segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Paulo Schilling

Paulo Schilling (1925-2012): Sem choro nem vela, foi-se o padrinho dos sem-terra

Morreu praticamente esquecido no final de janeiro no exílio paulistano o riopardense Paulo Schilling (1925-2012), uma das figuras mais ricas da história política gaúcha. Braço esquerdo do governador Leonel Brizola, ele tinha luz própria e jamais renunciou aos ideais nacionalistas de inspiração marxista, a despeito do colapso da maior parte das experiências comunistas do século XX.

A reportagem é de Geraldo Hasse e publicada pelo jornal Sul21, 12-02-2012.

Militante do extinto PTB, Schilling se atirou de peito aberto na luta pela reforma agrária em meados dos anos 1950, quando assumiu o papel de pai adotivo dos sem-terra da região de Encruzilhada do Sul, na Serra das Encantadas, onde exercia cargo técnico na Secretaria da Agricultura. Ali, na hoje chamada Metade Sul, dominada por grandes propriedades voltadas para a criação extensiva de gado, nasceu com a ajuda dele a primeira associação de trabalhadores rurais sem terra do Rio Grande do Sul, embrião do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), que chegou a mobilizar cerca de 200 mil famílias camponesas (pobres) gaúchas. Na mesma época, milhares de agricultores (remediados) criaram cooperativas agrícolas mais tarde reunidas na Fecotrigo. Schilling também participou diretamente do planejamento do projeto do Banhado do Colégio, em Camaquã, um dos marcos do governo Brizola — o outro foi a desapropriação da Bond & Share, empresa norte-americana de produção energia, indenizada com Cr$ 1 em favor da CEEE.

A maior parte do esforço de organização nas bases rurais foi destruído a partir de 1964 pelos governos militares, que mantiveram entretanto o incentivo ao cooperativismo, suplantado politicamente pela Farsul, que representa o capitalismo agrário gaúcho.

O movimento dos sem-terra renasceria na Metade Norte do RS no início dos anos 1980, quando Paulo Schillingacabara de voltar de 15 anos no exílio, primeiro em Montevideo e depois em Buenos Aires. O “Alemão” (como o tratava Brizola) já tinha então se afastado do ex-governador do Rio Grande do Sul, também exilado no Uruguai, onde tinha uma fazenda de criação de gado.

Os dois começaram a divergir em relação a apoiar ou não ações armadas contra a ditadura militar. O primeiro movimento foi a “viagem” do coronel Jéferson Cardim Osório, que saiu das Missões disposto a repetir os feitos daColuna Prestes, iniciada 40 anos antes em Santo Ângelo. Osório chegou ao Paraná antes de fugir do país.

A discórdia Brizola x Schlling se aprofundou em 1967, durante a guerrilha na Serra do Caparaó, na divisa dos estados de Minas, Rio e Espírito Santo. No meio do caminho, quando ficou claro que os revolucionários não teriam ajuda dos sitiantes serranos, Brizola mandou desativar o movimento. Além de retirar seu apoio, acabou sendo acusado posteriormente de não prestar contas de dólares recebidos de Cuba para financiar a revolução.

Schilling e Brizola não brigaram, mas se afastaram. De volta ao Brasil, enquanto Brizola criou o PDT, Schilling ajudou a fundar o PT. Sem disputar mandato eleitoral, PS fez política dentro da estrutura de poder, como um autêntico intelectual orgânico, mais apegado às próprias ideias do que ao pragmatismo político-partidário. Também não era de subir em palanque ou mesa de auditório. Só se pronunciava quando cutucado, daí talvez ter se tornado uma espécie de passageiro clandestino da história brasileira. Um passageiro privilegiado que chegou a estar ao lado dos condutores de um processo democrático truncado na primeira metade dos anos 1960.

Por tudo isso é difícil refazer seu perfil: além de naturalmente reservado, ele pouco se expunha, até mesmo desdenhava das possibilidades de sucesso na mídia ou na academia. Ironicamente, o padrinho dos sem-terras gaúchos chega ao final quase sem biografia. Como se um aluvião histórico tivesse enterrado a maior parte dos seus feitos, estudos e planos para mudar o panorama econômico do Rio Grande e do Brasil. É uma injustiça que precisa ser reparada, ainda mais que suas análises sobre a realidade agrária continuam válidas.

São dignos de nota, porém, o respeito e o carinho dos poucos jornalistas que o entrevistaram nos últimos 30 anos.Flavio Aguiar na Carta Maior e José Caldas Costa no Século Diário o reverenciaram, não apenas pela coerência intelectual, mas pela consistência de suas análises e propostas no âmbito do uso da terra no Brasil. “Era daqueles personagens temidos pelos tiranos de todos os tempos, porque sabia pensar”, resumiu o jornalista e professor de geografia Caldas Costa em sua coluna no www.seculodiario.com de Vitória.

Aos sobreviventes da corrida iniciada por Paulo Schilling na época da redemocratização do pós-Guerra, fica o desafio de levantar sua contribuição ao esforço pela justiça social. Ele escreveu mais de 30 livros e seu tema preferencial foi a questão da terra, mas sua obra mais importante é Como Se Coloca a Direita no Poder, uma crítica por dentro dogoverno Goulart, do qual ele participou como membro da tecnocracia empenhada na implantação de uma reforma agrária capitalista.

