadoras e retrógradas do ruralismo.
Num sentimentalismo romântico ao gosto do século 19, o deputado presta uma homenagem aos ambientalistas sinceros com o poema A queimada, de Castro Alves. Nele, o poeta conversa com seu perdigueiro e lamenta a destruição da floresta e dos animais pelo fogo, dos animais que o poeta gostava de caçar com seu perdigueiro. Parece haver um tom de ironia nesta homenagem, como quem dissesse que os ecologistas gostam da natureza por razões particulares, assim como Castro Alves gostava das florestas só porque abrigavam animais para ele caçar. Há poemas muito melhores em Carlos Drummond de Andrade, por exemplo. Já maduro, ele descobriu, no início dos anos de 1970, o sentido mais amplo do ecologismo e lhe dedicou poemas e crônicas.
Suspeito que Aldo Rebelo também desconheça o Carlos Drummond de Andrade em sua última fase. Mas o bom está para vir no próximo artigo: as idéias do deputado sobre a Amazônia.
"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".
domingo, 5 de setembro de 2010
CAMPO DO GOYTACAZES.
Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras
Um dos sentidos da palavra inóspito é local em que não se pode viver. Pelas palavras do deputado marxista, os nativos da Amazônia passaram séculos vivendo mal, num meio em que não se pode viver. Durante séculos e milênios, eles sobreviveram bravamente esperando que os europeus viessem libertá-los do jugo da natureza. Por muito tempo, eles esperaram rádio, televisão, automóvel, computador eletrônico e outras invenções fantásticas do ocidente. Como eram bárbaros esses povos! Como sofreram à espera dos confortos produzidos pela economia capitalista! E agora, como são felizes vivendo numa sociedade de classes, mas na base dela..."
O Código Florestal de Aldo Rebelo (2º Parte)
Por Arthur Soffiati
Para entrar na Amazônia, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB de São Paulo, convoca o ilustre médico Josué de Castro. Primeiro, ele reduz a riqueza das discussões sobre a crise ambiental, nos anos de 1970, ao Clube de Roma. Na sua visão empobrecedora, todos os ecologistas apresentavam uma posição conservadora. O deputado, no entanto, ressuscita Josué de Castro, que ganhou projeção internacional com seus estudos sobre a fome crônica das camadas pobres do Brasil, mormente as do Nordeste. Sua concepção de desenvolvimento era padronizada. Consistia em aplicar o estilo dos países chamados desenvolvidos.
Aldo segue-lhe os passos. Para ambos, o “Homem” está em permanente luta contra a natureza. A seu ver, Josué de Castro, “Em Geografia da Fome, explica por que nada existe de mais fantasioso do que a suposta harmonia entre o homem e a natureza na região amazônica. Se, ao contrário de outras do país, grande parte da região amazônica conserva-se ainda hoje tal qual foi encontrada pelos colonizadores portugueses, há cinco séculos, isso não se deve à tal harmonia que a civilização não conseguiu destruir, mas exatamente à hostilidade do meio à vida humana e ao desenvolvimento. Como afirma Josué de Castro, ‘na alarmante desproporção entre a desmedida extensão das terras amazônicas e a exigüidade de gente, reside a primeira tragédia geográfica da região (...) Dentro da grandeza impe netrável do meio geográfico, vive este punhado de gente esmagado pelas forças da natureza, sem que possa reagir contra os obstáculos opressores do meio, por falta de recursos técnicos, só alcançáveis com a formação de núcleos demográficos de bem mais acentuada densidade’”
É correto negar que existiu ou existe harmonia na relação de sociedades humanas e natureza. Harmonia é um conceito criado pelo racionalismo do século 17. Hoje, o mais correto é falar de equilíbrio dentro de um ecossistema ou nas relações ser humano-natureza. Mas isto não significa, em absoluto, destruir a natureza. Em vez de luta, existe adaptação aos ecossistemas. Para os ameríndios, a Amazônia não era uma inimiga, mas a fornecedora de alimento, remédios e moradia. O próprio Marx explica que o capitalismo não podia nascer nos trópicos, pois a natureza, neles, leva à acomodação, já que fornece tudo de que os grupos humanos precisam em termos de necessidades básicas.
Na década de 1940, o pensamento de Josué de Castro era pertinente, mas hoje, a concepção de uma luta permanente do “Homem” contra a natureza foi superada por propostas que respeitam os ecossistemas. Estas propostas mostram que o desenvolvimento não se faz contra os ecossistemas, mas com os ecossistemas. Há vários pensadores trabalhando na linha do ecodesenvolvimento. Menciono apenas Ignacy Sachs, que rotula o estilo de desenvolvimento estadunidense como mau desenvolvimento.
Mas Rebelo continua na década de 1940. Vamos ouvi-lo novamente: “Se os chamados povos da floresta, índios e caboclos, depois de séculos de luta contra o meio inóspito, ainda ali vivem como viviam seus antepassados há centenas ou milhares de anos, certamente não é porque a tais povos satisfaçam as condições de vida características dessas eras passadas – quando se vivia 30 anos em média – mergulhados no isolamento completamente dominados pelas forças da natureza, perambulando nus ou seminus, abrigados em choças insalubres, infestadas de insetos e fumaça, lutando em condições absolutamente desiguais contra o meio hostil, que não lhes permite ir além das condições mais rústicas e primitivas de vida de seus ancestrais.”
Um dos sentidos da palavra inóspito é local em que não se pode viver. Pelas palavras do deputado marxista, os nativos da Amazônia passaram séculos vivendo mal, num meio em que não se pode viver. Durante séculos e milênios, eles sobreviveram bravamente esperando que os europeus viessem libertá-los do jugo da natureza. Por muito tempo, eles esperaram rádio, televisão, automóvel, computador eletrônico e outras invenções fantásticas do ocidente. Como eram bárbaros esses povos! Como sofreram à espera dos confortos produzidos pela economia capitalista! E agora, como são felizes vivendo numa sociedade de classes, mas na base dela. A visão de Aldo Rebelo é de um evolucionismo antigo, bem ao gosto de Morgan, que considerava as sociedades passando por três estágios: selvageria, barbárie e civi lização, sendo que a civilização europeia alcançou o último degrau da escada e hoje posa de modelo para as outras. Engels adotou esta concepção em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”.
Por este prisma, o latifúndio e o desmatamento representam um avanço civilizatório, rumo ao socialismo-comunismo.
Ainda com os pés na bárbara Amazônia, Aldo Rebelo comenta, seguindo Josué de Castro e o geógrafo francês Pierre Déffontaines, em seu parecer à proposta de reforma do Código Florestal: “A conquista de qualquer terra pela colonização é sempre o resultado de uma luta lenta e tenaz entre o homem e os obstáculos do meio geográfico. Entre a força criadora do elemento humano e as resistências dos fatores naturais. Na paisagem virgem, o homem é sempre um intruso que só se pode manter pela força.” Para o deputado do PCdoB, a equação verdadeira é HOMEM x NATUREZA e não HOMEM + NATUREZA. Em seu entendimento, os esquimós (hoje inuits), os pigmeus do Congo, os bosquímanos, os semang, os aborígenes da Austrália são escravos do me io em que vivem por não disporem de tecnologia para transformá-lo num ambiente do tipo dos Estados Unidos.
E continua o intrépido parlamentar, ignorante de todo debate atual acerca de biodiversidade, ecodiversidade, crise climática, estresse dos oceanos etc. Concedamos a palavra a ele. “Amazônia: luta tenaz do homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de vitalidade da floresta e contra a desordenada abundância da água dos seus rios. Água e floresta parecem ter feito um pacto da natureza ecológica para se apoderarem de todos os domínios da região. O homem tem de lutar de maneira constante contra a floresta que superocupou todo o solo descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre, inclusive o homem, sob o peso opressor de suas sombras densas, das densas copas verdes de seus milhares de espécimes vegetais, do denso bafo de sua transpiração. Luta contra a água dos rios que transformam com violência, contra as águas das chuvas intermináveis, contra o vapor d’água da atmosfera, que dá mofo e corrompe os víveres. Contra a água estagnada das lagoas, dos igapós e dos igarapés. Contra a pororoca. Enfim, contra todos os exageros e desmandos da água fazendo e desfazendo a terra. Fertilizando-a e despojando-a de seus elementos de vida. Criando ilhas e marés interiores numa geografia de perpétua improvisação, ao sabor de suas violências.”
Esta passagem do parecer de Aldo Rebelo é de uma ignorância larvar. Ele chega a antropomorfizar até os rios e florestas. Não apenas os grupos humanos vivem num padrão miserável, mas também os peixes nos rios e os animais terrestres dentro da floresta. Tanto para humanos como para animais, a natureza é despótica e escravizadora. A conclusão, por conseguinte, é a de que, sem rios e matas, o ser humano e os animais serão libertados e viverão felizes. Seria muito melhor para todos viver em São Paulo ou levar São Paulo para a Amazônia
Aldo Rebelo não consegue pensar em termos fundamentais e científicos. Ele desconhece o papel desempenhado pela Amazônia para a proteção da biodiversidade, do equilíbrio climático, da manutenção da água doce, da proteção às culturas nativas ainda não atingidas pelo ocidente agora internalizado no Brasil. Para ele, mais valem a cobiça internacional, a questão geopolítica e a integração da Amazônia ao modo de vida da Modernidade. E suas idéias retrógradas estão conseguindo adeptos, como Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ambos se fixaram num estudo feito por Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá”. “Aqui” significa Estados Unidos; “lá” significa países que ainda têm florestas. Eles perguntam por que os ambientalistas não condenam a devastação de florestas nos países “desenvolvidos” e não exigem a instituição da reserva legal.