Isso ele deixou claro num depoimento dado em 1982 à revista da Fundação de Estatística e Economia (FEE), órgão da Secretaria do Planejamento do governo gaúcho. Dessa entrevista participaram Limeira Tejo, Claudio Accurso, Rubens Lima e Enéas de Souza. Dela foram pinçados trechos (da lavra de Paulo Schilling) que, transcritos abaixo, esclarecem episódios e fatos da história política do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Sobre a rivalidade Brizola x JK


Brizola tinha verdadeiro ódio do Juscelino, porque era sistemático: por melhor que fosse o projeto que saísse daqui (do Rio Grande), chegava lá (em Brasília) e não andava. Quer dizer, esse problema pessoal entre os dois, que pretendiam ser candidatos á Presidência, teve muito a ver com a sabotagem que sofreu o Estado, isso era uma ordem dentro do governo Juscelino, historicamente isso tem que ser dito.”

Sobre o colapso da triticultura gaúcha nos anos 1950

“Devido à política desenvolvimentista de Juscelino para industrializar o país a qualquer preço, sem considerar outros aspectos como o social e o nacional, haviam sido firmados os chamados Acordos do Trigo Norte-Americano. Os EUA estavam, na época, com 40 a 50 milhões de toneladas de trigo excedente, não havia sequer condições de armazenar este produto; eles o deixavam em pirâmides ao ar livre. Então, no que deve ter sido uma das maiores manobras de dumping do mundo capitalista, os EUA ofereceram, pela primeira vez na história, este trigo para ser pago em cruzeiros e não em dólares, com 40 anos de prazo. Nesta época, as lavouras de trigo do Rio Grande do Sul,Santa Catarina e, de forma incipiente, do Paraná já começavam a se desenvolver. Em 1956, a produção já alcançava 800 mil toneladas, quase a metade do consumo nacional. Logo, esta manobra americana praticamente liquidou a lavoura de trigo no Rio Grande do Sul. Imaginem, no meio de uma colheita, começar a chegar uma quantidade massiva de trigo americano. Certa vez, chegou a haver uma fila de 80 navios descarregando trigo no porto de Santos. Pois bem, isso alimentou aquele sentimento nacionalista que havia aqui no Estado. Esse movimento do trigo que evoluiu para a soja, e que pesa bastante mais nesse conjunto, passou a assumir uma característica de defesa também da nacionalidade. Foi um movimento nacionalista muito interessante, que começou a se estruturar organicamente. Com alguns companheiros, Danilo Romero, de Bagé, Alfredinho Westphalen, de Cruz Alta, Walter Graeff, de Carazinho, só para citar alguns, começamos a organizar as associações. Em primeiro lugar, as associações dos triticultores, exatamente para defender os interesses desse setor de classe; numa segunda etapa, partimos para a organização das cooperativas de trigo, iniciando então a FECOTRIGO que hoje é essa potência, mesmo com suas deformações, que é o problema do cooperativismo dentro do sistema capitalista.”

Reforma agrária, pivô da reação


“Naquele tempo, a grosso modo, a metade da terra do Rio Grande do Sul ainda estava sendo explorada de forma precária, via o latifúndio tradicional extensivo. Os dados que se tinha de comparação com a Argentina e com o Uruguai eram impressionantes. Então, fez-se a tentativa, por um lado, de modernizar a base da média propriedade industrializada nos moldes do sistema norte-americano e, por outro, de tratar de assegurar uma reestruturação da pequena propriedade, impedindo que ela legalmente se transformasse em minifúndio. Isso tudo surgiu num projeto de reforma agrária, que foi elaborado durante o período de Brochado da Rocha como primeiro-ministro, onde se modificavam totalmente os conceitos de minifúndio e latifúndio. Todos os projetos de reforma agrária anteriores que entraram no Congresso estabeleciam o latifúndio como uma propriedade de mais de 500 hectares. Nós alteramos isso, não estabelecendo nenhum limite. A base que se estabeleceu foi de que latifúndio é a propriedade que não produz aquilo que pode produzir.

Pois bem, aí surgiu toda aquela campanha, não mais a nível de Rio Grande do Sul, mas a nível nacional. Acho que a reforma agrária era fundamental por dois motivos: primeiro, é evidente, pelo motivo social, pois eram 12 milhões de camponeses sem terra; segundo, para aumentar a produtividade no campo. Entendia-se que somente se poderia avançar, dar um salto no processo de industrialização, se aumentasse aceleradamente a produção agrícola para gerar divisas que pudessem importar equipamentos e tecnologia. Ainda mais que a indústria estava em crise. No último ano do governo de João Goulart, por exemplo, o Produto Interno Bruto foi 1,5% menor do que o crescimento demográfico. Logo, era preciso criar novos mercados para a indústria nacional. Entretanto houve uma enorme reação e não foi feita a reforma agrária. O atual modelo econômico brasileiro é uma série de remendos, mas assenta-se fundamentalmente, no meu entender, em duas bases: no desenvolvimento com base em capitais forâneos, o que numa primeira etapa dá resultado, pois é como uma injeção que dá euforia; e na construção de uma moderna sociedade industrial, porém sobre as bases de uma sociedade agrária obsoleta, atrasada e antieconômica.

É preciso que se diga que, na época, nós não pensávamos em uma reforma agrária em termos socialistas e sim capitalistas. Ela objetivava racionalizar a produção no campo. Foi um projeto elaborado pelo Jader de Andrade, que foi secretário da Agricultura do Miguel Arraes, e por mim. Goulart acabou não mandando este projeto à Camara, mas ele foi apresentado, posteriormente, por Brizola e pela Frente Parlamentar Nacionalista.”

Brizola e Antônio Ermírio de Moraes

“Eu diria que Brizola tem um marco dentro de sua evolução ideológica. Hoje estamos em campos antagônicos. Acho que Brizola evoluiu de uma posição nacionalista popular reivindicatória para o velho populismo. Logo, se estou falando bastante nele, não é propaganda: falo do Brizola de antes.

Depois de termos tentado, de todas as maneiras, fazer alianças com setores da chamada burguesia nacional, vimos que ela sempre falhava. Quando se lança, por exemplo, a reforma agrária, notem bem, uma reforma agrária capitalista, da qual o maior beneficiado seria o camponês sem terra, mas o segundo maior beneficiário seria a própria burguesia, porque iria ampliar tremendamente o seu mercado de consumo, essa burguesia reage totalmente contra a reforma agrária, Eu afirmo aos senhores que nenhum dos grandes “capitães” da indústria brasileira ficou a favor do nosso projeto de reforma agrária, foram massivamente contra. Também na luta contra o imperialismo não se encontravam aliados, com exceção do Ermírio de Morais. Eu fui diretor do Panfleto, um semanário do Brizola no Rio, que circulou até o numero sete, depois veio o golpe e terminou, e o único colaborador da burguesia nacional para o nosso jornal foi o Ermírio de Morais.

Então, Brizola, no discurso do Centro Acadêmico Cândido Oliveira (CACO), já desiludido, pois não havia maneira de acertar o passo com a burguesia nacional e consegui-la como aliada, teve uma frase mais ou menos assim: ‘A burguesia nacional hoje é um simples agente do imperialismo’. E infelizmente era o que se verificava.”

Nacionalismo


“No meu livro Como se Coloca a Direita no Poder, no capítulo sobre Getúlio, eu mostro que nem sequer esse nacionalismo que teve vigência no país a partir de 1930 se pode chamar honestamente de nacionalismo burguês, porque foi um nacionalismo que surgiu no setor agrário. Como no Uruguai, com Luis Alberto Herrera, foi um nacionalismo que surgiu da luta do fazendeiro do Rio Grande do Sul contra os frigoríficos e que Getúlio depois transplantou para o plano nacional. O fazendeiro aqui no Estado regrediu historicamente com as charqueadas para não se deixar explorar pelos frigoríficos. A origem do nosso nacionalismo não nasce na burguesia de São Paulo, a prova é que a revolução foi feita contra São Paulo.”

Reformas de base

“O único período em que efetivamente o Rio Grande do Sul esteve no governo João Goulart foram os dois meses doBrochado da Rocha como primeiro-ministro. Inclusive a assessoria do Brizola se deslocou para o Planalto e fizemos aqueles 16 ou 18 projetos de lei que, se tivessem sido aprovados, teriam sido ‘as reformas’, sem dúvida nenhuma. Eram as reformas que julgávamos necessárias para um passo adiante a nível nacional. Não reformas socialistas, mas de um capitalismo muito mais racional, eliminando toda uma série de entraves feudais ou semifeudais que havia.

Algumas das coisas que a gente planejava fazer, o governo militar fez. Por exemplo, o Estatuto da Terra. Modificaram inclusive o artigo da Constituição que, no governo Brizola, impedia que se pudesse resolver esse problema das 200 mil famílias em termos estaduais. Aliás, acho que o principal problema do Rio Grande do Sul , ainda hoje, continua sendo exatamente o da terra e o da exportação de gente. Ainda este ano estive em São Felix do Araguaia, convidado por D. Pedro Casaldáliga, e havia gaúcho por todos os lados. Não que eu veja nisso algum mal em si, pois vejo o Brasil como um todo, mas acontece que essas migrações internas estão sendo feitas de forma anárquica e muito por cima das necessidades reais do desenvolvimento harmônico nacional.

O último recenseamento mostrou que, entre 1970 e 1980, 24,3 milhões de brasileiros mudaram de região, e isto é um problema muito sério, inclusive um problema que, do ponto de vista das classes dominantes, preocupa, porque foram criados verdadeiros monstros. Por exemplo, a Grande São Paulo tem 12 milhões de habitantes. Continua havendo o problema da capacidade de expulsão do latifúndio ser muito maior do que a capacidade de absorção pela indústria e pelos serviços urbanos dessa mão-de-obra. De cada dois expulsos do campo ou de sua região para outra região, um consegue se integrar na economia capitalista urbana, o outro fica pelo meio do caminho, marginalizado. O próprio governo admite que existem 40 milhões de pessoas marginalizadas nesse país. A grosso modo, são três países num só: 40 milhões que constituem uma sociedade de consumo, 40 milhões que vivem num equilíbrio instável e 40 milhões totalmente marginalizados.