A resposta, para eles, é seguir os países do norte em seus erros, mudando a legislação para destruir a Amazônia e outros biomas do Brasil, reduzindo as Áreas de Preservação Permanente, eliminando a figura da reserva legal e perdoando as dívidas de ruralistas anteriores a 2008. Pergunto: em sã consciência, o governo brasileiro mudaria a legislação para permitir a ocupação dos biomas brasileiros em favor da agropecuária? As grandes empresas transnacionais de sementes, agrotóxicos, fertilizantes químicos, implementos agrícolas e transgênicos defenderiam a proteção das florestas, renunciando a seus interesses econômicos? Os ruralistas cessariam de destruir ecossistemas florestais em respeito à opinião de Shari Friedman?
Ora, ora, proprietários rurais e empresas de produtos para o meio rural querem o desmatamento e o praticam. A resposta mais ajuizada do governo brasileiro é reconhecer a importância da Amazônia para o planeta e valer-se de sua soberania para protegê-la efetivamente. Não é porque os países do norte devastaram suas matas que devastaremos as nossas. Não é porque lá não existe reserva legal que eliminaremos as nossas. O Código Florestal brasileiro carece de reforma, sim, mas não a proposta por Aldo Rebelo. Necessitamos de um Código de Biomas e de Ecossistemas a ser formulado por um grupo de cientistas de notório conhecimento de modo a conferir-lhe fundamentação científica e transformar o Brasil num modelo de proteção à natureza a o mundo todo
Numa crônica, Luís Fernando Veríssimo escreveu que é muito difícil lidar com o conspiracionista, pois ele toca às raias da psicose. Como não dispõe de provas contundentes que alicercem suas certezas, o conspiracionista costuma sempre ver uma conspiração em andamento a partir de suspeitas geradas por elementos inexistentes ou que apontam claramente para outras direções. Além de marxista, nacionalista e conservador, o Deputado Federal do PCdoB em São Paulo é um notório conspiracionista. Ele não pode conceber que uma pessoa ou um grupo defenda o ambiente pelo seu valor intrínseco. Por trás do movimento ambientalista, há sempre interesses escusos contra o Brasil e os países pobre
Examinemos esta passagem do seu parecer ao relatório de reforma do Código Florestal: “A ampliação da produção brasileira requer, além dos ganhos de produtividade, disponibilidade de terras e infraestrutura. É exatamente neste ponto, na contenção da fronteira e da infraestrutura, que as Ongs internacionais tentam montar as barreiras contra a soja brasileira, beneficiando aberta e diretamente os concorrentes da América do Norte ao acesso ao mercado em crescimento.” Há provas cabais de que o Greenpeace, por exemplo, protege as grandes potências e prejudica os interesses brasileiros? Se não há, os conspiracionistas as inventam. Para fornecer um caso concreto de conspiração contra o Brasil, o deputado recorre a um exemplo bastante atual (é ironia, por favor): o da apresentação que Luiz Piza Sobrinho, Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, redigiu para o livro “A guerras secreta pelo Algodão”, de Anton Zischka, lançado em 1936.
Mais outro exemplo: “Se a agricultura, aos olhos das Ongs, é uma atividade agressora ao meio ambiente, e se os Estados Unidos têm uma produção de grãos quase quatro vezes superior à nossa, é de se supor que, por lógica, agridam muito mais a natureza. Por que, então, as Ongs internacionais que promovem a tentativa de aniquilamento da ampliação da agricultura brasileira não se movem contra a pretensa agressão da agricultura norte-americana à natureza?”
O deputado não está mesmo a par dos acontecimentos e da literatura atuais, porque não saiu do passado. A grande pesquisadora norte-americana Rachel Carson foi a primeira a denunciar o uso de agrotóxicos na agricultura dos Estados Unidos. Nas várias reuniões do G-8 e do G-20, manifestantes de todos os países se reúnem para protestar contra a dominação dos ricos sobre os pobres e das potências capitalistas sobre a natureza. De mais a mais, por que não considerar que a luta em defesa dos biomas brasileiros não é uma campanha a favor dos países dominantes, mas um movimento que reconhece a importância ecológica deles?
No entanto, Aldo Rebelo continua sua ladainha: “Embora ocupe uma modesta quinta posição no mundo, a produção brasileira encontrou no Cerrado um campo fértil para sua expansão e, em igual intensidade e sentido contrário, a oposição das Ongs (...) Nossa obrigação em defender o meio ambiente e os direitos sociais do nosso povo é algo que devemos assumir sem vestir a carapuça que tentam nos impor.” O Deputado quer dizer que a defesa do ambiente por movimentos mundialistas mascara os interesses econômicos das potências do norte. Para ele, o explícito nunca é o verdadeiro. Apenas o implícito. Neste sentido, é lícito acreditar que o nacionalismo socialista de Aldo Rebelo é apenas uma carapuça que os latifundiários e as grandes corporações transnacionais, ambos os grupos interessados na destruição do Cerrado e de outros biomas brasileiros, pediram que o Deputado usasse. Sim, porque a luta dos ambientalistas para defender a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e a Mata Atlântica é também a luta em defesa dos pequenos agricultores contra os latifundiários e as transnacionais das sementes, dos transgênicos, dos agrotóxicos e dos implementos agrícolas pesados.
Não se nega a concorrência desleal dos ricos contra os pobres, mas não se pode reduzir a complexidade da questão a esta concorrência. Repito: os inimigos do Brasil estão lá fora, mas aqui dentro também. Os amigos do Brasil estão aqui dentro, mas lá fora também. Contudo, a personalidade bipolar do Deputado simplifica o cenário atual ao ver todos os estrangeiros como inimigos e os nacionalistas brasileiros como amigos do Brasil
Para terminar, esta proclamação da mais alta ignorância: “A proteção das agriculturas nacionais contra competidores externos e as guerras comerciais motivadas pela agricultura são fatos tão antigos quanto a história humana.” Aqui, o desconhecimento é de cunho histórico, algo imperdoável para um marxista, que recorre sistematicamente à história para embasar suas teses. A ciência considera o “Sahelanthropus tchadensis" como o mais antigo ancestral do “Homo sapiens”, tendo vivido há cerca de sete milhões de anos antes do presente. O próprio “Homo sapiens” emergiu por volta de 200 mil anos antes do presente. A agricultura e o pastoreio só foram inventados há dez mil anos. Vale dizer, a grande humanidade viveu seis milh ões novecentos e noventa mil anos coletando, pescando e caçando. Só muito recentemente inventou o agropastoreio. Como, então, as guerras comerciais motivadas pela agricultura são tão antigas quanto a historia humana?
Em seu parecer ao relatório sobre a reforma do Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB/SP, ainda discorre sobre a Amazônia como santuário e sobre a questão climática, sempre se valendo de autores do passado e completamente descontextualizado da discussão atual acerca do aquecimento global. Não vale a pena comentar o final do documento, pois tudo o que já foi dito nesta longa sequência de oito artigos bastou para concluirmos que o Deputado não foi a melhor escolha para a relatoria da Comissão.
Já é hora, pois, de encerrar. Em síntese, Aldo Rebelo é um humanista, um nacionalista e um socialista que parou no tempo. O humanismo ocidental, de origem judaico-cristã, tomou um grande impulso nos últimos quinhentos anos. À medida que se afirmava, foi excluindo a natureza como entidade orgânica imprescindível para a humanidade. Coisificada pelo racionalismo do século 17, a natureza passou à condição de estoque e de recurso, por um lado, e de lixeira, por outro. A arrogância deste humanismo, bem diferente do humanismo budista e taoísta, desembocou num antropocentrismo nunca visto antes, pois que, agora, associado à ciência e à tecnologia.
Como a lebre da fábula de Esopo, o humanismo ocidental gabou-se da sua capacidade de superar qualquer obstáculo que se lhe opusesse, correndo com velocidade para o sucesso. A lerda tartaruga, representando a natureza, ficou para trás. David Ehrenfeld e Michel Serres, autores que Aldo Rebelo nunca deve ter lido, denunciaram a arrogância do humanismo ocidental, não só por desdenhar a natureza como também pela sua contraprodutividade. Os pensadores liberais e socialistas incorporaram os valores humanistas, notadamente em sua concepção setecentista.
O resultado concreto foi: quanto mais humanismo, mais pobres e miseráveis num mundo globalizado pelo ocidente. As mentes mais livres e mais críticas, como a do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, tiveram coragem de tocar o dedo na ferida do humanismo: ele é insustentável ecologicamente. Chegou a vez da tartaruga ou dos répteis do romance “O sorriso do lagarto”, de João Ubaldo Ribeiro. Mas o Deputado continua defendendo um humanismo à moda antiga.