NOBREZA HUMANA

Possivelmente você já ouviu ao menos falar sobre os três tenores. O italiano Luciano Pavarotti, os espanhóis Plácido Domingo e José Carreras. É possível mesmo que os tenha assistido pela TV, abrilhantando eventos como a Copa do Mundo de futebol. O que talvez você não saiba é que Plácido Domingo é madrileno e José Carreras é catalão. E há uma grande rivalidade entre madrilenos e catalães. Plácido e Carreras não fugiram à regra. Em 1984, por questões políticas, tornaram-se inimigos. Sempre muito requisitados em todo o mundo, ambos faziam constar em seus contratos que só se apresentariam se o desafeto não fosse convidado. Em 1987, Carreras ganhou um inimigo mais implacável que Plácido Domingo. Foi surpreendido por um terrível diagnóstico de leucemia. Submeteu-se a vários tratamentos, como auto-transplante de medula óssea e trocas de sangue. Por isso, era obrigado a viajar mensalmente aos Estados Unidos. Claro que sem condições para trabalhar, e com o alto custo das viagens e do tratamento, logo sua razoável fortuna acabou. Sem condições financeiras para prosseguir o tratamento, Carreras tomou conhecimento de uma instituição em Madrid, denominada Fundación Hermosa. Fora criada com a finalidade única de apoiar a recuperação de leucêmicos. Graças ao apoio dessa fundação, ele venceu a doença. E voltou a cantar. Tornando a receber altos cachês, tratou de se associar à fundação. Foi então que, lendo os estatutos, descobriu que o fundador, maior colaborador e presidente era Plácido Domingo. Mais do que isso. Descobriu que a fundação fora criada, em princípio, para atender a ele, Carreras. E que Plácido se mantinha no anonimato para não o constranger por ter que aceitar auxílio de um inimigo. Momento extraordinário, e muito comovente aconteceu durante uma apresentação de Plácido, em Madrid. De forma imprevista, Carreras interrompeu o evento e se ajoelhou a seus pés. Pediu-lhe desculpas. Depois, publicamente lhe agradeceu o benefício de seu restabelecimento. Mais tarde, quando concedia uma entrevista na capital espanhola, uma repórter perguntou a Plácido Domingo por que ele criara a Fundación Hermosa. Afinal, além de beneficiar um inimigo, ele concedera a oportunidade de reviver a um dos poucos artistas que poderiam lhe fazer alguma concorrência. A resposta de Plácido Domingo foi curta e definitiva: "porque uma voz como essa não se podia perder." ................................. Fazer o bem sem ostentação é grande mérito. Ainda mais meritório é ocultar a mão que dá. Constitui marca de grande superioridade moral. Não saber a mão esquerda o que dá a mão direita é uma imagem que caracteriza admiravelmente esse tipo de benefício. Quando, ao demais, o benefício tem por objetivo maior atender um eventual desafeto, torna-se ainda mais meritório. A criatura demonstra, com tal atitude, estar acima do comum da humanidade. Que essa história não caia no esquecimento. E, tanto quanto possível, nos sirva de inspiração e exemplo

quarta-feira, 13 de julho de 2011

SBPC pede debate do Código Florestal a Sarney

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) enviaram carta ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em que pedem que a proposta do novo Código Florestal seja discutida na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) da casa. Por enquanto, o texto passará pelas comissões de Meio Ambiente e de Agricultura.

A reportagem é de Alexandre Gonçalves e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-07-2011.

Os pesquisadores argumentam que a ciência poderia servir como um fiel da balança na disputa entre ambientalistas e ruralistas. "Se os ruralistas vencerem, o País perde. Se os ambientalistas vencerem, o País também perde", diz o engenheiro agrônomo José Antonio Aleixo. "A única forma de o País ganhar é não existirem vencedores. O interesse público deve prevalecer." Aleixo, pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco, coordenou o grupo criado pelas entidades científicas para discutir o Código.

Para a presidente da SBPC, Helena Nader, não faltou insistência aos cientistas. "Já enviamos várias cartas. Estamos sendo ignorados", disse, durante a 63.ª Reunião Anual da SBPC, iniciada anteontem em Goiânia.

Aleixo argumenta que a ausência dos pesquisadores na discussão torna o diálogo irreal. "Já disseram que, se não fosse autorizado o plantio nos morros a altitudes superiores a 1,8 mil metros, as videiras do Rio Grande do Sul estariam condenadas", exemplifica. "Mas o ponto mais alto da Serra Gaúcha não tem mais de 1,4 mil metros."

A carta enviada a Sarney diz que, sem participação da ciência, o novo Código "será, já de nascença, considerado defasado". Os cientistas argumentam que os limites rígidos de distância estipulados na atual proposta para determinar até onde as áreas devem ser preservadas (na beira de rios, por exemplo) só se justificam porque o texto em que a lei se baseia foi escrito em 1965. A carta aponta que "um novo método quantitativo, baseado em imagens de radar e análises digitais de terreno", pode "definir com precisão as larguras funcionais de matas ciliares em função das características variáveis dos solos, da vegetação e dos rios". Não usar as imagens seria como obrigar pessoas diferentes a calçar sapatos do mesmo tamanho, compara Aleixo.

Há quem diga que os cientistas entraram tarde no debate. As discussões sobre o novo Código começaram há mais de dez anos, mas a academia só teria demonstrado disposição em maio de 2010. Silva responde que os pesquisadores nunca foram chamados para o debate, embora fossem atores óbvios no processo.

Márcio Astrini, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, concorda que a comunidade científica foi alijada do debate. "O Senado tem o papel de abrir a discussão com a sociedade e corrigir os erros cometidos na votação do Código pela Câmara", diz. Segundo o ambientalista, as discussões no Senado devem incorporar também as demandas dos representantes da agricultura familiar.

Na noite de anteontem, Helena mencionou no discurso de abertura outros exemplos em que a academia teria sido ignorada, como a proposta que põe fim à exigência de pós-graduação para docentes do ensino superior (mais informações nesta página). Uma maior valorização dos cientistas no debate público tem sido demanda frequente nas conferências da reunião da SBPC.

Habilidade política

O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, citou em sua palestra, ontem de manhã, a "falta de habilidade política dos pesquisadores". "Quando eu era senador, sempre dedicava minha emenda de bancada - a mais nobre para um parlamentar - às universidades públicas paulistas (para que elas recebessem mais alguns recursos governamentais). Nunca recebi agradecimento. Se você faz a mesma coisa para uma cidade do interior, o prefeito monta uma festa. Ele sabe como aquilo é importante para seu mandato."

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A sociedade civil organizada escreve o Plano Estadual de Educação


Governa bem o governante que sabe ouvir o seu povo. Governa melhor aquele que respeita e executa a vontade popular.

A sociedade brasileira está caminhando para superar os graves déficits educacionais que se acumulam ao longo de muitas décadas. O estado de São Paulo precisa trilhar o mesmo caminho.