Aldo Rebelo é também nacionalista, concebendo os Estados nacionais de maneira ahistórica. A seu ver, parece que o nacionalismo nasceu com a humanidade. Ele entende o nacionalismo como uma arma de guerra contra outro nacionalismo ou como um fortim que protege o nacionalismo dos pobres contra o nacionalismo dos ricos. O ramo da civilização polinésia que floresceu na isolada Ilha de Páscoa pode ser tomado como um caso exemplar. A sociedade que ali se instalou dividiu-se em clãs, que não devem ser confundidos com Estados nacionalistas. Uma das mais poderosas armas da guerra entre os clãs era incendiar a floresta do inimigo. O exemplo é bastante pertinente para o Deputado, que defende a redução das Áreas de Preservação Permanente e o fi m das Reservas Legais alegando que a Europa e os Estados Unidos devastaram suas florestas e não contam com este tipo de proteção, como no Brasil. Ele brada com alarido que o relatório de Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá” (http:/adpartners.org/agriculture), é um complô contra os países do sul ainda com extensas áreas de florestas. Mas, parece que sua resposta é “Destruição de florestas lá, destruição de florestas aqui também”, tal qual fizeram os pascoanos, que arrasaram a ilha.
Serres faz uma leitura riquíssima do quadro “Duelo com bastões”, de Goya. Na tela, dois homens travam uma luta com bastões sobre um pântano. Enquanto eles combatem, o pântano os traga. Não importa que vença, pois ambos serão engolidos pela natureza. Serres faz esta leitura para mostrar a necessidade de um contrato entre humanidade e natureza, para além do contrato social. O quadro mostra também as consequências das guerras entre países: cortes profundos na natureza, mortes desmesuradas, crise social. Já passou da hora de repensarmos o nacionalismo. Não há mais lugar para a soberania absoluta. Cada Estado Nacional deve usar seus direitos para restaurar, revitalizar e proteger seus ecossistemas. A melhor maneira de afastar a cobiça do outro é não destruindo como o outro, mas salvaguardando.
Por fim, o socialismo de Aldo Rebelo é parecido com uma fábula que está se propondo aqui. Há uma espécie de caruncho que ataca o trigo e se reproduz rapidamente. Alcançado o limite de alimento para todos eles, cada um começa a expelir uma substância tóxica que mata o outro, mas, no final, todos morrem. Trata-se de uma parábola sobre o individualismo capitalista.
Diante dela, os cupins, com sua sociedade organizada e cooperativa, condenariam o comportamento de guerra generalizada entre os indivíduos, como o pensador inglês Thomas Hobbes concebeu a humanidade antes do contrato social. Porém, se a organização social suspende a guerra generalizada e institui uma sociedade cooperativa e rigidamente organizada, como a dos cupins, no final, ela é também insustentável ecologicamente. Os carunchos capitalistas e os cupins socialistas destroem a natureza que os sustenta. É o caso do cupim Aldo Rebelo.
"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".
Claude Lévi-Strauss
O Código Florestal de Aldo Rebelo (2º Parte.
Por Arthur Soffiati.
Para entrar na Amazônia, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB de São Paulo, convoca o ilustre médico Josué de Castro. Primeiro, ele reduz a riqueza das discussões sobre a crise ambiental, nos anos de 1970, ao Clube de Roma. Na sua visão empobrecedora, todos os ecologistas apresentavam uma posição conservadora. O deputado, no entanto, ressuscita Josué de Castro, que ganhou projeção internacional com seus estudos sobre a fome crônica das camadas pobres do Brasil, mormente as do Nordeste. Sua concepção de desenvolvimento era padronizada. Consistia em aplicar o estilo dos países chamados desenvolvidos.
Aldo segue-lhe os passos. Para ambos, o “Homem” está em permanente luta contra a natureza. A seu ver, Josué de Castro, “Em Geografia da Fome, explica por que nada existe de mais fantasioso do que a suposta harmonia entre o homem e a natureza na região amazônica. Se, ao contrário de outras do país, grande parte da região amazônica conserva-se ainda hoje tal qual foi encontrada pelos colonizadores portugueses, há cinco séculos, isso não se deve à tal harmonia que a civilização não conseguiu destruir, mas exatamente à hostilidade do meio à vida humana e ao desenvolvimento. Como afirma Josué de Castro, ‘na alarmante desproporção entre a desmedida extensão das terras amazônicas e a exigüidade de gente, reside a primeira tragédia geográfica da região (...) Dentro da grandeza impe netrável do meio geográfico, vive este punhado de gente esmagado pelas forças da natureza, sem que possa reagir contra os obstáculos opressores do meio, por falta de recursos técnicos, só alcançáveis com a formação de núcleos demográficos de bem mais acentuada densidade.
É correto negar que existiu ou existe harmonia na relação de sociedades humanas e natureza. Harmonia é um conceito criado pelo racionalismo do século 17. Hoje, o mais correto é falar de equilíbrio dentro de um ecossistema ou nas relações ser humano-natureza. Mas isto não significa, em absoluto, destruir a natureza. Em vez de luta, existe adaptação aos ecossistemas. Para os ameríndios, a Amazônia não era uma inimiga, mas a fornecedora de alimento, remédios e moradia. O próprio Marx explica que o capitalismo não podia nascer nos trópicos, pois a natureza, neles, leva à acomodação, já que fornece tudo de que os grupos humanos precisam em termos de necessidades básicas.
Na década de 1940, o pensamento de Josué de Castro era pertinente, mas hoje, a concepção de uma luta permanente do “Homem” contra a natureza foi superada por propostas que respeitam os ecossistemas. Estas propostas mostram que o desenvolvimento não se faz contra os ecossistemas, mas com os ecossistemas. Há vários pensadores trabalhando na linha do ecodesenvolvimento. Menciono apenas Ignacy Sachs, que rotula o estilo de desenvolvimento estadunidense como mau desenvolvimento.
Mas Rebelo continua na década de 1940. Vamos ouvi-lo novamente: “Se os chamados povos da floresta, índios e caboclos, depois de séculos de luta contra o meio inóspito, ainda ali vivem como viviam seus antepassados há centenas ou milhares de anos, certamente não é porque a tais povos satisfaçam as condições de vida características dessas eras passadas – quando se vivia 30 anos em média – mergulhados no isolamento completamente dominados pelas forças da natureza, perambulando nus ou seminus, abrigados em choças insalubres, infestadas de insetos e fumaça, lutando em condições absolutamente desiguais contra o meio hostil, que não lhes permite ir além das condições mais rústicas e primitivas de vida de seus ancestrais.
Um dos sentidos da palavra inóspito é local em que não se pode viver. Pelas palavras do deputado marxista, os nativos da Amazônia passaram séculos vivendo mal, num meio em que não se pode viver. Durante séculos e milênios, eles sobreviveram bravamente esperando que os europeus viessem libertá-los do jugo da natureza. Por muito tempo, eles esperaram rádio, televisão, automóvel, computador eletrônico e outras invenções fantásticas do ocidente. Como eram bárbaros esses povos! Como sofreram à espera dos confortos produzidos pela economia capitalista! E agora, como são felizes vivendo numa sociedade de classes, mas na base dela. A visão de Aldo Rebelo é de um evolucionismo antigo, bem ao gosto de Morgan, que considerava as sociedades passando por três estágios: selvageria, barbárie e civi lização, sendo que a civilização europeia alcançou o último degrau da escada e hoje posa de modelo para as outras. Engels adotou esta concepção em seu livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”.
Por este prisma, o latifúndio e o desmatamento representam um avanço civilizatório, rumo ao socialismo-comunismo.
Ainda com os pés na bárbara Amazônia, Aldo Rebelo comenta, seguindo Josué de Castro e o geógrafo francês Pierre Déffontaines, em seu parecer à proposta de reforma do Código Florestal: “A conquista de qualquer terra pela colonização é sempre o resultado de uma luta lenta e tenaz entre o homem e os obstáculos do meio geográfico. Entre a força criadora do elemento humano e as resistências dos fatores naturais. Na paisagem virgem, o homem é sempre um intruso que só se pode manter pela força.” Para o deputado do PCdoB, a equação verdadeira é HOMEM x NATUREZA e não HOMEM + NATUREZA. Em seu entendimento, os esquimós (hoje inuits), os pigmeus do Congo, os bosquímanos, os semang, os aborígenes da Austrália são escravos do me io em que vivem por não disporem de tecnologia para transformá-lo num ambiente do tipo dos Estados Unidos.
E continua o intrépido parlamentar, ignorante de todo debate atual acerca de biodiversidade, ecodiversidade, crise climática, estresse dos oceanos etc. Concedamos a palavra a ele. “Amazônia: luta tenaz do homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de vitalidade da floresta e contra a desordenada abundância da água dos seus rios. Água e floresta parecem ter feito um pacto da natureza ecológica para se apoderarem de todos os domínios da região. O homem tem de lutar de maneira constante contra a floresta que superocupou todo o solo descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre, inclusive o homem, sob o peso opressor de suas sombras densas, das densas copas verdes de seus milhares de espécimes vegetais, do denso bafo de sua transpiração. Luta contra a água dos rios que transformam com violência, contra as águas das chuvas intermináveis, contra o vapor d’água da atmosfera, que dá mofo e corrompe os víveres. Contra a água estagnada das lagoas, dos igapós e dos igarapés. Contra a pororoca. Enfim, contra todos os exageros e desmandos da água fazendo e desfazendo a terra. Fertilizando-a e despojando-a de seus elementos de vida. Criando ilhas e marés interiores numa geografia de perpétua improvisação, ao sabor de suas violências.
Esta passagem do parecer de Aldo Rebelo é de uma ignorância larvar. Ele chega a antropomorfizar até os rios e florestas. Não apenas os grupos humanos vivem num padrão miserável, mas também os peixes nos rios e os animais terrestres dentro da floresta. Tanto para humanos como para animais, a natureza é despótica e escravizadora. A conclusão, por conseguinte, é a de que, sem rios e matas, o ser humano e os animais serão libertados e viverão felizes. Seria muito melhor para todos viver em São Paulo ou levar São Paulo para a Amazônia.
Aldo Rebelo não consegue pensar em termos fundamentais e científicos. Ele desconhece o papel desempenhado pela Amazônia para a proteção da biodiversidade, do equilíbrio climático, da manutenção da água doce, da proteção às culturas nativas ainda não atingidas pelo ocidente agora internalizado no Brasil. Para ele, mais valem a cobiça internacional, a questão geopolítica e a integração da Amazônia ao modo de vida da Modernidade. E suas idéias retrógradas estão conseguindo adeptos, como Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ambos se fixaram num estudo feito por Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá”. “Aqui” significa Estados Unidos; “lá” significa países que ainda têm florestas. Eles perguntam por que os ambientalistas não condenam a devastação de florestas nos países “desenvolvidos” e não exigem a instituição da reserva legal.
A resposta, para eles, é seguir os países do norte em seus erros, mudando a legislação para destruir a Amazônia e outros biomas do Brasil, reduzindo as Áreas de Preservação Permanente, eliminando a figura da reserva legal e perdoando as dívidas de ruralistas anteriores a 2008. Pergunto: em sã consciência, o governo brasileiro mudaria a legislação para permitir a ocupação dos biomas brasileiros em favor da agropecuária? As grandes empresas transnacionais de sementes, agrotóxicos, fertilizantes químicos, implementos agrícolas e transgênicos defenderiam a proteção das florestas, renunciando a seus interesses econômicos? Os ruralistas cessariam de destruir ecossistemas florestais em respeito à opinião de Shari Friedman?
Ora, ora, proprietários rurais e empresas de produtos para o meio rural querem o desmatamento e o praticam. A resposta mais ajuizada do governo brasileiro é reconhecer a importância da Amazônia para o planeta e valer-se de sua soberania para protegê-la efetivamente. Não é porque os países do norte devastaram suas matas que devastaremos as nossas. Não é porque lá não existe reserva legal que eliminaremos as nossas. O Código Florestal brasileiro carece de reforma, sim, mas não a proposta por Aldo Rebelo. Necessitamos de um Código de Biomas e de Ecossistemas a ser formulado por um grupo de cientistas de notório conhecimento de modo a conferir-lhe fundamentação científica e transformar o Brasil num modelo de proteção à natureza a o mundo todo.
Numa crônica, Luís Fernando Veríssimo escreveu que é muito difícil lidar com o conspiracionista, pois ele toca às raias da psicose. Como não dispõe de provas contundentes que alicercem suas certezas, o conspiracionista costuma sempre ver uma conspiração em andamento a partir de suspeitas geradas por elementos inexistentes ou que apontam claramente para outras direções. Além de marxista, nacionalista e conservador, o Deputado Federal do PCdoB em São Paulo é um notório conspiracionista. Ele não pode conceber que uma pessoa ou um grupo defenda o ambiente pelo seu valor intrínseco. Por trás do movimento ambientalista, há sempre interesses escusos contra o Brasil e os países pobres.
Examinemos esta passagem do seu parecer ao relatório de reforma do Código Florestal: “A ampliação da produção brasileira requer, além dos ganhos de produtividade, disponibilidade de terras e infraestrutura. É exatamente neste ponto, na contenção da fronteira e da infraestrutura, que as Ongs internacionais tentam montar as barreiras contra a soja brasileira, beneficiando aberta e diretamente os concorrentes da América do Norte ao acesso ao mercado em crescimento.” Há provas cabais de que o Greenpeace, por exemplo, protege as grandes potências e prejudica os interesses brasileiros? Se não há, os conspiracionistas as inventam. Para fornecer um caso concreto de conspiração contra o Brasil, o deputado recorre a um exemplo bastante atual (é ironia, por favor): o da apresentação que Luiz Piza Sobrinho, Secretário da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, redigiu para o livro “A guerras secreta pelo Algodão”, de Anton Zischka, lançado em 1936.
Mais outro exemplo: “Se a agricultura, aos olhos das Ongs, é uma atividade agressora ao meio ambiente, e se os Estados Unidos têm uma produção de grãos quase quatro vezes superior à nossa, é de se supor que, por lógica, agridam muito mais a natureza. Por que, então, as Ongs internacionais que promovem a tentativa de aniquilamento da ampliação da agricultura brasileira não se movem contra a pretensa agressão da agricultura norte-americana à natureza?”
O deputado não está mesmo a par dos acontecimentos e da literatura atuais, porque não saiu do passado. A grande pesquisadora norte-americana Rachel Carson foi a primeira a denunciar o uso de agrotóxicos na agricultura dos Estados Unidos. Nas várias reuniões do G-8 e do G-20, manifestantes de todos os países se reúnem para protestar contra a dominação dos ricos sobre os pobres e das potências capitalistas sobre a natureza. De mais a mais, por que não considerar que a luta em defesa dos biomas brasileiros não é uma campanha a favor dos países dominantes, mas um movimento que reconhece a importância ecológica deles?
No entanto, Aldo Rebelo continua sua ladainha: “Embora ocupe uma modesta quinta posição no mundo, a produção brasileira encontrou no Cerrado um campo fértil para sua expansão e, em igual intensidade e sentido contrário, a oposição das Ongs (...) Nossa obrigação em defender o meio ambiente e os direitos sociais do nosso povo é algo que devemos assumir sem vestir a carapuça que tentam nos impor.” O Deputado quer dizer que a defesa do ambiente por movimentos mundialistas mascara os interesses econômicos das potências do norte. Para ele, o explícito nunca é o verdadeiro. Apenas o implícito. Neste sentido, é lícito acreditar que o nacionalismo socialista de Aldo Rebelo é apenas uma carapuça que os latifundiários e as grandes corporações transnacionais, ambos os grupos interessados na destruição do Cerrado e de outros biomas brasileiros, pediram que o Deputado usasse. Sim, porque a luta dos ambientalistas para defender a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e a Mata Atlântica é também a luta em defesa dos pequenos agricultores contra os latifundiários e as transnacionais das sementes, dos transgênicos, dos agrotóxicos e dos implementos agrícolas pesados.
Não se nega a concorrência desleal dos ricos contra os pobres, mas não se pode reduzir a complexidade da questão a esta concorrência. Repito: os inimigos do Brasil estão lá fora, mas aqui dentro também. Os amigos do Brasil estão aqui dentro, mas lá fora também. Contudo, a personalidade bipolar do Deputado simplifica o cenário atual ao ver todos os estrangeiros como inimigos e os nacionalistas brasileiros como amigos do Brasil.
Para terminar, esta proclamação da mais alta ignorância: “A proteção das agriculturas nacionais contra competidores externos e as guerras comerciais motivadas pela agricultura são fatos tão antigos quanto a história humana.” Aqui, o desconhecimento é de cunho histórico, algo imperdoável para um marxista, que recorre sistematicamente à história para embasar suas teses. A ciência considera o “Sahelanthropus tchadensis" como o mais antigo ancestral do “Homo sapiens”, tendo vivido há cerca de sete milhões de anos antes do presente. O próprio “Homo sapiens” emergiu por volta de 200 mil anos antes do presente. A agricultura e o pastoreio só foram inventados há dez mil anos. Vale dizer, a grande humanidade viveu seis milh ões novecentos e noventa mil anos coletando, pescando e caçando. Só muito recentemente inventou o agropastoreio. Como, então, as guerras comerciais motivadas pela agricultura são tão antigas quanto a historia humana?
Em seu parecer ao relatório sobre a reforma do Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo, do PCdoB/SP, ainda discorre sobre a Amazônia como santuário e sobre a questão climática, sempre se valendo de autores do passado e completamente descontextualizado da discussão atual acerca do aquecimento global. Não vale a pena comentar o final do documento, pois tudo o que já foi dito nesta longa sequência de oito artigos bastou para concluirmos que o Deputado não foi a melhor escolha para a relatoria da Comissão.
Já é hora, pois, de encerrar. Em síntese, Aldo Rebelo é um humanista, um nacionalista e um socialista que parou no tempo. O humanismo ocidental, de origem judaico-cristã, tomou um grande impulso nos últimos quinhentos anos. À medida que se afirmava, foi excluindo a natureza como entidade orgânica imprescindível para a humanidade. Coisificada pelo racionalismo do século 17, a natureza passou à condição de estoque e de recurso, por um lado, e de lixeira, por outro. A arrogância deste humanismo, bem diferente do humanismo budista e taoísta, desembocou num antropocentrismo nunca visto antes, pois que, agora, associado à ciência e à tecnologia.
Como a lebre da fábula de Esopo, o humanismo ocidental gabou-se da sua capacidade de superar qualquer obstáculo que se lhe opusesse, correndo com velocidade para o sucesso. A lerda tartaruga, representando a natureza, ficou para trás. David Ehrenfeld e Michel Serres, autores que Aldo Rebelo nunca deve ter lido, denunciaram a arrogância do humanismo ocidental, não só por desdenhar a natureza como também pela sua contraprodutividade. Os pensadores liberais e socialistas incorporaram os valores humanistas, notadamente em sua concepção setecentista.