Para que o Brasil supere seus desafios, é fundamental a mais ampla participação e a gestão democrática das políticas sociais, sobretudo na educação. A Conferência Nacional de Educação (CONAE), foi um importantíssimo passo neste sentido.

A CONAE lançou bases para um Plano Nacional de Educação que seja construído como política de Estado, que não se limite à gestão de um governo, mas que se afirme ao longo de todo um período, independentemente das alternâncias no poder. A Conferência também aprovou a criação do Fórum Nacional de Educação, órgão consultivo de representação da sociedade civil que já se tornou uma realidade, institucionalizado através de portaria do Ministério da Educação.

Por seu turno, a CONAE-SP foi um dos maiores e mais democráticos movimentos educacionais de que se tem notícia no Estado de São Paulo, propiciando debates e reuniões que envolveram muitos milhares de pessoas desde as escolas, passando pelos municípios e regiões até chegar ao nível estadual.

Como entidades participantes da CONAE-SP, reunimo-nos para organizar o Fórum Estadual de Educação de São Paulo, pleiteando junto ao Governo do Estado sua institucionalização como órgão consultivo, a exemplo do Fórum Nacional de Educação.

A primeira tarefa do Fórum Estadual de Educação será acompanhar e contribuir na formulação do Plano Estadual de Educação, uma necessidade premente para que a educação pública no Estado de São Paulo sofra as transformações necessárias que corresponda aos anseios da população paulista.

São Paulo precisa de um Plano Estadual de Educação que assegure a educação como direito de todos e dever do Estado, fundada na solidariedade, no diálogo, na honestidade, no respeito às diferenças humanas e culturais, na inclusão e na justiça social, enfim, nos valores humanistas e na ética política.

Esta é a nossa luta, para a qual convidamos todos e todas que, conosco, comungam do desejo de construir uma educação pública, humanista, inclusiva e de qualidade para todos os cidadãos e cidadãs do nosso Estado e do nosso País.

(assinam as entidades)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

OBRIGADA padre Ze!

Meus queridos amigos,

Minhas queridas amigas

Desde o dia 27/3, eu me permiti ser Maria. Maria aos pés do mestre JESUS que me falou intensamente. Falou através dos mistérios dolorosos e gloriosos vividos.

Falou através da presença de tantos que vieram dos quatro cantos celebrar a ressurreição do nosso amigo José Comblin.

Falou através do abraço, do aperto de mão, das lágrimas silenciosas, da solidariedade entre todos que nos sentimos irmanados na orfandade.

Falou através das mensagens e testemunhos tão diversos e genuínos retratando a grandiosidade de nosso profeta.

Falou enfim através da vida tão completa de nosso amigo que pude acompanhar por tantos anos.

O Mestre foi desvendando os fatos, como fizera pacientemente com os discípulos no caminho de Emaús, até reconhecerem o Ressuscitado! Daí vou haurindo as forças para prosseguir no caminho de Jesus.

É com o coração repleto de GRATIDÃO que faço essas linhas. Gratidão pelo nosso querido José Comblin - o padre Zé - por tudo o que ele foi e significa para nós.

Gratidão também por cada um, por todos vocês que tão carinhosamente se expressaram de muitas formas, de todos os recantos, presentes nas mais diversas fases de nossas histórias. Tantas mensagens tão belas, tão lindas, que transbordaram do coração. Raios de Luz a suavizar a noite e a apontar o rumo, como a estrela de Belém. Certamente ele quer nos ver a caminho. Por isso envia a sua luz!

Ele partiu para a sua Grande Viagem, como ele costumava dizer. Três dias antes comentava comigo: - Acho que Deus se esqueceu de mim... pela primeira vez senti que desejava partir. Indaguei, ao que ele respondeu: não me sinto mais desse mundo. Nos últimos dias tinha pressa de fazer tudo, organizar, responder. Mas o livro... o livro era o grande desafio. Desejava fazer o melhor. Trabalhou intensivamente na 4ª versão em janeiro. Já ia adiantado, quando o computador escondeu e não mais devolveu seus escritos. A princípio ele se conformou, disse que era para poder recomeçar melhor... Mas um mês depois, o esforço o desafiava, dava para perceber. Sua mais bela obra ficou inacabada. Será, sim, publicada no momento oportuno.

Ele se preparou cuidadosamente para a Grande Viagem. Todos se recordam quando optou pela diocese de Barra, terra de desafios, sertão remoto e esquecido, igreja dos pobres, dos pequenos, dos sem voz, sem vez, sem nada... mas cheios de Deus! Ele justificava: preciso me converter, preparar-me para a grande viagem. Acolhido pelo pastor, místico e profeta, que muito admirou e amou, cada dia José se via mais feliz. "À sombra de um santo como dom Cappio, eu só posso estar muito bem!"

Nosso amigo viveu a sua Páscoa de modo sereno e rápido como pedira a Deus.

Todos queríamos tanto que ele ficasse mais um pouquinho... só um pouquinho...

Levantou-se na manhã do dia 27, fez a barba, tomou banho, vestiu-se, tomou o remédio, colocou o relógio e, neste dia, um agasalho... Diariamente o mesmo ritual. Hospedado num apartamento na sacristia da capela do Recanto da Transfiguração, - (comunidade querida de apoio em Salvador, onde vive Gisa e uma comunidade de consagradas leigas) - abriu as duas portas chaveadas de passagem para a capela e o jardim. Logo retornou... Seria um mal estar? Quem viu, do outro lado do jardim, logo veio com um guarda-chuva, pois garoava. Chamou... outra vez... silêncio. Adentrou até o quarto e lá estava nosso amigo sentado na cama inerte. Seu cardiologista veio constatar: fibrilação atrial (que provocou uma embolia cerebral), morte instantânea. Além da graça de uma morte rápida, queria também morrer na ativa... assim ficou, sentado... e queria morrer em casa... - partiu desse recanto tão acolhedor.