O resultado concreto foi: quanto mais humanismo, mais pobres e miseráveis num mundo globalizado pelo ocidente. As mentes mais livres e mais críticas, como a do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, tiveram coragem de tocar o dedo na ferida do humanismo: ele é insustentável ecologicamente. Chegou a vez da tartaruga ou dos répteis do romance “O sorriso do lagarto”, de João Ubaldo Ribeiro. Mas o Deputado continua defendendo um humanismo à moda antiga.
Aldo Rebelo é também nacionalista, concebendo os Estados nacionais de maneira ahistórica. A seu ver, parece que o nacionalismo nasceu com a humanidade. Ele entende o nacionalismo como uma arma de guerra contra outro nacionalismo ou como um fortim que protege o nacionalismo dos pobres contra o nacionalismo dos ricos. O ramo da civilização polinésia que floresceu na isolada Ilha de Páscoa pode ser tomado como um caso exemplar. A sociedade que ali se instalou dividiu-se em clãs, que não devem ser confundidos com Estados nacionalistas. Uma das mais poderosas armas da guerra entre os clãs era incendiar a floresta do inimigo. O exemplo é bastante pertinente para o Deputado, que defende a redução das Áreas de Preservação Permanente e o fi m das Reservas Legais alegando que a Europa e os Estados Unidos devastaram suas florestas e não contam com este tipo de proteção, como no Brasil. Ele brada com alarido que o relatório de Shari Friedman, da David Gardiner & Associates, intitulado “Fazendas aqui e florestas lá” (http:/adpartners.org/agriculture), é um complô contra os países do sul ainda com extensas áreas de florestas. Mas, parece que sua resposta é “Destruição de florestas lá, destruição de florestas aqui também”, tal qual fizeram os pascoanos, que arrasaram a ilha.
Serres faz uma leitura riquíssima do quadro “Duelo com bastões”, de Goya. Na tela, dois homens travam uma luta com bastões sobre um pântano. Enquanto eles combatem, o pântano os traga. Não importa que vença, pois ambos serão engolidos pela natureza. Serres faz esta leitura para mostrar a necessidade de um contrato entre humanidade e natureza, para além do contrato social. O quadro mostra também as consequências das guerras entre países: cortes profundos na natureza, mortes desmesuradas, crise social. Já passou da hora de repensarmos o nacionalismo. Não há mais lugar para a soberania absoluta. Cada Estado Nacional deve usar seus direitos para restaurar, revitalizar e proteger seus ecossistemas. A melhor maneira de afastar a cobiça do outro é não destruindo como o outro, mas salvaguardando.
Por fim, o socialismo de Aldo Rebelo é parecido com uma fábula que está se propondo aqui. Há uma espécie de caruncho que ataca o trigo e se reproduz rapidamente. Alcançado o limite de alimento para todos eles, cada um começa a expelir uma substância tóxica que mata o outro, mas, no final, todos morrem. Trata-se de uma parábola sobre o individualismo capitalista.
Diante dela, os cupins, com sua sociedade organizada e cooperativa, condenariam o comportamento de guerra generalizada entre os indivíduos, como o pensador inglês Thomas Hobbes concebeu a humanidade antes do contrato social. Porém, se a organização social suspende a guerra generalizada e institui uma sociedade cooperativa e rigidamente organizada, como a dos cupins, no final, ela é também insustentável ecologicamente. Os carunchos capitalistas e os cupins socialistas destroem a natureza que os sustenta. É o caso do cupim Aldo Rebelo.
"Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele - isso é algo que sempre deveríamos ter presente".
Claude Lévi-Strauss.
A VOZ DO CORPO!
A VOZ DO CORPO
Alguns sintomas do nosso corpo podem ser um alerta para a raiz de um problema ligado a crenças e ao desequilíbrio emocional.
"Quando a boca cala, o corpo fala. Quando a boca fala, o corpo sara."
É interessante este alerta colocado na porta de um espaço terapêutico. Muitas vezes, o resfriado escorre quando o corpo não chora.
A dor de garganta entope quando não é possível comunicar as aflições.
O estômago arde quando a raiva não consegue sair.
O diabetes invade quando a solidão dói.
O corpo engorda quando a insatisfação aperta.
A dor de cabeça deprime quando as dúvidas aumentam.
A alergia aparece quando o perfeccionismo fica intolerável.
A dor no ombro sinaliza o excesso de fardos e de obrigações.
As unhas quebram quando as defesas ficam ameaçadas.
O peito aperta quando o orgulho escraviza.
A pressão sobe quando o medo aprisiona.
As neuroses paralisam quando a criança interna tiraniza.
A febre esquenta quando as defesas detonam as fronteiras da imunidade.
O coração desiste quando o sentido da vida parece terminar.
E as tuas dores caladas? Como elas falam no teu corpo?
Mas, cuidado... Escolha o que falar, com quem falar, onde, quando e como!
Crianças é que contam tudo para todos, a qualquer hora, de qualquer forma.
Passar relatório é ingenuidade.
Escolha alguém que possa lhe ajudar a organizar as idéias, harmonizar as sensações e recuperar a alegria.
Todos precisam saudavelmente de um ouvinte interessado. Mas tudo depende, principalmente, do nosso esforço pessoal para fazer acontecer às mudanças na nossa vida!
O Corpo Fala
Quando a boca cala, o corpo fala. Quando a boca fala, o corpo sara. Eis um ditado que mostra, de forma simples, a importância de verbalizar o que sentimos e pensamos, pois o que não é expresso tende, mais cedo ou mais tarde, a afetar nosso bem-estar e até nosso estado de alma.
Segundo o psicólogo Waldemar Magaldi Filho, professor da Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo, ao entrar em contato com seu colorido interior, dispondo-se a abrir e a contar suas experiências, sejam elas boas ou ruins, muito do que foi vivenciado pela pessoa se ilumina.
"Narrando os fatos, percebemos que eles talvez não sejam tão negativos quanto pensávamos, que a raiva que alguém despertou em nós diminuiu, que o trauma que sofremos já não assusta tanto, que nossas vitórias foram mais importantes do que pareciam", explica o especialista.
Da mesma maneira, o que a princípio foi visto como algo trágico pode, com o passar do tempo, se revelar em uma grande oportunidade de crescimento. "Isso é o que chamamos de re-significar, ou seja, atribuir um novo sentido às coisas", completa.
O ato de falar sobre si mesmo é a base da psicoterapia, mas não é só no consultório que isso traz benefícios. Aliás, o simples fato de compartilhar as próprias idéias com alguém faz um bem danado. E, se você não tem para quem falar, escreva", recomenda Waldemar.
Alguns sintomas do nosso corpo podem ser um alerta para a raiz de um problema ligado a crenças e ao desequilíbrio emocional.
"Quando a boca cala, o corpo fala. Quando a boca fala, o corpo sara."
É interessante este alerta colocado na porta de um espaço terapêutico. Muitas vezes, o resfriado escorre quando o corpo não chora.
A dor de garganta entope quando não é possível comunicar as aflições.
O estômago arde quando a raiva não consegue sair.
O diabetes invade quando a solidão dói.
O corpo engorda quando a insatisfação aperta.
A dor de cabeça deprime quando as dúvidas aumentam.
A alergia aparece quando o perfeccionismo fica intolerável.
A dor no ombro sinaliza o excesso de fardos e de obrigações.
As unhas quebram quando as defesas ficam ameaçadas.
O peito aperta quando o orgulho escraviza.
A pressão sobe quando o medo aprisiona.
As neuroses paralisam quando a criança interna tiraniza.
A febre esquenta quando as defesas detonam as fronteiras da imunidade.
O coração desiste quando o sentido da vida parece terminar.
E as tuas dores caladas? Como elas falam no teu corpo?
Mas, cuidado... Escolha o que falar, com quem falar, onde, quando e como!
Crianças é que contam tudo para todos, a qualquer hora, de qualquer forma.
Passar relatório é ingenuidade.
Escolha alguém que possa lhe ajudar a organizar as idéias, harmonizar as sensações e recuperar a alegria.
Todos precisam saudavelmente de um ouvinte interessado. Mas tudo depende, principalmente, do nosso esforço pessoal para fazer acontecer às mudanças na nossa vida!
O Corpo Fala
Quando a boca cala, o corpo fala. Quando a boca fala, o corpo sara. Eis um ditado que mostra, de forma simples, a importância de verbalizar o que sentimos e pensamos, pois o que não é expresso tende, mais cedo ou mais tarde, a afetar nosso bem-estar e até nosso estado de alma.
Segundo o psicólogo Waldemar Magaldi Filho, professor da Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo, ao entrar em contato com seu colorido interior, dispondo-se a abrir e a contar suas experiências, sejam elas boas ou ruins, muito do que foi vivenciado pela pessoa se ilumina.
"Narrando os fatos, percebemos que eles talvez não sejam tão negativos quanto pensávamos, que a raiva que alguém despertou em nós diminuiu, que o trauma que sofremos já não assusta tanto, que nossas vitórias foram mais importantes do que pareciam", explica o especialista.
Da mesma maneira, o que a princípio foi visto como algo trágico pode, com o passar do tempo, se revelar em uma grande oportunidade de crescimento. "Isso é o que chamamos de re-significar, ou seja, atribuir um novo sentido às coisas", completa.
O ato de falar sobre si mesmo é a base da psicoterapia, mas não é só no consultório que isso traz benefícios. Aliás, o simples fato de compartilhar as próprias idéias com alguém faz um bem danado. E, se você não tem para quem falar, escreva", recomenda Waldemar.
QUATRO RIOS UNIDOS CONTRA AS MONSTROS-HIDRELÉTRICAS.
Quatro rios unidos contra as ‘monstro-hidrelétricas’
01/09/2010 | CIMI/IHU
Emocionante, é como Telma Monteiro define a realização do I Encontro dos Povos e Comunidades Atingidas e Ameaçadas por grandes projetos de infraestrutura, nas bacias dos rios da Amazônia: Madeira, Tapajós, Tele Pires e Xingu, que aconteceu na cidade de Itaituba, no Pará. Mais de 600 pessoas, entre elas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, e também pequenos agricultores e representantes de organizações não governamentais, estiveram presentes no evento, que conseguiu construir o manifesto contra Belo Monte e estabelecer "uma aliança dos povos, das etnias, das comunidades e populações tradicionais". A ambientalista participou do encontro, onde falou sobre as ações judiciais contra a construção da Usina de Belo Monte e, depois, concedeu, por telefone, a entrevista a seguir à IHU On-Line.
Telma diz que o encontro proporcionou ainda que se firmasse "um compromisso de luta e de resistência contra esses projetos que foram construídos sem consultar a sociedade". Alguns grupos e povos viajaram até 12 horas para poder participar das discussões e debates em torno das obras que vão influenciar a vida de quem depende dos rios Tapajós, Xingu, Teles Pires e Madeira. Encantada com a dedicação do povo indígena Munduruku, ela explica que o discurso deles é de que só sairão de seu espaço original mortos. "Esse povo está fazendo um esforço de concentração que me surpreendeu tanto nesses dias. A disciplina dele era tão grande que, quando você começava a explicar as coisas, seus membros ficavam tão vidrados para aprender, para ter alguma forma de conhecimento, de informação, e, assim, poderem lutar contra essas ameaças", afirma.
Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais foram suas impressões do encontro em Itaituba?
Telma Monteiro - Foi surpreendente, emocionante. Estavam presentes no Parque de Exposições de Itaituba mais de 600 pessoas, representantes das etnias indígenas de Rondônia, do Pará, do Mato Grosso, dos rios Madeira, Tapajó, Teles Pires e Xingu. Estavam presentes os Munduruku, a etnia que sofrerá um grande impacto com as hidrelétricas do rio Tapajós, também tinha representantes dos ribeirinhos, dos agricultores familiares, das comunidades quilombolas. O mais interessante de tudo é que eles estavam tão ávidos por informações, estavam atentos às apresentações.
No primeiro dia (25) do encontro, houve um ato na beira do rio Tapajós na instalação do evento; e, no dia seguinte, começaram os trabalhos. Logo cedo nós tivemos duas mesas com apresentações de especialistas do Ministério Público. Eu apresentei, junto com o procurador Felício Pontes, sobre as ações judiciais de Belo Monte e fizemos um contraponto mostrando as singularidades das inconsistências do processo de licenciamento tanto de Belo Monte como do Madeira. Conseguimos, assim, mostrar, inclusive, como o governo age de forma igual para passar o verdadeiro trator por cima de comunidades, de povos indígenas, da biodiversidade. Os indígenas, principalmente, fizeram muitas perguntas depois das exposições. Percebe-se que eles estão sedentos por informações, para que possam cada vez mais confirmar realmente que estão sendo violentados e que seus direitos estão sendo violados.
Com isso, fizemos uma representação ao Ministério Público Federal sobre três pontos importantes no processo de licenciamento que violam as leis ambientais e aproveitamos que estavam todas as organizações e associações presentes para que esse documento fosse assinado e se tornasse mais forte. No dia 27, nós fizemos um manifesto chamado de Carta dos 4 Rios. Após as 14 horas, todos foram para a cidade de Itaituba e começamos uma caminhada em defesa da vida a partir da Praça do Povo, e caminhamos cinco quilômetros e meio pelas ruas da cidade.
E encerramos essa caminhada na beira do rio Tapajós com um lindo abraço simbólico. Nós paramos a cidade; as pessoas ficaram muito atentas com o que estava sendo falado. Assim, mais de 700 pessoas participaram da caminhada, foi muito bonito. O sol era escaldante, o dia estava muito quente, mas todos estavam lá, os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, os agricultores familiares, os representantes das organizações não governamentais.
IHU On-Line - O editorial da Rádio Rural de Santarém diz que a ausência dos habitantes de Itaituba no primeiro dia do evento foi algo surpreendente. O que aconteceu?
Telma Monteiro - Nós, de fora, não percebemos essa ausência, até porque eram tantos os participantes. Tinha gente da região de Rondônia, Belém, Altamira... Mas, realmente, agora você está me chamando atenção para este fato e percebo que houve uma ausência dos representantes da sociedade de Itaituba. Durante a minha estada nesta localidade, eu conversei com algumas pessoas, com motoristas de táxi, por exemplo, que me afirmaram categoricamente que são contra as hidrelétricas planejadas para Tapajós. Conversei com o dono de um supermercado que tinha recém inaugurado na Transamazônica e ele quis saber o que nós estávamos fazendo, queria saber detalhes e dizia que também não concordava com a construção das hidrelétricas. Então, é de se estranhar que as pessoas não tenham ido ao encontro. Eu tive a impressão que algumas participaram da caminhada em defesa da vida.
IHU On-Line - Deu para conversar com o povo da cidade?
Telma Monteiro - Consegui conversar com a dona do hotel, com os funcionários, com gente do restaurante e todos eles queriam saber o que estava acontecendo e, no final, todos tinham alguma coisa a dizer contra as hidrelétricas. Eu até entendo que a cidade estava vivendo uma pressão muito grande porque a nossa caminhada passou por vários comitês de candidatos. Nós estamos em meio a campanhas eleitorais e, talvez, eles tenham se sentido pressionados para não participarem disto de alguma forma. A presença mais acintosa de alguns políticos na região pode ter inibido um pouco a participação da sociedade de Itaituba. Algumas pessoas andaram de ônibus por até 12 horas para participar do evento. Foi uma grande surpresa e uma grande felicidade perceber que estavam todos unidos e dali saiu uma grande aliança para o enfrentamento destes projetos hidrelétricos na Amazônia. Não somente dos projetos hidrelétricos como das hidrovias, das linhas de transmissão. Nós falamos muito sobre isso, despertamos os participantes para os direitos e as ferramentas que eles têm, por exemplo, de representação no Ministério Público, de instâncias internacionais de direitos humanos. De lá saímos, inclusive, com a formação de um novo grupo de especialistas para analisar os procedimentos e os processos de licenciamentos de Tapajós e Teles Pires, nos quais eu também estarei presente.
IHU On-Line - Que povos indígenas estavam presentes no encontro?
Telma Monteiro - Os Munduruku foram os que tiveram uma presença mais maciça, estavam os Caritianas de Rondônia, e tinha povos indígenas do Xingu e do Tapajós.
IHU On-Line - Quem são os Munduruku e qual a importância deles para esse evento?
Telma Monteiro - Eu fiquei muito emocionada de encontrar o povo Munduruku. Eles têm toda uma relação com os rios, principalmente com os da Amazônia, porque a vida deles gira em torno do rio. Todos os eventos, por exemplo, das mulheres Munduruku, que são muito bonitas, mulheres lindas, são ligados tradicionalmente ao rio Tapajós, principalmente. O paraíso no rio Tapajós, com uma série de 99 cachoeiras e corredeiras, é como se fosse um palco sagrado para cantos e danças das mulheres Mundurukus. E isso tudo está sendo ameaçado. Eles acreditavam que o seu Deus tão poderoso transformaria homens em animais, protegeria os Mundurukus da caça, da pesca ou do ataque ao seu rio e teriam com segurança a preservação da natureza e da sua sobrevivência.
Agora, com o planejamento das hidrelétricas no rio Tapajós, esse território sagrado está totalmente ameaçado. Quem ousaria, segundo os Mundurukus, ameaçar aquilo que o deus deles criou para sua felicidade? Esse povo está fazendo um esforço de concentração que me surpreendeu tanto nesses dias. A disciplina dele era tão grande que, quando você começava a explicar as coisas, eles ficavam tão vidrados para aprender, para ter alguma forma de conhecimento, de informação, e, assim, poderem lutar contra essas ameaças. O depoimento deles é: "nós só vamos sair daqui mortos".
IHU On-Line - Qual é a presença do governo na região?
Telma Monteiro - É esse o grande problema. Itaituba não tem saneamento básico, não tem água tratada, o esgoto corre a céu aberto. No entanto, a cidade toda é coberta por sinal de internet. Você senta na praça, pega um notebook e está ligado. Tem sinal wireless na cidade inteira. Aí você vê a discrepância. O papel do estado não está sendo cumprido porque essas pessoas têm um problema sério com relação ao saneamento básico. Existe uma inversão de funções, o papel do governo seria o de criar formas para resolver os problemas da população. No entanto, o que o governo faz? Cria formas de resolver o caixa de grandes empreiteiras.