Não houve nem tempo, amigo, para colocar a música que pediste para esta hora definitiva: o coro final da Paixão segundo Mateus, de J.S.Bach.

O Pai amorosamente o ACOLHEU... ouvindo os seus desejos. Era domingo, o dia do Senhor. O Senhor veio, e no jardim da vida, colheu a flor mais viçosa. Nós, tomados de surpresa... não tivemos pressa, necessitávamos contemplar o mistério que na sua eloqüência só nos pedia silencio profundo e obediência. Na hora do crepúsculo Frei Luiz Cáppio nos convidou a celebrar a Eucaristia na intimidade do corpo presente. Ele ainda no estado natural, tão sereno, irradiava tanta paz e até mesmo um sorriso velado nos lábios. Parecia ouvir nossos testemunhos e os cantos das comunidades.

Na 2ª feira fizemos a última viagem por terra - de carro como ele tanto gostava de viajar. Saímos de Salvador rumo ao Santuário de Santa Fé, no município de Solânea, Paraíba, Era lá que desejava fecundar a terra, junto ao modelo de missionário que ele tanto difundiu, o Pe. Ibiapina. Ele dizia: não quero ficar abandonado, lá sempre tem gente visitando o padre Ibiapina, assim também aproveitarei do movimento...

Movimento foi a sua vida toda, incansável.

Chegamos na madrugada da 3ª feira: noite escura, céu estrelado. Em breve a aurora se anunciaria e o dia chegaria.Que lindo dia! Quantos reencontros! O Santuário se preparou para recebê-lo. Alimentou e hospedou a tantos peregrinos que vieram de toda parte para o último adeus. Obrigada padre José Floren, obrigada Ir. Letícia - quanta dedicação. Também seus filhos e filhas mais próximos que chegaram antes para preparar as cerimônias. Certamente ele se regozijava de ver a sua imensa família se reunindo...

Os funerais começaram com a leitura de mensagens - durante uma hora inteira... e não foi suficiente. As 15.00 a celebração eucarística, presidida pelo bispo de Guarabira, Dom Lucena, outros cinco bispos, cerca de 60 padres. Quando a noite já nos envolvia, os funerais. Bem ao lado do padre mestre Ibiapina.

Sim, você já nos contemplava da morada eterna.

Veja, José, a multidão de filhos e filhas! Quantos acorreram a Santa Fé de todos os lugares, até de fora do Brasil! Bispos, sacerdotes, religiosas, mas, sobretudo o povo dos pobres, tantos missionários e missionárias, os pequeninos, os preferidos de Jesus - estes mesmos que você amou de modo tão terno. Quantos se irmanaram nessa hora de todas as partes do mundo: da América Latina amada, da sua terra de origem Bélgica, dos vizinhos países europeus, da América do norte, até de Jerusalém... Provavelmente, do Japão, das Filipinas e tantos lugares onde seus escritos também chegaram...

Você teve o dom maravilhoso de REUNIR numa grande família todos os que sonham com uma Igreja mais humana, mais presente, mais amante e fiel a Jesus, fiel ao seu Evangelho. Como você gostava de ensinar, de mostrar, de descortinar horizontes... apontar o Caminho de Jesus. Seu olhar aguçado penetrava a realidade e nos despertava do torpor, da cegueira e da inércia. Obrigado, padre Zé!

Sofremos, sim e muito! Somos de carne e osso ainda, e a sua presença física, com suas manifestações: o sorriso, a ternura, o abraço, suas mãos tão ternas e servidoras, o olhar tão transparente e verdadeiro, a suavidade e clareza ... e sobretudo, as suas palavras - sábias, sinceras, penetrantes, contundentes - nos faltam imensamente, amigo! Quanto privilégio tivemos! Cultivaremos sim a sua memória, não para guardar, mas para repartir.

Sua PRESENÇA perdura através dos seus gestos que marcaram tantos corações. A sua voz segue ecoando através dos seus escritos! Os seus exemplos do cotidiano são filmes permanentes na memória do coração.

Com você aprendemos que ter Fé em Jesus não é render-lhe um culto. Ter fé em Jesus é entrar no seu Caminho e perseverar! Aprendemos a lição do amor - única realidade humana que nunca desaparece! - dirigido, sobretudo aos pequeninos e esquecidos da sociedade. O dom do Espírito é o dom de AMAR! voce escreveu.

Concede-nos a fidelidade e perseverança para levar adiante o legado que você nos deixou.

Ensine-nos a ser LIVRES como você foi!

* * * * *

Voltei para a diocese de Barra - a nossa casa - que nos acolheu com tanta alegria há quase dois anos. Aqui fui chamada a trilhar o caminho de Jesus. Quem colocar a mão no arado e olhar para traz não é digno de mim.

Cheguei para a Missa de 7º dia, celebrada na Catedral. Uma Eucaristia fervorosa e participada, uma homilia tão expressiva sobre sua vida e presença, no ofertório os símbolos do seu sacerdócio e da sua missão, no final as mensagens singelas.

Pouco a pouco vou retomando a vida como Marta. Certamente não faltarão os momentos de ser Maria. Santa Fé do padre Ibiapina será local de peregrinação. Organizar seu legado, sua memória será um dos nossos trabalhos. Dedicar-me às Escolas Missionárias, principalmente a caçula na diocese de Barra. Contribuir na animação missionária no chão Nordestino, viver entre os pobres e os pequeninos ... Será a missão!