IHU On-Line - Você acha que o encontro atingiu seus objetivos principais?
Telma Monteiro - Nós ficamos muito satisfeitos, pois foi uma das poucas vezes que vimos algo tão positivo e tão produtivo. Nós conseguimos fazer o manifesto contra Belo Monte, assim como uma aliança dos povos, das etnias, das comunidades e populações tradicionais e, assim, firmar um compromisso de luta e de resistência contra esses projetos que foram construídos sem consultar a sociedade. Agora, pretendemos levar esse encontro para outros locais que também poderão ser afetados com esses projetos.
Fonte: CIMI
www.revistamissoes.org.br
01/09/2010 | CIMI/IHU
Emocionante, é como Telma Monteiro define a realização do I Encontro dos Povos e Comunidades Atingidas e Ameaçadas por grandes projetos de infraestrutura, nas bacias dos rios da Amazônia: Madeira, Tapajós, Tele Pires e Xingu, que aconteceu na cidade de Itaituba, no Pará. Mais de 600 pessoas, entre elas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, e também pequenos agricultores e representantes de organizações não governamentais, estiveram presentes no evento, que conseguiu construir o manifesto contra Belo Monte e estabelecer "uma aliança dos povos, das etnias, das comunidades e populações tradicionais". A ambientalista participou do encontro, onde falou sobre as ações judiciais contra a construção da Usina de Belo Monte e, depois, concedeu, por telefone, a entrevista a seguir à IHU On-Line.
Telma diz que o encontro proporcionou ainda que se firmasse "um compromisso de luta e de resistência contra esses projetos que foram construídos sem consultar a sociedade". Alguns grupos e povos viajaram até 12 horas para poder participar das discussões e debates em torno das obras que vão influenciar a vida de quem depende dos rios Tapajós, Xingu, Teles Pires e Madeira. Encantada com a dedicação do povo indígena Munduruku, ela explica que o discurso deles é de que só sairão de seu espaço original mortos. "Esse povo está fazendo um esforço de concentração que me surpreendeu tanto nesses dias. A disciplina dele era tão grande que, quando você começava a explicar as coisas, seus membros ficavam tão vidrados para aprender, para ter alguma forma de conhecimento, de informação, e, assim, poderem lutar contra essas ameaças", afirma.
Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infraestrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais foram suas impressões do encontro em Itaituba?
Telma Monteiro - Foi surpreendente, emocionante. Estavam presentes no Parque de Exposições de Itaituba mais de 600 pessoas, representantes das etnias indígenas de Rondônia, do Pará, do Mato Grosso, dos rios Madeira, Tapajó, Teles Pires e Xingu. Estavam presentes os Munduruku, a etnia que sofrerá um grande impacto com as hidrelétricas do rio Tapajós, também tinha representantes dos ribeirinhos, dos agricultores familiares, das comunidades quilombolas. O mais interessante de tudo é que eles estavam tão ávidos por informações, estavam atentos às apresentações.
No primeiro dia (25) do encontro, houve um ato na beira do rio Tapajós na instalação do evento; e, no dia seguinte, começaram os trabalhos. Logo cedo nós tivemos duas mesas com apresentações de especialistas do Ministério Público. Eu apresentei, junto com o procurador Felício Pontes, sobre as ações judiciais de Belo Monte e fizemos um contraponto mostrando as singularidades das inconsistências do processo de licenciamento tanto de Belo Monte como do Madeira. Conseguimos, assim, mostrar, inclusive, como o governo age de forma igual para passar o verdadeiro trator por cima de comunidades, de povos indígenas, da biodiversidade. Os indígenas, principalmente, fizeram muitas perguntas depois das exposições. Percebe-se que eles estão sedentos por informações, para que possam cada vez mais confirmar realmente que estão sendo violentados e que seus direitos estão sendo violados.
Com isso, fizemos uma representação ao Ministério Público Federal sobre três pontos importantes no processo de licenciamento que violam as leis ambientais e aproveitamos que estavam todas as organizações e associações presentes para que esse documento fosse assinado e se tornasse mais forte. No dia 27, nós fizemos um manifesto chamado de Carta dos 4 Rios. Após as 14 horas, todos foram para a cidade de Itaituba e começamos uma caminhada em defesa da vida a partir da Praça do Povo, e caminhamos cinco quilômetros e meio pelas ruas da cidade.
E encerramos essa caminhada na beira do rio Tapajós com um lindo abraço simbólico. Nós paramos a cidade; as pessoas ficaram muito atentas com o que estava sendo falado. Assim, mais de 700 pessoas participaram da caminhada, foi muito bonito. O sol era escaldante, o dia estava muito quente, mas todos estavam lá, os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, os agricultores familiares, os representantes das organizações não governamentais.
IHU On-Line - O editorial da Rádio Rural de Santarém diz que a ausência dos habitantes de Itaituba no primeiro dia do evento foi algo surpreendente. O que aconteceu?
Telma Monteiro - Nós, de fora, não percebemos essa ausência, até porque eram tantos os participantes. Tinha gente da região de Rondônia, Belém, Altamira... Mas, realmente, agora você está me chamando atenção para este fato e percebo que houve uma ausência dos representantes da sociedade de Itaituba. Durante a minha estada nesta localidade, eu conversei com algumas pessoas, com motoristas de táxi, por exemplo, que me afirmaram categoricamente que são contra as hidrelétricas planejadas para Tapajós. Conversei com o dono de um supermercado que tinha recém inaugurado na Transamazônica e ele quis saber o que nós estávamos fazendo, queria saber detalhes e dizia que também não concordava com a construção das hidrelétricas. Então, é de se estranhar que as pessoas não tenham ido ao encontro. Eu tive a impressão que algumas participaram da caminhada em defesa da vida.
IHU On-Line - Deu para conversar com o povo da cidade?
Telma Monteiro - Consegui conversar com a dona do hotel, com os funcionários, com gente do restaurante e todos eles queriam saber o que estava acontecendo e, no final, todos tinham alguma coisa a dizer contra as hidrelétricas. Eu até entendo que a cidade estava vivendo uma pressão muito grande porque a nossa caminhada passou por vários comitês de candidatos. Nós estamos em meio a campanhas eleitorais e, talvez, eles tenham se sentido pressionados para não participarem disto de alguma forma. A presença mais acintosa de alguns políticos na região pode ter inibido um pouco a participação da sociedade de Itaituba. Algumas pessoas andaram de ônibus por até 12 horas para participar do evento. Foi uma grande surpresa e uma grande felicidade perceber que estavam todos unidos e dali saiu uma grande aliança para o enfrentamento destes projetos hidrelétricos na Amazônia. Não somente dos projetos hidrelétricos como das hidrovias, das linhas de transmissão. Nós falamos muito sobre isso, despertamos os participantes para os direitos e as ferramentas que eles têm, por exemplo, de representação no Ministério Público, de instâncias internacionais de direitos humanos. De lá saímos, inclusive, com a formação de um novo grupo de especialistas para analisar os procedimentos e os processos de licenciamentos de Tapajós e Teles Pires, nos quais eu também estarei presente.
IHU On-Line - Que povos indígenas estavam presentes no encontro?
Telma Monteiro - Os Munduruku foram os que tiveram uma presença mais maciça, estavam os Caritianas de Rondônia, e tinha povos indígenas do Xingu e do Tapajós.
IHU On-Line - Quem são os Munduruku e qual a importância deles para esse evento?
Telma Monteiro - Eu fiquei muito emocionada de encontrar o povo Munduruku. Eles têm toda uma relação com os rios, principalmente com os da Amazônia, porque a vida deles gira em torno do rio. Todos os eventos, por exemplo, das mulheres Munduruku, que são muito bonitas, mulheres lindas, são ligados tradicionalmente ao rio Tapajós, principalmente. O paraíso no rio Tapajós, com uma série de 99 cachoeiras e corredeiras, é como se fosse um palco sagrado para cantos e danças das mulheres Mundurukus. E isso tudo está sendo ameaçado. Eles acreditavam que o seu Deus tão poderoso transformaria homens em animais, protegeria os Mundurukus da caça, da pesca ou do ataque ao seu rio e teriam com segurança a preservação da natureza e da sua sobrevivência.
Agora, com o planejamento das hidrelétricas no rio Tapajós, esse território sagrado está totalmente ameaçado. Quem ousaria, segundo os Mundurukus, ameaçar aquilo que o deus deles criou para sua felicidade? Esse povo está fazendo um esforço de concentração que me surpreendeu tanto nesses dias. A disciplina dele era tão grande que, quando você começava a explicar as coisas, eles ficavam tão vidrados para aprender, para ter alguma forma de conhecimento, de informação, e, assim, poderem lutar contra essas ameaças. O depoimento deles é: "nós só vamos sair daqui mortos".
IHU On-Line - Qual é a presença do governo na região?
Telma Monteiro - É esse o grande problema. Itaituba não tem saneamento básico, não tem água tratada, o esgoto corre a céu aberto. No entanto, a cidade toda é coberta por sinal de internet. Você senta na praça, pega um notebook e está ligado. Tem sinal wireless na cidade inteira. Aí você vê a discrepância. O papel do estado não está sendo cumprido porque essas pessoas têm um problema sério com relação ao saneamento básico. Existe uma inversão de funções, o papel do governo seria o de criar formas para resolver os problemas da população. No entanto, o que o governo faz? Cria formas de resolver o caixa de grandes empreiteiras.