OBRIGADA minha irmã, OBRIGADA meu irmão!

Sigamos irmanados e APRENDIZES do Caminho de Jesus inspirados pelo nosso amigo para sempre José Comblin!





Barra 05 de abril de 2011
Monica Maria Muggler



Nós o AMAMOS muito!

Nos lhe agradecemos por TUDO!

Descanse em Paz,

Você cumpriu sua Jornada!

Seguirá sendo SAL e LUZ!



...também quero pedir

que você, junto de Deus,

rogue por seus amigos da terra.

Que sejamos fiéis

ao povo de Deus e,

entre o povo de Deus.

de modo carinhoso,

como você testemunhou,

os pobres, os pequenos,

os sem voz, sem vez, sem nada.

Mas que são cheios de Deus.

E você assumiu esse compromisso evangélico de servir os prediletos de Jesus que são os pobres deste mundo.

Ensina-nos padre José e

ajuda-nos a fazer como você fez.

(Palavras de Frei Luiz Flávio Cáppio durante os funerais)





terça-feira, 5 de abril de 2011

Comblin, o profeta da ironia afetuosa


"Como poucas pessoas, é o caso de Dom Helder Câmara,Comblin conseguiu ser cada dia mais aberto e crítico à medida que seus anos avançaram", testemunha Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo e escritor.
Eis o testemunho.
Hoje saí da UTI de um hospital de Olinda, no qual me abriram o peito e me recauchutaram o coração fragilizado, com duas pontes de safena. No reencontro com a vida, ainda no leito de uma enfermaria, fico sabendo da partida do padre José Comblin, meu velho professor de Teologia e amigo de tantos anos e companheiro de lutas e esperanças.
A um teólogo de fama mundial e de projeção pastoral como foi o padre Comblin, não faltarão testemunhos de muitos irmãos e irmãs que com ele conviveram e trabalharam por tantos anos. Eu fui apenas um dos seus alunos em todo o curso de Teologia e nem pertenci ao grupo mais ligado a ele naTeologia da Enxada ou mesmo no instituto de vida missionária que ele animava. Entretanto, fui marcado por sua figura e sua doutrina e tenho algumas experiências próprias que podem ser úteis que agora sejam recordadas. Há pouco mais de uma semana, escrevi um pequeno artigo, defendendo a atualidade e a pertinência de sua profecia eclesial e popular. Ele me respondeu com uma breve mensagem de agradecimento e depois me mandou um texto maior explicando suas críticas ao estilo atual do poder na Igreja Católica.
Conheci o padre Comblin quando ele ainda era muito jovem, em 1964. Dom Hélder Câmara, então novo arcebispo de Olinda e Recife, trouxera uma equipe célebre de professores de Teologia. Entre eles estava o padre Comblin que, durante seus primeiros anos no Nordeste, ficou hospedado no mosteiro dos beneditinos. Naqueles anos, justamente, eu entrei no Mosteiro com a ânsia de renovação que motivava minha geração. Apesar de ser o tempo em que o Concílio Vaticano II propunha para a Igreja um novo Pentecostes, a maioria dos monges se apegava às velhas tradições. Apesar de ser muito discreto e viver outras preocupações pastorais, Comblin não deixava de ser irônico e quase sarcástico. E aquilo me atraía. No meu tempo de noviciado, li em francês “O Cristo no Apocalipse” onde se vê um Comblin exegeta e pouco conhecido. Li também, já em português “A Ressurreição”, um belo livro da Herder no qual ele, antes do Vaticano II, sustentava que o fato teológico mais marcante para o século XX tinha sido a revalorização teológica e espiritual do mistério pascal e da ressurreição de Jesus
Quando comecei a fazer Teologia no Seminário de Camaragibe, ele era o coordenador do curso. Na minha juventude, eu o achava contraditório. De um lado, ele ensinava uma teologia profunda, mas tradicional (não tradicionalista) e eu compreendia pouco isso. Esperava dele intuições inventivas e estas não apareciam, ao menos para mim. Sei que, neste tempo, ele produziu obras impressionantes como Théologie de la Paix, Théologie de la Ville e um estudo sobre Catolicismo Popular no Brasil. Mas, na época, não tive acesso a estas obras. Suas aulas eram dadas em um tom monocórdio, só interrompidas aqui e ali pelas risadas de alunos que festejavam as ironias do Comblin, aparentemente demolidoras, mas no fundo construtivas.
Mais tarde, em 1968, o Instituto de Teologia do Recifenomeia uma equipe de três professores e três alunos para elaborar uma proposta de nova temática e nova metodologia teológica. O coordenador da equipe era Comblin e eu fazia parte dos três alunos que tinham de discutir com ele as propostas dos alunos. Eu tinha a sensação de que ele mal nos escutava, mas me surpreendi quando, depois de muitos debates ácidos, ele assumiu nossas propostas e estas foram, em sua maioria, implementadas.
No mesmo ano, um escrito interno com o qual Comblinpreparava a conferência episcopal de Medellin e propunha uma revolução social, extravasou para a imprensa. Ele que tinha ido a Europa foi proibido pela ditadura militar de voltar ao Brasil. Quando lhe perguntaram quem poderia, até o final do ano, coordenar o seu curso de Teologia dos Sacramentos, (estávamos em agosto), tive a surpresa e o orgulho de saber que ele escolhera o meu nome. Eu era apenas um dos alunos da classe do terceiro ano. A partir daí, sim, eu o assumi como um mestre de vida e procurava ler e estudar tudo que ele escrevia. A partir de então, descobri como ele inovava sua doutrina.
Seu livro em dois volumes “Teologia da Revolução” foi meu batismo nos caminhos do que depois chamaríamos teologia da libertação. Nos anos 70, ele estava fora do Brasil e tivemos poucos contatos. Nos anos 80, o reencontrei mais velho e o achei mais aberto e comunicativo, sempre muito atento aos amigos. Um homem fiel às amizades e às relações. Era um intelectual de erudição raríssima, capaz de dissertar sobre Teologia, Política, Bíblia, Economia e muitos outros assuntos com uma competência incrível, ao mesmo tempo que punha em prática sua visão de uma teologia popular e seu carinho por um instituto para formar padres, missionários/as e religiosos /as que viessem do campo e não precisassem sair do meio rural.
Algumas discussões com ele nortearam-me a vida. Por exemplo, a tentativa de libertar a Teologia cristã de sua base helenista (filosófica grega) ainda muito forte em nossa Igreja. Também, me impressionavam sempre a sua capacidade de criticar livremente a estrutura monárquica e absolutista do Vaticano. Mesmo um interesse imenso por uma vida religiosa mais popular e mais inserida, menos centrada nas estruturas das congregações.
Nos últimos anos em que vivi no mosteiro de Goiás, sempre passou a Páscoa conosco. No Brasil, temos a graça de contar com teólogos e teólogas dos mais abertos e criativos do mundo, mas a contribuição própria do padre Comblin tem sido sempre a de uma liberdade interior de dizer o que pensa e ser um profeta crítico e irônico sempre capaz de ler a história e as estruturas eclesiásticas a partir dos empobrecidos e das grandes causas da América Latina. Em 2006, com Dom Tomás Balduíno e com ele, fomos observadores internacionais das eleições presidenciais da Venezuela e, bem mais do que outros companheiros, eu o vi muito aberto ao bolivarianismo. Quem o conheceu de perto sabe que sua ironia era profunda, mas não era de ruptura e sim de afeição.
Como poucas pessoas, é o caso de Dom Helder Câmara,Comblin conseguiu ser cada dia mais aberto e crítico à medida que seus anos avançaram. Que sua herança teológica e profética seja por nós mantida e continuada.