IHU On-Line - Você acha que o encontro atingiu seus objetivos principais?
Telma Monteiro - Nós ficamos muito satisfeitos, pois foi uma das poucas vezes que vimos algo tão positivo e tão produtivo. Nós conseguimos fazer o manifesto contra Belo Monte, assim como uma aliança dos povos, das etnias, das comunidades e populações tradicionais e, assim, firmar um compromisso de luta e de resistência contra esses projetos que foram construídos sem consultar a sociedade. Agora, pretendemos levar esse encontro para outros locais que também poderão ser afetados com esses projetos.
Fonte: CIMI
www.revistamissoes.org.br
QUE DIALOGUEM OS DEUSES!
Que dialoguem os deuses
01/09/2010 | Egon Heck *
A vida parece fluir normalmente na secura de Dourados. Porém nela se movem mais de uma centena de pesquisadores de quinze países de três continentes. Eles estão aprofundando vários aspectos da historio de luta e ocupação-invação do continente americano, da Abya Yala ameríndia. É uma história, geralmente marcada pelo conflito, pelas lutas, pelos massacres, pela destruição e dominação em nome de sua magestade o rei e um Deus salvador. Estabeleceu-se neste continente uma guerra santa e continuada, em que os deuses invadidos buscaram seus espaços de sobrevivência, sem se deixarem dominar ou destruir. Procuraram dialogar e se adequar às novas realidades que o processo dominante foi impondo. Hoje esse processo, no qual as reduções jesuíticas tem um importante e contraditório lugar, vai sendo desvendado. Os povos originários e os trazidos ou atraídos a esse continente forçaram e continuam forçando um amplo diálogo, não apenas de culturas, histórias, e processos de civilizações diversas, mas também exigem o dialogo de seus deuses e expressões religiosas. Daí resulta hoje o complexo quadro de sincretismo, ecumenismo e diálogo das religiões e suas variadas expressões, formas, teologias, fundamentações e perspectivas.
Em Dourados se propicia um desses espaços de diálogo e reflexão, na 13ª Jornada internacional sobre missões jesuíticas: fronteiras e identidades. Povos indígenas e missões religiosas.
Enquanto isso, não muito longe do privilegiado espaço de debate, na Universidade Fedeeral da Grande Dourados, uma comunidade Kaiowá Guarani, continua submetido aos rigores de uma mentalidaade colonialista de negação à sua terra e vida. Trata-se da comunidade de Ypao'i. Reproduzo seu clamor num comunicado dirigido ao Ministério Público pelo Conselho da Aty Guasu, que é a instância de articulação do povo Kaiowá Guarani.
Ypo'i - ação genocida contra uma comunidade Guarani
"Consegui fugir do cerco dos jagunços, de noite. Vim para clamar por socorro pois nossas crianças estão adoecendo e as estradas estão fechadas. É urgente que a Funasa venha atender nossa gente doente."
Esse pedido de socorro feito por uma das lideranças ao Ministério Público de Ponta Porã reforça a solicitação já feito anteriormente pela comunidade. Não é admissível que a justiça permaneça calada, diante de tamanha injustiça. Não é possível que o governo se omita diante dessa ação genocida contra uma comunidade indígena que busca encontrar o corpo do professor Rolindo sumido (e possivelmente assassinado) e ocultado há mais de trezentos dias. É uma afronta à Constituição e legislação internacional, negar a terra tradicional a uma comunidade indígena e mais ainda impedir o acesso aos próprios órgãos do governo encarregados da proteção e atendimento à saúde da população indígena.
Enquanto Dourados é palco de um grande evento internacional, com representantes de 15 países de três continentes, na "13ª Jornada internacional sobre as missões jesuíticas: Fronteiras e Identidades - Povos Indígenas e Missões Religiosas", nessa mesma região do cone sul do Mato Grosso do Sul, comunidades indígenas Kiaowá Guarani, como Ypo'i, continuam privadas de sua condição essencial para a sobrevivência - a terra.
Na recente visita do Presidente Lula, em conversa com as lideranças indígenas, ele reafirmou a promessa de antes do final de seu mandato resolver o crucial problema da demarcação das terras. Conforme o artigo 231 da Constituição, as terras tradicionais das comunidades indígenas lhes pertencem de direito originário, cabendo ao governo demarcá-las e protegê-las. É isso que espera a comunidade do Ypo'i e mais de quarenta mil Kaiowá Guarani e vinte e cinco mil Terenas que também continuam confinados em pequenos expeça de terra.
O Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani clama por urgente ação do Ministério Público Federal e da justiça para que a comunidade seja atendida pela Funasa e pela FUNAI."
Não é possível ficar impassível diante desse clamor. Não é possível ficar debatendo processos históricos se não nos comprometemos com as vidas ameaçadas de hoje. Que todas as forças, que todos os deuses dialoguem e se unam para dar propiciar condições de bem viver a todos os povos.
* Egon Heck, Movimento Povo Guarani, Grande Povo.
Fonte: CIMI MS
www.revistamissoes.org.br
01/09/2010 | Egon Heck *
A vida parece fluir normalmente na secura de Dourados. Porém nela se movem mais de uma centena de pesquisadores de quinze países de três continentes. Eles estão aprofundando vários aspectos da historio de luta e ocupação-invação do continente americano, da Abya Yala ameríndia. É uma história, geralmente marcada pelo conflito, pelas lutas, pelos massacres, pela destruição e dominação em nome de sua magestade o rei e um Deus salvador. Estabeleceu-se neste continente uma guerra santa e continuada, em que os deuses invadidos buscaram seus espaços de sobrevivência, sem se deixarem dominar ou destruir. Procuraram dialogar e se adequar às novas realidades que o processo dominante foi impondo. Hoje esse processo, no qual as reduções jesuíticas tem um importante e contraditório lugar, vai sendo desvendado. Os povos originários e os trazidos ou atraídos a esse continente forçaram e continuam forçando um amplo diálogo, não apenas de culturas, histórias, e processos de civilizações diversas, mas também exigem o dialogo de seus deuses e expressões religiosas. Daí resulta hoje o complexo quadro de sincretismo, ecumenismo e diálogo das religiões e suas variadas expressões, formas, teologias, fundamentações e perspectivas.
Em Dourados se propicia um desses espaços de diálogo e reflexão, na 13ª Jornada internacional sobre missões jesuíticas: fronteiras e identidades. Povos indígenas e missões religiosas.
Enquanto isso, não muito longe do privilegiado espaço de debate, na Universidade Fedeeral da Grande Dourados, uma comunidade Kaiowá Guarani, continua submetido aos rigores de uma mentalidaade colonialista de negação à sua terra e vida. Trata-se da comunidade de Ypao'i. Reproduzo seu clamor num comunicado dirigido ao Ministério Público pelo Conselho da Aty Guasu, que é a instância de articulação do povo Kaiowá Guarani.
Ypo'i - ação genocida contra uma comunidade Guarani
"Consegui fugir do cerco dos jagunços, de noite. Vim para clamar por socorro pois nossas crianças estão adoecendo e as estradas estão fechadas. É urgente que a Funasa venha atender nossa gente doente."
Esse pedido de socorro feito por uma das lideranças ao Ministério Público de Ponta Porã reforça a solicitação já feito anteriormente pela comunidade. Não é admissível que a justiça permaneça calada, diante de tamanha injustiça. Não é possível que o governo se omita diante dessa ação genocida contra uma comunidade indígena que busca encontrar o corpo do professor Rolindo sumido (e possivelmente assassinado) e ocultado há mais de trezentos dias. É uma afronta à Constituição e legislação internacional, negar a terra tradicional a uma comunidade indígena e mais ainda impedir o acesso aos próprios órgãos do governo encarregados da proteção e atendimento à saúde da população indígena.
Enquanto Dourados é palco de um grande evento internacional, com representantes de 15 países de três continentes, na "13ª Jornada internacional sobre as missões jesuíticas: Fronteiras e Identidades - Povos Indígenas e Missões Religiosas", nessa mesma região do cone sul do Mato Grosso do Sul, comunidades indígenas Kiaowá Guarani, como Ypo'i, continuam privadas de sua condição essencial para a sobrevivência - a terra.
Na recente visita do Presidente Lula, em conversa com as lideranças indígenas, ele reafirmou a promessa de antes do final de seu mandato resolver o crucial problema da demarcação das terras. Conforme o artigo 231 da Constituição, as terras tradicionais das comunidades indígenas lhes pertencem de direito originário, cabendo ao governo demarcá-las e protegê-las. É isso que espera a comunidade do Ypo'i e mais de quarenta mil Kaiowá Guarani e vinte e cinco mil Terenas que também continuam confinados em pequenos expeça de terra.
O Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani clama por urgente ação do Ministério Público Federal e da justiça para que a comunidade seja atendida pela Funasa e pela FUNAI."
Não é possível ficar impassível diante desse clamor. Não é possível ficar debatendo processos históricos se não nos comprometemos com as vidas ameaçadas de hoje. Que todas as forças, que todos os deuses dialoguem e se unam para dar propiciar condições de bem viver a todos os povos.
* Egon Heck, Movimento Povo Guarani, Grande Povo.
Fonte: CIMI MS
www.revistamissoes.org.br
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