Para ler mais:

AGRADECIMENTO A UM MESTRE

José Comblin deixou-nos no dia 27 de março último, depois de completar 88 anos de idade, vividos de modo despojado, fraterno e ecumênico. Pediu para ser enterrado em Solânea, PB, ao lado do grande apóstolo dos sertões nordestinos, o Pe. Ibiapina, para ele, um modelo para a missão, para a promoção humana, espiritual e apostólica dos pequenos e das mulheres e um verdadeiro santo, para nossos tempos.

Louvamos a Deus por sua vida e damos testemunho de sua entrega ao estudo e à formação a serviço dos pobres. Sua lúcida contribuição nos campos bíblico, teológico, pastoral e do compromisso cristão no mundo, sempre foi marcada pela busca da justiça e da transformação social. A partir dos últimos e excluídos, interpelava corajosa e profeticamente os grandes do mundo e da Igreja e as estruturas de opressão e exclusão.

A opção pelos pobres, que marcou sua vida, é um exemplo para nós. Por causa dos pobres, deixou a Bélgica e veio para a América Latina. Aqui, optou pelo nordeste, não o das capitais e sim o do sertão. Da experiência vivida entre os pobres, ele retirou o material básico para sua leitura da bíblia, sua espiritualidade, sua teologia, suas orientações pastorais. Nisso, tornou-se nosso mestre: nunca esquecer que o primeiro lugar no reino de Deus pertence aos pobres.

Comprometido com o projeto comunitário de igreja, Comblin dedicou especial atenção à formação de seminaristas em contato com o povo, visitando suas comunidades para com eles conviver e orientar nos estudos. Pensou num tipo de sacerdote nascido ou vivendo na zona rural, membro atuante de uma comunidade de base, e assim brotou a Teologia da Enxada que evoluiu para a fundação do Seminário rural. Para completar o quadro, Pe Comblin iniciou em Mogeiro-PB, o Centro de Formação para Missionárias do Meio Popular. Durante anos ele se desdobrou indo a pé ou de jipe para orientar a formação dos missionários do Campo e das missionárias do meio popular.

Escreveu muito. Fez inúmeras palestras e conferências. Assumiu uma enormidade de cursos formais ou intensivos para toda categoria de pessoas. Sua palavra foi dirigida a lavradores analfabetos e a doutores em teologia, mulheres da periferia e seminaristas, religiosas inseridas e bispos em assembléia, porque seu desejo era estar presente onde pudesse provocar ou renovar em seus ouvintes e leitores a conversão ao reino de Deus. Não poderemos jamais subestimar o valor dessa lição de disponibilidade como missionário e evangelizador.

Sua radical opção pelos pobres fez de Comblin um severo crítico do sistema capitalista e de seus instrumentos de dominação. Basta lembrar sua crítica lúcida e corajosa à lei de segurança nacional. Não contente com a crítica teórica, ele dedicou seu ministério presbiteral à construção de instrumentos de libertação dos pobres, como comunidades eclesiais de base, pastorais sociais e movimentos populares.

A maior lição do mestre Comblin talvez seja sua teimosa fidelidade à igreja. Foi nela e por meio dela que ele decidiu trabalhar a vida toda.

Este nosso testemunho é apenas pálido eco de milhares de pessoas, comunidades, dioceses e movimentos populares que estão agradecendo a Deus por sua vida e seus trabalhos. Sua palavra, seus escritos, sua coerência intelectual e pastoral são para a Igreja da Libertação uma verdadeira herança que devemos fazer frutificar.